Na teoria, o projeto é uma unanimidade. A renovação da frota de carros do País movimentaria o mercado, mantendo empregos, baixaria os níveis de poluição e melhoraria as condições de segurança no trânsito. Na prática, porém, está emperrando na má vontade da equipe econômica. O governo federal acaba de aumentar seu nível de exigências para aderir ao projeto apoiado por empresários e trabalhadores, que prevê a concessão de um bônus de R$ 1.800 para quem trocar seu carro com mais de 15 anos de uso por um novo ou seminovo. A mudança nas regras do jogo foi a surpresa desagradável do Seminário de Renovação da Frota Nacional e Reciclagem de Veículos, que reuniu mais de 500 especialistas do setor na Assembléia Legislativa de São Paulo na semana passada.

Desde que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC apresentou a proposta, em novembro de 1998, as negociações com o governo federal vinham se arrastando. A situação mudou há cerca de um mês, quando as montadoras se comprometeram a arcar com a parte do governo federal caso as vendas em 2000 não ultrapassassem a marca registrada no ano passado, de 1,19 milhão de unidades. Isso porque, na formação do bônus, cabe ao governo federal fornecer uma isenção de R$ 700 no IPI, o Imposto sobre Produtos Industrializados (leia quadro sobre a carga tributária total à pág. 96). O Estado, por sua vez, entra com uma redução de R$ 500 no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS), e as montadoras e concessionárias com um desconto de R$ 600.
Devido à proposta das montadoras, havia a expectativa de que o governo desse o sinal verde para o programa durante o seminário. O ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, havia inclusive sinalizado nessa direção. Mas seu representante, o secretário de Política Industrial, Hélio Mattar, anunciou que o volume de mercado previsto pelas montadoras não coincidia com as previsões do governo. “A produção de 1,19 milhão de veículos em 1999 é baixa para 2000, pois projetamos um crescimento de 4% no PIB (Produto Interno Bruto). Queremos níveis mais altos, em torno de 1,35 milhão a 1,4 milhão”, disse Mattar.

Surpreso com a exigência, José Carlos Pinheiro Neto, o presidente da Anfavea, a associação dos fabricantes de veículos, garantiu que desconhecia os números apresentados por Mattar, com base em dados do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Não posso dizer agora se a nova proposta do governo é viável porque os cálculos que chegaram a 1,19 milhão de veículos são detalhados, feitos após muito estudo”, disse Pinheiro Neto. “Embora o nível de exigência do governo seja crescente, vamos analisar o mais rápido possível, pois nenhuma montadora fabrica para ficar na prateleira.” O dirigente adianta, no entanto, que o limite citado por Mattar pode diminuir a marcha das negociações, mas não representa nenhum empecilho para que o acordo aconteça.
A marcha à ré engatada pelo governo não chegou a sobressaltar Luiz Marinho, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que teve a iniciativa de organizar o seminário, promovido também pelo governo paulista, pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e pela Anfavea, com o apoio do jornal Diário do Grande ABC e da revista ISTOÉ, entre outros. Quatro dias antes do encontro, Tápias havia cancelado sua participação, argumentando que o imbróglio da AmBev, que envolve a fusão da Antarctica com a Brahma, o impediria de deixar Brasília. Pelo mesmo motivo, não poderia ser substituído pelo secretário Mattar. “Tive de procurar o próprio presidente Fernando Henrique para que mandassem o representante do Ministério”, conta Marinho. “Na verdade, o governo precisa sair do muro. Sua indecisão está protelando a implantação de um programa que traz benefícios para toda a sociedade”, reclama Marinho.

Ameaças – Em São Paulo, Mattar pediu mais 30 dias de prazo para que o governo federal concluísse seus estudos sobre o assunto. Irritado com a protelação, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, fez eco à proposta de Marinho de organizar manifestações para pressionar o governo. “Vamos parar fábricas, botar trabalhadores nas ruas, adotar a linguagem que Brasília entende”, ameaçou Paulinho, como é conhecido o sindicalista. Nem o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, José Aníbal, deixou de criticar a delonga da administração federal. “Lá vale a hegemonia malaniana”, alfinetou Aníbal, referindo-se ao ministro Pedro Malan, da Fazenda. “Mas nossa disposição é continuar as conversas, sabendo que ali há resistências.”
Dos 19 milhões de carros que circulam atualmente pelo Brasil, 5,7 milhões têm mais de 15 anos de uso. Um deles é o Monza 85 vermelho do governador paulista, Mário Covas, que não pretende trocá-lo pelo bônus, por considerá-lo em condições de passar no teste da inspeção veicular que está para ser implantado em todo o País. Apesar do apego ao carro usado que comprou quando foi eleito senador, Covas é um dos maiores defensores do programa de renovação da frota nacional, que numa segunda etapa atingiria os automóveis com mais de dez anos de estrada. Eles somam nove milhões de unidades. “A renovação da frota aumenta a segurança no trânsito, a qualidade de vida, diminui a poluição e sobretudo, garante e amplia a faixa de emprego”, diz o governador. “No caso do carro movido a álcool, cujo consumo precisa ser incentivado, propomos uma isenção de ICMS da ordem de R$ 900 e a redução do IPVA em 50%.” Ele ressalta ainda que a medida não tem nenhum vínculo com a chamada guerra fiscal entre Estados e municípios. “O incentivo não é para nenhuma empresa. Aquilo que se diminui do imposto, vai diretamente para o bolso do consumidor”, lembra Covas.


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