17/12/2013 - 16:31
O governo brasileiro "dificilmente" aceitará o pedido de asilo do ex-técnico da Agência Nacional de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) Edward Snowden, informam interlocutores da Presidência. Além de haver uma predisposição em não comprar uma briga maior com o país norte-americano, o Planalto não aceita a oferta de utilizar o instrumento diplomático em troca de informações, como é a proposta de Snowden.
Oficialmente o governo não se pronuncia sobre o assunto, uma vez que não houve um pedido formal de asilo. Em julho, logo após o ex-técnico da CIA ter revelado documentos que comprovam a espionagem da Agência de Segurança Nacional americana (NSA), ele chegou a sondar o governo brasileiro para abrigá-lo, enquanto ainda estava confinado na área internacional do aeroporto Sheremetyevo, em Moscou. À época, o então chanceler brasileiro, Antonio Patriota, descartou a possibilidade.
Em entrevista ao Terra, David Miranda, que encabeça a campanha brasileira pelo asilo por meio da internet, afirmou que o gesto seria uma maneira de o Brasil "peitar os Estados Unidos" de maneira soberana. Segundo auxiliares, no entanto, ao cancelar a visita de Estado a Washington e ao trabalhar em favor de uma nova governança da internet, Dilma já está dando uma resposta assertiva ao tema.
Uma "carta aberta ao povo brasileiro" escrita por Snowden foi divulgada nesta terça por David Miranda, o brasileiro companheiro e colaborador do jornalista do Guardian que revelou a existência dos programas de vigilância americanos e britânicos. O documentoseria destinado às autoridades brasileiras e colocado em uma campanha on-line, pelo site da ONG Avaaz, especializada em petições.
Veja a carta de Snowden, na íntegra: "Uma carta aberta ao povo do Brasil, de Edward Snowden Há seis meses, saí das sombras da Agência de Segurança Nacional do governo dosEstados Unidos para ficar na frente da câmera de um jornalista. Eu compartilhei com evidências provando que alguns governos estão construindo um sistema devigilância em todo o mundo para monitorar secretamente o modo como vivemos, que nós falamos e o que dizemos. Eu me coloquei diante de uma câmera com os olhos abertos, sabendo que a decisão iria custar a minha família, minha casa e que arriscaria a minha vida. Eu fui motivado por uma crença de que os cidadãos do mundo merecem entender o sistema em que vivem.
Meu maior medo era de que ninguém ouvir minha advertência. Nunca fui tão feliz em ter errado tanto. As reações de alguns países têm sido particularmente inspiradoras para mim e o Brasil é certamente um deles.
A NSA e outras agências de espionagem aliadas nos dizem que, pelo bem da nossa própria segurança, em nome da segurança de Dilma, em nome da segurança da Petrobras, revogaram nosso direito à privacidade e invadiram nossas vidas. E o fizeram sem pedir a permissão da população de qualquer país, nem mesmo do deles.
Hoje, se você carrega um telefone celular em São Paulo, a NSA pode manter o controle de sua localização: eles fazem isso 5 bilhões de vezes por dia com as pessoas ao redor do mundo . Quando alguém em Florianópolis visita um site, o NSA mantém um registro de quando isso aconteceu e o que essa pessoa fez lá. Se uma mãe em Porto Alegre chama seu filho para desejar-lhe boa sorte no vestibular, a NSA pode manter esse registo de chamadas por cinco anos, ou mais. Eles ainda controlam quem está tendo um caso ou vendo pornografia, em caso de necessidade de prejudicar a reputação de seu alvo.
Senadores norte-americanos dizem que o Brasil não deve se preocupar, porque isso não é "vigilância” e sim "coleta de dados". Eles dizem que é feito para mantê-lo seguro, mas eles estão errados . Há uma enorme diferença entre os programas legais, espionagem legítima, legítima aplicação da lei – em que os indivíduos são direcionados com base em uma suspeita razoável individualizada – e estes programas de vigilância em massa que põem populações inteiras sob um olho que tudo vê e guardar cópias para sempre. Esses programas nunca foram destinados ao combate do terrorismo: são sobre espionagem econômica, controle social e manipulação diplomática. Elas (espionagem) sãosobre o poder.
Muitos senadores brasileiros pediram minha ajuda com suas investigações sobre suspeita de crimes contra cidadãos brasileiros. Expressei minha disposição de auxiliar, quando isso for apropriado e legal, mas, infelizmente, o governo dos EUA vem trabalhando muito arduamente para limitar minha capacidade de fazê-lo – indo tão longe a ponto de forçar o pouso do avião presidencial de Evo Morales para me impedir de viajar para América Latina! Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir em minha capacidade de falar.
Seis meses atrás, eu revelei que a NSA queria ouvir o mundo todo. Agora, o mundointeiro está escutando de volta, e quer falar também. E a NSA não gosta do que está ouvindo. A cultura de vigilância em todo o mundo indiscriminada, exposto a debates públicos e investigações reais em todos os continentes está entrando em colapso. Há apenas três semanas, o Brasil levou o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas a reconhecer pela primeira vez na história que a privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de inocentes é uma violação dos direitos humanos.
A maré virou e, finalmente, podemos ver um futuro onde podemos desfrutar de segurança sem sacrificar a nossa privacidade. Nossos direitos não podem serlimitados por uma organização secreta e as autoridades americanas nunca deverão decidir as liberdades dos cidadãos brasileiros. Mesmo os defensores da vigilância em massa, aqueles que não podem ser persuadidos de que as nossastecnologias de vigilância já ultrapassou perigosamente controles democráticos, agora concordam que, nas democracias, a vigilância do público deve ser debatido pelo público.
Meu ato de consciência começou com uma declaração: "Eu não quero viver em um mundo onde tudo o que eu digo, tudo o que faço, todos com quem eu falo, cada expressão de criatividade, amor ou amizade seja registrada. Isso não é algo que eu estou disposto a apoiar, não é algo que eu estou disposto a construir e não é algo que eu estou disposto a viver sob".
Dias depois, foi-me dito que meu governo me fez apátrida e queria me prender. O preço para o meu discurso era o meu passaporte, mas eu pagaria de novo: eu não vou ser o único a ignorar a criminalidade por causa do conforto político. Eu prefiro ficar sem um estado do que não ter voz.
Se o Brasil ouve apenas uma coisa de mim, que seja esta: quando todos nós nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e os direitos humanos básicos, poderemos nos defender até mesmo os sistemas mais poderosos."
Espionagem americana no Brasil Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency – NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden.
A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal tambéminstaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.
Monitoramento
Reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo, afirma que documentos que fariam parte de uma apresentação interna da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos mostram a presidente Dilma Rousseff e seus assessores como alvos de espionagem.
De acordo com a reportagem, entre os documentos está uma apresentação chamada "filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". Nela, aparecem o nome da presidente do Brasil e do presidente do México, Enrique Peña Nieto, então candidato à presidência daquele país quando o relatório foi produzido.
O nome de Dilma, de acordo com a reportagem, está, por exemplo, em um desenho que mostraria sua comunicação com assessores. Os nomes deles, no entanto, estão apagados. O documento cita programas que podem rastrear e-mails, acesso a páginas na internet, ligações telefônicas e o IP (código de identificação do computador utilizado), mas não há exemplos de mensagens ou ligações.