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ANOS DE CHUMBO 
Marighella (ao centro) poucos minutos antes de depor no Deops, em foto exposta em São Paulo, no Rio e em Salvador

Por muito tempo, a frase foi apenas um lugar-comum pichado por esquerdistas radicais em muros esquecidos de várias cidades: “Marighella vive!” Agora, 40 anos depois de sua morte, uma exposição de textos e fotos comprova que a memória do guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911-1969), um dos principais nomes da resistência à ditadura de GetúlioVargas e contra o regime militar, realmente continua ativa. A exposição, que leva apenas o nome do ex-combatente, está em cartaz até o dia 24 de janeiro, simultaneamente, no Rio de Janeiro, na Caixa Cultural, em São Paulo, na Estação Pinacoteca, e em Salvador, no Teatro Castro Alves. “É uma figura interessante e pouco conhecida, que passou boa parte da vida na clandestinidade”, diz Isa Ferraz, curadora da mostra ao lado de Wladimir Sacchetta. Todas as três mostras contêm apenas fotos e textos assinados por ele ou sobre ele. Um de seus legados é o “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”, que até hoje é estudado por Forças Armadas de várias partes do mundo, inclusive do Brasil, por ser considerado um documento importante para a estratégia de combate. Este é o ponto forte da exposição: trazer à tona o pensamento de um homem que dedicou a vida aos seus ideais.

“Há poucos retratos dele e nenhuma imagem em movimento. Foi praticamente um trabalho de arqueologia”, explica Isa. Filho de uma baiana e um italiano, Marighella creditou ao pai o fato de ter trilhado o ativismo político. Em um dos textos reproduzidos num painel, o ex-combatente lembra um de seus ensinamentos: o caminho para uma vida melhor é “o fim da desigualdade econômica e a maior justiça entre os homens”. Em 1929, entrou para o PCB. “Em 1936, foi torturado, enfiaram alfinetes sob suas unhas. E ele não cedeu”, recorda o historiador Jacob Gorender, realçando uma de suas marcas, o destemor. Eleito deputado federal em 1946, acabou cassado pela ditadura Vargas dois anos depois.

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Na década de 60, durante a ditadura militar, foi um dos fundadores do movimento de esquerda Aliança Libertadora Nacional, a ALN, e passou a ser visto como inimigo número 1 pelos agentes da repressão. Nessa época escreveu o manual de guerrilha que foi traduzido para dezenas de idiomas. Foi a partir das ideias e conceitos de Marighella que quase uma centena de jovens brasileiros de classe média embrenharam-se na divisa dos Estados do Tocantins e e do Pará na tentativa de criar um levante rural para derrubar o regime militar. A Guerrilha do Araguaia foi esmagada pelas Forças Armadas e boa parte dos inexperientes guerrilheiros sucumbiu à força do Exército, que mandou para a região mais de cinco mil soldados. Para muitos, o apoio de Marighella à luta armada foi um erro do guerrilheiro, que não conseguiu avaliar a falta de preparo de jovens urbanos para uma luta dura e desigual travada em uma região hostil. Além disso, credita-se também a Marighella uma parcela de culpa na avaliação – malfeita – de que a população rural deste Brasil distante se engajaria da mesma forma que os camponeses cubanos fizeram pouco mais de uma década antes na luta para a derrubada do regime militar.

Carlos Marighella foi assassinado em 4 de novembro de 1969, em São Paulo, por agentes da ditadura militar comandados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Um dos artigos da exposição é um texto do escritor Jorge Amado sobre sua morte: “Deixou mulher, irmãos e filho, deixou inúmeros amigos, um povo a quem amou desesperadamente (…)”. E conclui: “Uma ação de invencível juventude, de inabalável confiança na vida e no humanismo”. Para o sociólogo Florestan Fernandes, Marighella foi “condenado à morte cívica e à eliminação da memória coletiva”. Quatro décadas depois, com o País vivendo um momento político completamente diferente, de democracia e desenvolvimento, o guerrilheiro, enfim, ganha o reconhecimento oficial por sua luta, sua coerência, porém, sem esquecer seus equívocos.

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