Os “black bloc” dos estádios não vão conseguir estragar a Copa do Mundo. Podem tirar o time de campo. E a melhor polícia contra eles será a esmagadora maioria dos próprios brasileiros que quer torcer (e sabe torcer) como gente civilizada e repudia o comportamento de predadores sociais – sejam eles integrantes ou não de torcidas organizadas. Copa do Mundo é festa para aqueles que gostam de futebol ou são a ele indiferentes, festa para torcedores de todos os países.

É bandeira nas ruas e nos campos, é festa de cores, arco-íris, criança e adulto com a camisa de sua seleção. Tomara que ergamos a taça, mas também aplaudiremos outra seleção que seja campeã – antes de existir no mundo o regime democrático já existiam modalidades esportivas em refinadas culturas e é por isso que a democracia se traduz tão bem por meio do esporte em geral.

Os vândalos dos estádios ganharam mais uma partida contra a ordem no final da semana passada na Arena de Joinville no jogo entre Atlético Paranaense e Vasco da Gama. Na verdade ganharam diversas vezes ao longo desse Campeonato Brasileiro e nos mais diversos campos. Mas é impossível que autoridades e cartolas não tenham agora, a seis meses da Copa, a noção de que há quadrilhas a fim de denegrir o nome do Brasil – ou será que vão usar a velha peneira do desdém contra o sol da marginalidade nos estádios, a ponto de se chegar nos campos de futebol à situação que hoje existe em cada esquina do País? Falando-se em marginalidade, registre-se, aqui, que dentro das cadeias a seleção de futebol é entidade sagrada, a comemoração de um gol é ensurdecedora num bater de canecas em grade de ferro. Pergunte numa penitenciária a alguém “barra pesada” o que ele acha de quem espanca nas arquibancadas, e a resposta mais leve é a seguinte: “é otário, joga ele aqui”. Ou seja: o valentão das arenas esportivas é condenado até pela lei do crime. Com a licença de Karl Marx e Friedrich Engels, ele é “lumpembandido”.

Diversas teorias já se formaram para explicar brigas em estádios. Houve tempo, por exemplo, em que choviam garrafas de cerveja nos bandeirinhas (o mínimo de bom senso é proibir mesmo a venda de bebidas alcoólicas), e vem dessa época a tese do “estouro da boiada” – dois ou três começavam a brigar e o clima de violência se generalizava (a psiquiatria francesa explica esse fenômeno de “loucura contagiosa” denominando-o “folie à deux”). O que ocorre agora, no entanto, são brigas premeditadas, e prova disso é que em Joinville a pancadaria foi detonada já aos 17 minutos do primeiro tempo. Mais: até torcedores de uma mesma equipe criam tumulto entre si como se viu com cruzeirenses. Ficar-se debatendo se a PM pode ou não estar dentro de estádios não vai levar a lugar algum: constitucionalmente não pode porque se trata de evento privado (seria o mesmo de ela policiar um baile funk). Em São Paulo, os clubes destinam parte de verba à PM, o que também é irregular porque a polícia só pode receber do Estado. Esse é o nó. Imprescindível, contudo, é sair-se da esfera do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Fala-se na “criação de delegacia especializada em tumulto de torcedor”, e é incrível como no Brasil tudo precisa de delegacia especializada para pouco se resolver. Agressões como as que estão ocorrendo são tentativas de homicídio, e para isso já há delegacia. E são casos para a Justiça criminal. Recentemente, um pai foi enquadrado absurdamente na lei do crime hediondo porque furtou uma bola para o filho brincar. Enquadrar vandalismo de torcedor em crime hediondo pode não render voto a legisladores, mas isso sim é que tem de ser feito. Daí não veremos mais helicóptero pousar no gramado para recolher feridos de vandalismo. 

Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