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Um dos enigmas do comportamento da sociedade brasileira sempre foi o fato de o povo conviver pacificamente com o hábito de usar pouca roupa nas ruas, pouquíssima na praia e nenhuma no Carnaval, mas não aceitar o topless. Desde o fim da década de 1970 a brasileira tenta ir à praia sem a parte de cima do biquíni, mas enfrenta reações adversas ou violentas, ao contrário do que acontece em balneários europeus, por exemplo. O tabu, porém, pode cair neste verão. Um grupo de cariocas pretende marcar presença nas praias em alguns dias escolhidos da estação para se bronzear sem as amarras do sutiã. Coincidentemente, o primeiro “toplessaço”, como passou a ser chamado o ato convocado pela internet, foi marcado para o sábado 21, quando se inicia a temporada mais quente do ano. Elas pretendem começar pela praia de Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, que costuma lançar modismos para todo o País, e outras cidades devem aderir.

O Brasil avançou muito no terreno dos costumes nas últimas décadas. Do direito ao divórcio ao reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, a sociedade vem derrubando tabus, um atrás do outro. Mas o seio nu continua gerando controvérsia. “A reação ao topless mostra a resistência do machismo na cultura brasileira”, diz Clara Maria de Oliveira Araújo, professora de ciências sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Apesar de uma maior igualdade entre os sexos, o corpo da mulher ainda é visto como objeto sexual e não lhe é dado o direto de usufruir dele como bem quiser.” A antropóloga Miriam Goldenberg endossa a tese: “A proibição ao peito de fora é uma forma de nossa cultura dizer o que pode e o que não pode em relação ao corpo feminino”. Até o ato de amamentar em público causa polêmica, tanto que vários “mamaços” foram organizados nos últimos anos.

A hipocrisia atinge o ápice no Carnaval, quando ninguém se importa com a exposição do corpo na avenida – até a genitália desnuda já desfilou na Marquês de Sapucaí. O topless na praia, no entanto, continua incomodando. Foi a experiência da atriz Cristina Flores, 37 anos, que motivou o toplessaço. No mês passado, ela foi obrigada por três PMs a vestir uma blusa quando exibia os seios para fotos de divulgação da peça “Cosmocartas”, na praia de Ipanema. “Na verdade, nem sou praticante do topless, mas queria ter esse direito”, diz Cristina. O caduco Código Penal, de 1940, no seu Artigo 233, proíbe “ato obsceno” em público, e é nele que as forças repressoras se amparam. “É um conceito indeterminado e os agentes acabam seguindo esses valores subjetivos”, afirma André Mendes, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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Como cada um julga como quer, muitos têm mandado mensagens agressivas a uma das organizadoras do toplessaço, a atriz Ana Rios, 23 anos. “Desde que começamos a organizar o ato, temos recebido muitas agressões pelo Facebook. Sinal de que não é fácil mudar a mentalidade das pessoas e poder lidar de forma mais livre com o nosso corpo”, afirma a atriz. Para a socióloga e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Andréa Brandão Puppin, o caminho do enfrentamento pacífico é o mais eficaz para se garantir direitos. “É através do choque que as coisas mudam. Por isso, o ato é válido”, defende a professora.

O topless chegou a ser abordado na novela “Água Viva”, exibida pela Rede Globo em 1980, que está sendo reprisada no canal pago Viva. Na ficção, personagens como Stella (Tônia Carrero) e Bete (Maria Padilha) eram hostilizadas por outros banhistas. Mas nem a influência televisiva mudou a sociedade. Na vida real, algumas praticantes chegaram a levar banho de areia dos incomodados. “Eu e minhas amigas tínhamos que, de vez em quando, botar os tarados para correr”, conta a modelo e apresentadora Monique Evans, 57 anos, que enfrentava as areias de Ipanema apenas com a parte de baixo do seu biquíni asa-delta. É tempo de os costumes avançarem.

 

fotos: José Pedro Monteiro/Agência O Dia; maria flor/divulgação; arquivo TV globo; evandro teixeira/jb