SHUTTERSTOCKUma estatística que acaba de ser divulgada coloca o Brasil na liderança de incidência de um dos males que mais atormentam a mulher moderna: a tensão prémenstrual, ou simplesmente TPM. De acordo com um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pelo Centro de Pesquisa em Saúde Reprodutiva, também da cidade paulista de Campinas, oito em cada dez brasileiras em idade reprodutiva têm TPM. Isso equivale a 41 milhões de mulheres. O índice extrapola a média mundial, estipulada em 35% de pacientes com sintomas moderados e intensos, e dá ao Brasil o título de país da TPM. A pesquisa envolveu 860 participantes com idades entre 18 e 35 anos, de todas as regiões. Foi constatado que 80% padecem, mensalmente, de incômodos, como inchaço nas pernas, dores de cabeça e nas mamas e cólica. Tudo isso é agravado por uma avalanche de manifestações emocionais pontuadas por crises de mau humor profundo, irritação, tristeza, ansiedade, tensão e até depressão. São reações que aparecem independentemente da vontade da mulher até 14 dias antes da menstruação e desaparecem com a chegada do fluxo menstrual. Duram em média seis dias, tempo suficiente para tornar a vida da mulher e dos que com ela convivem um verdadeiro tormento.

Algumas razões podem explicar a explosão da TPM no Brasil. Na avaliação do ginecologista Carlos Alberto Petta, coordenador da pesquisa, a diferença em relação à média mundial pode estar relacionada à metodologia aplicada na pesquisa ou ao fato de a brasileira se queixar mais dos sintomas. “Aqui, por exemplo, o inchaço é motivo para uma visita ao médico. Já para a européia esse sintoma pode não ter a mesma importância”, explica o médico. O fato é que as conclusões expõem um problema há muito tempo conhecido, mas que só emergiu com a entrada da brasileira no mercado de trabalho. No passado, TPM não passava de um fricote de mulher. Mas essa opinião começou a ser revista à medida que a população feminina precisou conciliar trabalho, maternidade e atividades domésticas. À sobrecarga física e psíquica, que culmina em níveis elevados de stress, ansiedade e depressão, somou-se a influência da TPM.

O resultado não poderia ser outro. A síndrome ganhou contornos mais sérios. Tornou-se um problema de saúde com alto grau de interferência na vida das mulheres, como foi atestado pela pesquisa. Segundo o trabalho, a TPM afeta as relações amorosas de 56% delas e os relacionamentos familiares de 50%. “Outras 47% revelaram que os sintomas interferem no trabalho e 46%, nas atividades de casa”, afirma Petta. Na prática, isso se traduz em situações que vão do cômico ao preocupante. Não são raros os casos de demissões do emprego, discussões com colegas de equipe e brigas com o parceiro e os filhos. No consultório da médica Célia Regina da Silva, coordenadora do Programa de Planejamento Familiar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, as histórias são muitas. “Tenho uma paciente que agrediu com chutes e pontapés um homem durante um show só porque ele esbarrou nela. O noivo, que estava junto, ficou apavorado com a reação dela”, conta a médica. “Uma outra atribui o fim do casamento a esse descontrole emocional freqüente, causador de muitas brigas”, diz Célia Regina.

Relatos de agressividade também são ouvidos com freqüência pelo médico Joel Rennó Junior, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP). “São casos de agressões graves cometidas contra maridos e filhos. As mulheres são socialmente estáveis, mas nesses períodos se definem como um barril de pólvora. Após essa fase, elas choram e demonstram um forte sentimento de culpa pelos atos”, diz ele, responsável por um programa de atendimento voltado à saúde mental feminina. A TPM é a segunda maior razão de procura pelo serviço (a primeira é a depressão pós-parto).

Alguns trabalhos já expressam em números o impacto da TPM. Uma pesquisa publicada no Journal of Occupational and Environmental Medicine, por exemplo, revelou o prejuízo causado no trabalho. Após analisar o desempenho profissional de uma amostra de mulheres de 18 a 45 anos acompanhadas por dois ciclos menstruais consecutivos, os cientistas chegaram a conclusões preocupantes. As que sofriam de TPM faltavam duas vezes mais ao trabalho por mês do que as outras (2,5 dias contra 1,3 dia, respectivamente). Períodos nos quais a produtividade caía a menos da metade também eram mais freqüentes entre as portadoras. Neste grupo, o índice de baixa produtividade foi de 7,2 dias por mês. Entre as mulheres sem TPM, a taxa foi de 4,2 dias.

A boa notícia é que nos últimos anos muito se avançou no entendimento do problema. O que se descobriu até agora é que o turbilhão de manifestações registradas em casa, no trabalho e nos consultórios é provocado por desequilíbrios hormonais ocorridos no período que antecede à menstruação. Ainda não se sabe exatamente por que algumas mulheres apresentam essas oscilações, mas a realidade é que concentrações erradas dos hormônios femininos estrógeno e progesterona estão na base de todos os sintomas. São eles, por exemplo, que levam a uma alteração nas taxas de serotonina, substância importantíssima na regulação do humor e das emoções e também no controle da dor. O estudo da TPM também permitiu a elaboração de sua classificação em três graus: leve, moderada e severa. A forma severa é chamada de Síndrome Disfórica Pré-Menstrual. Seu diagnóstico é feito quando a paciente apresenta cinco sintomas físicos ou emocionais com forte impacto na vida.

