aargentina.jpg

 

 

A neve caiu em Buenos Aires. Os portenhos foram às ruas na segunda-feira 9 para aproveitar os primeiros flocos na capital desde 1928, quando a maioria deles nem havia nascido. Mas, por mais romântica que seja a neve, os argentinos não têm motivo para comemorar o inverno. O frio intenso acontece em meio à pior crise energética da história do país. A Argentina simplesmente não tem energia suficiente para aquecer as residências e, ao mesmo tempo, abastecer os automóveis e manter ligadas as máquinas das empresas. Na semana anterior, o racionamento de eletricidade já paralisara mais de 300 fábricas e afetara 4,9 mil indústrias. Nos últimos dias, o apagão só fez piorar.

Entre terça e quarta-feira, a estação de esqui de Bariloche ficou 16 horas no escuro, enquanto as temperaturas baixavam a 15ºC negativos. Nos postos de abastecimento das províncias, proliferaram as placas de “no hay gas”. Para não irritar os 30 mil taxistas da capital que usam o combustível, o governo fez um acordo com a Petrobras e a YPF para reduzir o preço da gasolina. Como se não bastasse o caos interno, a Era do Gelo argentina começa a afetar os vizinhos.

 

 

aargentina3.jpg

 

 

 

Na quarta-feira 11, a Argentina suspendeu a entrega de gás para o Chile, que recebia de lá 90% das suas importações do produto. No dia seguinte, reduziu drasticamente o fornecimento de gás de cozinha (GLP) para o Paraguai. Até o café-da-manhã dos brasileiros está ameaçado: as exportações de farinha de trigo para cá devem diminuir e os preços, subir. O Brasil importa 75% do trigo e da farinha que consome e a maior parte desses embarques vem da Argentina e, sem energia, os moinhos estão reduzindo a produção. Como um país que exportava energia – no ano passado, obteve somente dessa fonte US$ 5 bilhões dos US$ 12,7 bilhões do superávit comercial – chegou a esse ponto de penúria? Em uma palavra: populismo. O responsável por uma política econômica que congelou tarifas e afugentou investimentos no setor nos últimos anos tem nome e sobrenome: Néstor Kirchner.

O presidente argentino ignorou os alertas sobre o apagão e deve, agora, pagar com o sacrifício do crescimento econômico – nos últimos anos, a Argentina vinha crescendo a taxas de 9% ao ano. “Desde 2002, o governo Kirchner vem sendo alertado dos perigos de colapso energético no país. No entanto, preferiu congelar as tarifas como uma medida populista”, diz Adriano Pires, presidente do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE). Essa política impediu novos investimentos para suprir o alto consumo de energia pelas indústrias. “As empresas de infra-estrutura foram penalizadas com o congelamento de tarifas”, diz Goret Pereira Paulo, coordenadora do núcleo de energia da FGV Projetos. Sem perspectivas de retorno adequado, os interessados em investir em novos projetos sumiram. Como o Estado deixou de investir em geração de energia nos anos 90, o país ficou na mão e deve pagar por isso nos próximos anos. “É um custo muito alto não ter energia. Afeta produção, emprego e renda”, afirma Goret. A somatória de investimentos em infra-estrutura em queda e consumo crescente só poderiam resultar em racionamento. Para acontecer o apagão, só era preciso um frio maior que o normal. É o que está acontecendo.

 

 

 

aargentina2.jpg

 

 

 

Por enquanto, as residências estão sendo poupadas e só as empresas ficam sem energia. A situação é pior que a vivida pelo Brasil em 2001. Aqui, os consumidores aderiram rapidamente ao racionamento, cumpriram as metas de redução de gastos e instalaram lâmpadas mais econômicas. Foram necessários cinco anos para que o consumo brasileiro voltasse ao mesmo nível de antes do apagão. Na Argentina, os consumidores ainda não foram estimulados pelo governo a reduzir o desperdício de energia. O pior é que o populismo tarifário produz o efeito contrário. Ou seja: dias piores virão. “A Argentina passará por um período de crise gravíssimo”, afirma Pires. “Esse quadro não se reverterá rapidamente.” E, como aconteceu no Brasil, não será surpresa se o apagão comprometer a popularidade de Kirchner a ponto de tirar da sua mulher, Cristina, uma vitória presidencial tida como certa na eleição marcada para outubro.