O presidente Fernando Henrique Cardoso queria ser ator. Fingir as dores que não sente, os amores que não tem. Talvez, por isso, o País nunca saiba realmente o papel que sua excelência gostaria de desempenhar. Ora, toma ares e preocupações do sociólogo de esquerda, atormentado pela iniquidade social que tanto combateu no passado, mas logo na cena seguinte surge como o arauto de um ideário econômico que promove a exclusão social sem dó nem piedade e é capaz de alianças com o que há de mais putrefato na política brasileira. É nessas horas que, como diria Chico Buarque, quem não o conhece não pode mais ver para crer. Nessas horas, também, Fernando Henrique revela que a sua vocação para as artes não foi de todo perdida. Só um ator dos bons poderia tentar convencer a Nação de que faz um governo de cunho social, enquanto as ruas ficam apinhadas de desempregados. E as privatizações, então? O patrimônio público foi-se, o dinheiro idem, os problemas de infraestrutura ficaram e o governo continua a vender empresas lucrativas, quando parece lógico que os investimentos privados deveriam ser destinados aos setores carentes. Mas, somente alguém com grande poder de sedução pode nos convencer do contrário. E FHC convence uma grande parte dos brasileiros. No dia-a-dia do governo, ele também não faz feio. Quantas caras deve precisar para manter a relação com ACM. O ministro Nelson Jobim, por exemplo, foi estimulado a fabricar um arremedo jurídico para conter a ira do Judiciário. Depois FHC disse que não tinha nada a ver com isso.
 

No presente momento, ele quer enganar a patuléia alimentando com sinais tortuosos uma vida mais longa para o ministro Rafael Greca, envolvido em favorecimentos suspeitos, conforme denunciou com exclusividade ISTOÉ em novembro do ano passado. Ao mesmo tempo, deixa evidente aos mais próximos que o ministro já é carta fora do baralho. Esse jogo já deu certo com Renan Calheiros, Élcio Álvares, Celso Lafer e outros menos cotados. O que faz o jogo interessante desta vez é que Greca também mostra ser do ramo. Ele sabe aonde Fernando Henrique quer chegar e finge que não sabe. Daí, essa verdadeira ópera-bufa a que somos obrigados a assistir. Até o senador Jorge Bornhausen, padrinho do exuberante ministro, já tem nomes para o seu lugar. Mas Greca não está nem aí e vai tocando a vida. Pedir demissão não vai, já avisou. Mesmo desautorizado e desacreditado. E o Ministério do Esporte e do Turismo que se dane. Por seu temperamento e formação, Fernando Henrique é arredio a divididas. Prefere que os problemas se resolvam por inércia. É o estilo FHC. O mesmo estilo que fez com que a crise no Ministério da Defesa fosse além da conta e a discussão do salário mínimo e do teto do funcionalismo público não tenha ainda solução. Às vezes, o presidente Fernando Henrique dá a impressão de que finge governar o País.