Certo dia de 1590, em uma aldeia austríaca que ainda vivia sob a Idade Média, surgiu um rapaz extraordinário. Ele lia pensamentos, ficava invisível, conhecia o passado e o futuro e controlava o destino das pessoas. Era um anjo de nome Satã, personagem de O estranho misterioso (Axis Mvndi, 214 págs., R$ 24), uma das últimas obras do escritor americano Mark Twain, talvez a mais clara expressão da sua filosofia sobre a natureza do homem e o sentido da vida. É uma visão cínica e pessimista. Ele sempre foi um cínico de primeira categoria. Se assim não fosse, não seria o Mark Twain que conhecemos e amamos, autor de clássicos como As aventuras de Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Mas aqui, bem distante das águas do Mississippi ou dos escravos fugidios de seus romances mais famosos, ele leva seu cinismo ao extremo. O estranho misterioso é mais do que uma boa história bem escrita – é um espelho da alma humana.
 

Twain examina as questões que boa parte das pessoas tem a respeito de Deus, céu, inferno. De certa forma, é uma maneira indolor de se ler filosofia. Usando magistralmente o conceito de que “tudo é um sonho”, o autor nos conduz à noção de que a própria vida é como um sonho. Sua visão reflete o dilema que angustia a humanidade, ou seja, seguir cegamente a manada ou cair fora e se tornar “humano”. Neste livro, Mark Twain reserva um final perturbador. Não existe o negócio de “sentido da vida”. O homem não tem nenhum objetivo no universo. Na melhor das hipóteses, talvez ele seja apenas uma piada cruel. Esperança e coragem é tudo que nos resta