CINEMA-ABRE-IE-2301.jpg

As filmagens da comédia “Something’s Got To Give”, último trabalho de Marilyn Monroe, foram marcadas por interrupções, mudanças constantes no roteiro, surtos de paranoia e ausências da estrela no set. E também por boas surpresas. Ao gravar a famosa cena da piscina, a bombshell decidiu atuar totalmente nua para um grupo de fotógrafos – seu objetivo era ganhar a capa das revistas e desviar o foco de sua rival, Elizabeth Taylor. E foi o que aconteceu. Mas de nada adiantou. Refém de drogas e tranquilizantes, Marilyn foi encontrada morta em sua cama dois meses depois desse episódio escandaloso para a época. “Something’s Got To Give” nunca veio à luz e como essa produção uma centena de títulos de grandes diretores, com potencial para marcar a história do cinema, teve o mesmo destino. Foram abortados no estágio de roteiro, pré-produção, filmagens ou até no momento de edição, às vezes tendo consumido décadas de pesquisa e preparação, caso de “Napoleão”, mastodonte cinematográfico de Stanley Kubrick, que vai ser transformado em série pela HBO, com produção de Steven Spielberg. Numa época em que as boas ideias mostram-se escassas, a empreitada do diretor de “Lincoln” abre um horizonte para os estúdios e a perspectiva de tirar esses projetos do limbo. Mas não redime a sucessão de fracassos, já que, mesmo terminadas, as novas produções não suprem a lacuna do original, como sugere o título do livro “The Greatest Movies You’ll Never See” (Os Maiores Filmes Que Você Nunca Verá), que acaba de ser lançado na Inglaterra e na França. Organizado pelo crítico Simon Braund, da revista inglesa “Empire”, reúne mais de 50 projetos de mestres como Orson Welles, Federico Fellini, Charles Chaplin, Alfred Hitchcock e Francis Ford Coppola, que permaneceram como sonho na mente de seus realizadores.

5.jpg

Escrito em ordem cronológica e na forma de longos verbetes, o estudo mostra que Napoleão não era uma obsessão apenas de Kubrick. Em 1920, Chaplin quis interpretar o imperador francês numa trama que apostava na hipótese de que ele havia fugido da ilha de Santa Helena enganando a guarda britânica com o uso de um sósia. Após dez anos sem conseguir viver o papel, Carlitos escalou James Cagney, conhecido pelos filmes de gângsteres, para a empreitada. “Na sua autobiografia, Cagney lembra que passou um dia na mansão do diretor e recusou o convite de forma irredutível. Ele achou Chaplin entediante”, disse Simon Braund à ISTOÉ. Fala-se aqui de projetos ambiciosos e a teimosia dos cineastas não raro geniais acaba pesando no naufrágio desses filmes. Fellini, por exemplo, já estava com os cenários armados nos estúdios Cinecittá para rodar “Il Viaggio de G. Mastorna”, com Marcello Mastroianni, e largou tudo por não conseguir escrever um final para a história do violoncelista que se vê morto após um acidente de avião.

4.jpg

Conhecido pela coleção de trabalhos abandonados – o livro seleciona cinco –, Orson Welles chegou a filmar, a partir de 1959 e durante mais de uma década, horas e horas de sua adaptação de “Don Quixote”, de Miguel de Cervantes. Os produtores torceram o nariz para as andanças do protagonista com Sancho Pança numa Espanha pós-hecatombe nuclear. Ao contrário, Alfred Hitchcock, listado com dois títulos, teve “Kaleidoscope” vetado em 1967 porque os estúdios acharam que ele ia “queimar o seu filme”.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

3.jpg 

O roteiro, sobre um criminoso com fobia por água, abusava de cenas de nudez e seria rodado fora de estúdios, no estilo da nouvelle vague. Nada se compara, contudo, ao descontrole do diretor francês Henri-Georges Clouzot, que transformou em tortura o set de “L’Enfer”, sobre um homem que enlouquece de ciúmes. O ator Serge Reggiani ficou doente e, com a equipe sendo reduzida aos poucos, Clouzot teve um fulminante ataque cardíaco.

2.jpg  

A morte, obviamente, é outro motivo do engavetamento de muitos títulos, como “Leningrado”, de Sergio Leone, e “Nostromo”, de David Lean, baseado no livro de Joseph Conrad. “Depois do orçamento, razão principal de a maioria dos projetos ser abandonada, alinham-se também outros fatores, como disputas legais, diferenças criativas e desencontro de agendas”, afirma Braund, que acha fascinante a retomada de alguns deles – embora preveja um desastre nessas tentativas. Ele só não avaliza a filmagem de “Brazzaville”, continuação infeliz de “Casablanca”, parada desde 1943. “Rick (personagem de Humphrey Bogart) é um agente secreto americano e seu cinismo e coração partido revelam-se pura encenação, uma das piores ideias já imaginadas.”

1.jpg

fotos: Snap Stills/REX/glow images;Tazio Secchiaroli; divulgação


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias