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Ao apresentar “O Pai, a Mãe e a Filha”, primeiro romance da editora e designer Ana Luisa Escorel, a crítica literária Walnice Nogueira Galvão escreveu sobre o relato memorialista centrado na infância da autora: “Será que as aventuras posteriores seriam menos interessantes? Não, com certeza, na pena desta escritora”. Estava correta, mesmo se a obra que agora chega às livrarias não se enquadre no mesmo projeto autobiográfico. “Anel de Vidro” (Ouro Sobre Azul) é uma ficção cuja universalidade libera o leitor de qualquer referência a pessoas ou fatos reais. Que cidade é essa, que já nas primeiras páginas se suspeita ser o Rio de Janeiro, onde a agora romancista paulistana vive e fundou há 12 anos uma das editoras mais criteriosas do País, responsável pela nova obra e pela reedição dos trabalhos de seu pai, o crítico Antonio Candido? Tanto faz, o que importa é a ambiência urbana sufocante, que faz de personagens mergulhados no tédio doméstico e no vai e vem do trabalho seres desgarrados de uma existência plena.

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E que trabalho é esse de que se ocupam os dois primeiros tipos, anônimos, ela no seu segundo casamento e ele, “marido de uma mulher só”, flagrados num romance corporativo? Deduz-se logo ser do ramo da cultura, e mais, mantido por uma estatal – o que delimita a extração de classe a que pertencem. Ana Luisa, que considera essa a sua estreia, conta que a sua opção pelo tipo de narrativa deu-se pelo interesse geral causado pelo tom memorialista do livro anterior. “Como boa desconfiada, pensei: se conseguir pegar um tema tão absolutamente banal como o casamento e fazer dele algo que tenha interesse talvez possa saber se sei realmente manejar a escrita”, diz.

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Para enfatizar a relatividade das situações, Ana Luisa dividiu a obra em quatro capítulos e construiu cada um deles segundo o ponto de vista dos personagens envolvidos, incluindo os cônjuges traídos. A autora afasta qualquer ligação com “O Quarteto de Alexandria”, de Lawrence Durrell, atribuindo a possível inspiração ao filme “Rashomon”, de Akira Kurosawa, que conta um crime por meio de vários depoimentos. Um tema, contudo, atravessa todo o livro: a crise masculina. “Por volta dos 40 anos, o homem passa por um enlouquecimento. A mulher não vive essa crise com tanta intensidade. Acho fascinante esse defeito de fabricação.”  

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Foto: Marcos Ramos/Agência O Globo


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