A partir desses conhecimentos, surgiu no mercado uma variedade de medicamentos que atuam nos mecanismos que disparam os sintomas, reduzindo-os ou mesmo eliminando-os. Também há drogas que, embora tenham sido criadas para tratar outras patologias, têm se mostrado eficazes na redução da intensidade dessas manifestações. Um dos principais avanços ocorreu com o surgimento da classe das medicações que agem no humor. “São os chamados inibidores seletivos de recaptação de serotonina, uma classe de antidepressivos modernos que atua no comportamento e não interfere na atividade motora-cognitiva”, explica Mara Carvalho Diegoli, coordenadora do Centro de Apoio à Mulher com Tensão Pré-Menstrual, do HC/SP.

Nessa categoria, a novidade é o Dieloft TPM, da Medley. O medicamento, desenvolvido especialmente para mulheres com TPM moderada ou severa, contém sertralina, um composto que equilibra os níveis de serotonina no período pré-menstrual. A droga deve ser administrada por apenas 14 dias. Uma nova geração de anticoncepcionais também é opção para o alívio da tensão pré-menstrual. Um deles é o Yaz, à base de drospirenona. “Essa substância mostrou ser eficaz na redução dos sintomas emocionais e físicos, como o inchaço”, diz a médica Célia Regina, da UFRJ.

As novidades não se limitam à criação de medicamentos. Os especialistas sabem que fatores externos, como o stress, o sedentarismo e a má alimentação, pesam para a gravidade dos sintomas. Por isso, eles têm estimulado a adoção de práticas que combatam esses problemas. Um dos alvos é aumentar a adesão à atividade física. “O exercício regular é ótimo. Há a liberação de endorfinas, substâncias que diminuem a incidência e intensidade dos sintomas”, explica o fisiologista Paulo Zogaib, professor da Universidade Federal de São Paulo.

Os especialistas também são unânimes em afirmar que os cuidados podem começar pelo prato. Isso porque a relação entre os alimentos e a TPM é mais forte do que se imagina. “A alimentação influencia no desencadeamento dos desequilíbrios hormonais que resultam na TPM”, diz a nutricionista Daniela Jobst, do Centro Brasileiro de Nutrição Funcional. Por isso, quem padece com a síndrome deve evitar a ingestão de açúcar, gordura e álcool, além de minimizar o consumo de sal.

A verdade é que, por ser tão complexa, a TPM exige um tratamento multiprofissional. Nos serviços mais modernos de atendimento, hoje há o envolvimento de ginecologistas, nutricionistas, professores de educação física e de psicólogos. Estes últimos têm a função de ajudar as mulheres a lidar melhor com as reações emocionais associadas à síndrome. Mas, cada vez mais, eles também estão sendo exigidos para dar suporte aos parceiros das pacientes. Afinal, não é nada fácil estar ao lado de alguém capaz de explodir simplesmente porque o volume da tevê está ligeiramente elevado, por exemplo. Por isso, os companheiros querem entender o que ocorre para que possam conviver de forma mais harmoniosa. “Cerca de 15% das pacientes que me procuram vêm trazidas pelos maridos, preocupados com as oscilações de humor”, diz a ginecologista Mara Diegoli. Movimento semelhante observa o psiquiatra Joel Rennó: “Essa iniciativa é importante porque facilita o diálogo e ajuda a reduzir o stress no ambiente familiar.” O apoio e a compreensão do homem são decisivos para que os dias de fúria, para ele e para ela, fiquem no passado.

 KARIME XAVIER/AG. ISTOÉ

Confusão em casa
Na casa da executiva Helaine Souza Galan, a família é que mais sofre com as crises: “Brigo com as crianças e com o meu marido por qualquer coisa. A paciência fica no limite.” A saída encontrada pelo marido, Rogério, e a filha mais velha, Carol, 14 anos, foi ignorar a irritação da executiva. “Eles sabem que estou na TPM e me deixam falando sozinha”, diz ela.

Paz no trabalho
Só na matriz da empresa, em São Paulo, elas são 124. Por lá, as queixas não são muito freqüentes – todas tentam trabalhar de forma harmoniosa e algumas recorrem a remédios contra a TPM . “Mas ouvimos casos de irritação com os parceiros”, diz Edna Polito (a primeira da foto), diretora da agência de comunicação In Press Porter Novelli.

MURILLO CONSTANTINO/AG. ISTOÉ

Livre do nervosismo
A vendedora autônoma Vanessa Freiman se livrou do tormento da TPM. Mãe de dois filhos, sofreu durante anos com irritação e nervosismo extremos antes de menstruar. Há sete meses, ela toma um novo medicamento para aliviar os sintomas. “A irritação e a ansiedade estão controladas. A vida sem TPM é outra coisa”, comemora.

KARIME XAVIER/AG. ISTOÉ

O remédio do carinho
A relações-públicas Priscila Fiorin reconhece facilmente quando começa a TPM. As espinhas pipocam pelo rosto, ganha peso, fica irritada e a melancolia a domina: “Choro por qualquer coisa. Outro dia tive uma crise no trânsito a caminho do trabalho.” O noivo, Helton Falusi, já sabe que nesse período a melhor coisa é dar carinho a ela.

ROGÉRIO LACANNA/AG. ISTOÉ

Na ponta do lápis
O técnico da seleção brasileira de vôlei, José Roberto Guimarães, tem uma forma de acompanhar o ciclo menstrual das atletas. Em uma tabela, ele anota as datas de menstruação das jogadoras para identificar quando cada uma delas pode estar na TPM. Isso é importante para o desempenho do time: “Já troquei uma atleta durante o jogo porque ela não estava bem.”

Controle virtual
Foi depois de uma briga boba com a namorada, Fernanda Thomé, 26 anos, que o engenheiro carioca Luiz Carlos da Costa Júnior criou um calendário virtual para acompanhar o seu ciclo menstrual: “Foi a melhor coisa que aconteceu. Evitamos as brigas”. Luiz também fundou uma comunidade no site de relacionamentos Orkut com o nome “Minha namorada tem TPM”. Hoje, há 12 mil membros.