Em sua autobiografia O décimo sexto assalto, Rubin Hurricane Carter fala da glória efêmera nos ringues, da vida destruída pela condenação à prisão perpétua por homicídio, dos anos passados em um reformatório e das injustiças que sofreu desde criança por ser negro e irreverente. Em 1974, quando o livro saiu, Carter já estava preso havia sete anos, o que atraiu a atenção de celebridades como o campeão de peso pesado Muhammad Ali e o cantor e compositor Bob Dylan, que lhe dedicou uma canção-tema, grande sucesso de 1975. Apesar do estardalhaço, Hurricane continuou preso e suas confissões escritas foram esquecidas até chegarem às mãos de Lesra Martin, um garoto negro do bairro nova-iorquino do Brooklin, que havia sido adotado pelos membros de uma comunidade alternativa canadense. O filme Hurricane – o furacão (The Hurricane, Estados Unidos, 1999), dirigido pelo veterano Norman Jewison, em cartaz nacional a partir da sexta-feira 17, conta como a amizade entre Lesra (Vicellous Reon Shannon) e Carter (Denzel Washington) culminou com a soltura do lutador, em 1988.
 

Todas as atenções recaem sobre o desempenho de Washington, magnífico nas difíceis cenas de luta para as quais se preparou arduamente, esculpindo o corpo para aparentar 20 e poucos anos, apesar de carregar na identidade 45. Graças ao papel, ele já abocanhou o Globo de Ouro, além de ter sido indicado ao Oscar de melhor ator. É um grande espetáculo em todos os sentidos, mas Hurricane – o furacão tem lá seus pecados. A começar pela forma com que retratou a comunidade que adotou Lesra. Originalmente composta por nove integrantes, ao ser reduzida a três – Terry (John Hannah), Sam (Liev Schreiber) e Lisa (a enigmática Deborah Kara Unger), que parece nutrir um interesse maior por Carter, o que não fica explicado –, todos acabaram sem muita função, como se fossem personagens de uma sitcom. A nota destoante, no entanto, é a presença do veterano Rod Steiger, que, na pele de um juiz excêntrico, repete sua performance de Loucos do Alabama, estréia de Antonio Banderas na direção, o que acaba sendo mais cômico do que verossímil.