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APOSENTADA?
Governo volta atrás e veículos terão de sair de fábrica em
2014 com airbag e freio ABS. Deve ser o fim da Kombi

Poucos setores são tão vitais para a economia brasileira quanto o automotivo. As montadoras instaladas no País movimentam por ano mais de US$ 100 bilhões, pagam cerca de US$ 25 bilhões em tributos e geram 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. O mercado nacional é o quarto maior do mundo e, graças a essa pujança, muitas inovações tecnológicas surgem nas fábricas brasileiras. Nada mais justo e necessário, portanto, que o governo estabeleça uma política industrial voltada exclusivamente para o ramo automobilístico. Nos últimos dias, porém, algumas dessas políticas foram colocadas em xeque no Brasil e no Exterior. Por mais estranho que possa parecer, o primeiro questionamento veio do próprio governo, que cogitou adiar uma resolução de 2009 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que obriga os veículos produzidos no País a saírem de fábrica, a partir de janeiro, com airbags e freios ABS. O segundo foi feito por europeus na Organização Mundial do Comércio, que se queixaram dos benefícios tributários concedidos pelo Brasil para desonerar sua indústria automotiva e do aumento de impostos para importados.

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Linha de montagem da FIAT

De olho no mercado automotivo nacional,
União Europeia denuncia “protecionismo brasileiro” à OMC

A questão do adiamento da obrigatoriedade de ABS e airbag nos carros nacionais foi levantada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, a exigência dos itens de segurança podia esperar até 2016, o que evitaria perda de postos de trabalho e impacto na inflação. Um dos argumentos apresentados por sua equipe econômica pode ser classificado como “fator kombi”. Como não é possível instalar os equipamentos neste automóvel, sua produção teria de ser encerrada. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, isso ceifaria quatro mil empregos na região do ABC, berço sindical do PT. A Kombi, portanto, seria o pretexto para postergar a resolução. O problema é que, ao cogitar adiar a entrada em vigor dos itens de segurança, o governo não olhou para o retrovisor.

O protecionismo estatal à indústria automobilística trouxe resultados danosos aos consumidores – e ao próprio setor. Até a abertura econômica na década de 1990, o parque industrial nacional era defasado e os modelos produzidos, distantes da qualidade dos outros países. Com menos proteção, as empresas se movimentaram. Ampliaram investimentos e passaram a oferecer modelos mais seguros e modernos. Em vez do fechamento de postos de trabalho, ocorreu o contrário. E não será diferente com a obrigatoriedade de airbags e freios ABS, segundo o consultor André Beer, ex-vice-presidente da General Motors no Brasil. As montadoras tiveram três anos para se adaptar às novas regras, contando inclusive com financiamento do governo. Se as linhas de produção de modelos antigos com forte apelo comercial, como Celta, Gol e Uno Mille, devem parar por não conseguirem cumprir as exigências, outros carros ocuparão os seus lugares para suprir a demanda. “Não há dúvida que veículos mais seguros e com o mesmo preço tomarão essa fatia de mercado”, analisa Beer. “Também não é consistente falar em desemprego. Essas novas linhas de produção irão absorver a mão de obra das outras aposentadas.” Na terça-feira 17, em um gesto de bom senso, o ministro anunciou a volta da exigência dos airbags e dos freios ABS a partir de janeiro de 2014.

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ACELERANDO
Ministro Guido Mantega e colegas de governo terão de convencer
a Argentina a não limitar exportações de carros brasileiros 

O governo se posicionou de forma veemente contra a choradeira dos europeus. Os benefícios tributários concedidos ao setor em 2013, como a redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), não só beneficiaram os consumidores, que passaram a pagar menos pelos carros, como impulsionaram as próprias fabricantes – que viram suas vendas aumentar mesmo em um momento de desaceleração econômica. “Obviamente estamos analisando o caso, mas temos confiança de que nossos programas são conformes as regras da OMC”, disse Luiz Alberto Figueiredo, ministro das Relações Exteriores. “Vamos demonstrar aos nossos parceiros europeus que os programas questionados estão, sim, em conformidade com as regras internacionais.” Nos próximos dias, o Brasil terá outro desafio pela frente. A Argentina, que responde por mais de 80% do volume do dinheiro gerado pelas exportações de carros brasileiros, quer limitar a entrada dos veículos fabricados no Brasil. Se isso acontecer, será um duro golpe para a indústria nacional. Até agora, porém, as montadoras têm conseguido manter o pé no acelerador. Boa notícia para elas – e para os consumidores também.

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  fotos: divulgação; Leo Lara/divulgação Fiat; Adriano Machado/AG. ISTOE