Na noite do domingo 12, a psicóloga e mãe-de-santo Amira Lépore estava reunida com a família na sua casa, em Long Island (EUA), quando foi surpreendida por um telefonema anônimo. "Dona Amira, a senhora fala demais e escreve demais. É melhor que a senhora não venha para o Brasil e se possível nem publique o livro", disse uma voz feminina em tom ameaçador. No dia anterior, ISTOÉ circulava com a foto de Amira publicada na capa. No interior da revista, uma reportagem de sete páginas mostrava como essa mãe-de-santo brasileira ficou milionária nos Estados Unidos e antecipava alguns capítulos de 72 horas com P.C. Farias, livro em que Amira relata as conversas que teve com Paulo César Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, dois meses antes de ambos serem assassinados. Ao desligar o telefone, Amira comentou a ameaça com os filhos, mas não deu maior importância. Na terça-feira 14, porém, a mãe-de-santo ficou assustada. Ela atendia a uma cliente em seu templo no Queens quando foi novamente surpreendida por um segundo telefonema. "Você está nos Estados Unidos, mas sabemos todos os seus passos. Achamos que sua vida vale mais do que esse livro", afirmou desta vez uma voz masculina. Horas depois, um outro telefonema. "Ainda há tempo para você desistir. É melhor deixar esse caso como está."

Na manhã da sexta-feira 17, depois de passada a ventania provocada pelo furacão Floyd, Amira procurou a polícia de Nova York para buscar orientação de como agir diante das frequentes ameaças. "Estou tomando minhas providências, mas nada irá me fazer desistir de contar tudo o que sei e possa ajudar a esclarecer a morte de meu amigo Paulo César", diz Amira. O lançamento do livro está confirmado para a quinta-feira 7, em São Paulo. As revelações da mãe-de-santo incomodam aqueles que gostariam de ver o ex-tesoureiro de Fernando Collor sepultado como vítima de um crime passional, mas servem de estímulo para aqueles que, por medo, optaram pelo silêncio nos últimos três anos e agora começam a falar. "Mataram minha irmã e ninguém disse nada. Assassinaram Paulo César e montaram um circo. Agora estão roubando o dinheiro da Ingrid e do Paulinho (filhos de PC)", diz Élia Pereira Bezerra, irmã mais nova de Elma Farias, mulher de PC, morta em 1994. "Elma e PC foram vítimas de uma mesma guerra entre os Farias." Na terça-feira 14, ela recebeu ISTOÉ em seu apartamento e concedeu uma longa entrevista.

 

Depoimento

Ao contrário do que foi noticiado, tão logo desembarque no Brasil para preparar o lançamento do livro, Amira será procurada pelos delegados Antônio Carlos Lessa e Alcides Andrade, que investigam a morte de PC. Eles estão convencidos de que o depoimento dela será importante para fechar um quebra-cabeça que já dura três anos. "Pelo que já lemos do livro, o que essa senhora pode nos contar é muito importante", afirma Lessa. "Vamos ouvi-la e investigar tudo o que for possível." De fato, as revelações de Amira acrescentam muito às investigações. Os diálogos reproduzidos no livro apontam a motivação do crime com nitidez ímpar e muitos deles podem e devem ser checados.

Na semana passada, Amira estava em Nova York quando soube do interesse da polícia alagoana por seu depoimento. "Falarei tudo. Confirmarei o que está escrito e, se por acaso souber de mais alguma coisa que possa ajudá-los, irei dizer", promete a vidente. Quando estiver com os delegados, Amira poderá mencionar os nomes dos testas-de-ferro de PC que se estavam recusando a pagar-lhe o que deviam. "Se for o caso, o depoimento poderá ser feito sob sigilo e essa parte das investigações também não será divulgada antes do resultado final do processo", adianta Lessa. Além do depoimento, a mãe-de-santo colocará à disposição da polícia brasileira o seu sigilo telefônico nos EUA. "Não sei onde o Paulo e a Suzana estavam quando fizeram as ligações para mim no final de semana em que foram mortos, mas sei onde eu estava quando recebi esses telefonemas e, se depender de minha autorização, tudo poderá ser confirmado", diz Amira. "Muitos dos diálogos que estão no livro foram presenciados por outras pessoas." Leia, a seguir, mais alguns capítulos inéditos do livro da vidente de PC.

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A intromissão de Augusto

Amira, PC e Afrânio, um amigo comum, estão na casa da praia de Guaxuma. PC vai atender o telefone e quando volta, "visivelmente irritado", mantém o seguinte diálogo com Afrânio.

– Paulo, o que aconteceu?

– É o meu irmão. Tudo é motivo para discussão. Eu quero pensar que é apenas muita preocupação comigo…. Ele quer tudo resolvido na hora…

– Mas o comando é seu.

– Eu sei disso. Mas ele é meu irmão, meu braço direito… Quando estive preso, ele resolveu tudo para mim, mas agora não… Ele extrapola.

– Calma, Paulo. Você não acha que ele tem medo?

– Medo do quê, Afrânio?

– Você foi muito traído e é muito justa a preocupação de teu irmão. Ele acha que há um monte de vigaristas à sua volta…

– Ele tem que entender que perdendo ou ganhando quem comanda agora sou eu e isso só vai mudar se acabarem com a minha vida.


 

O ódio de Suzana

Paulo César, Amira e Suzana estão jantando na mansão de Maceió, quando o garçom, Genivaldo, interrompe para dizer que o deputado Augusto está no telefone. Suzana fica furiosa.

– Diga a este inoportuno que o Paulo está jantando. Meu bem, se você se levantar vai perder o apetite.

PC ignora a reclamação da namorada, afaga seus cabelos e vai atender o telefone.

– Tenha calma, Suzana, assim, quem perde o apetite é você, minha amiga.

– Amira, esse homem é insuportável. Ele controla a vida do irmão 24 horas por dia. Eu já falei que vai chegar uma hora que o Augusto vai querer dormir no meio de nós dois. Antes era diferente, mas de uns tempos para cá ele se acha no direito de controlar a vida e os passos do Paulo como se fosse a sombra dele. Já cansei de repetir que ninguém nessa família é nada sem o Paulo, mas parece que esse não quer ouvir. Quando dona Elma era viva as coisas eram diferentes.

 

Traição em família

Amira fala com PC sobre Fernando Collor e a conversa termina tratando da confiança que deve haver entre irmãos.

– O que você sente hoje pelo presidente Collor? Ódio?

– Eu não sinto nada…. mágoa talvez… Acho que lástima. Ele não me ouviu quando o aconselhei a negociar com o Congresso. Fernando é auto-confiante. Julga-se o dono de todas as verdades. No início ele me ouvia, mas depois… Ele passou por três importantes fases: foi um excelente aprendiz, um incrível companheiro. Porém, quis suplantar o mestre rapidamente e acabou dando no que deu.


– E o Pedro Collor? O que você me diz dele?

– Esse assunto é nojento. O Pedro era um canalha, um tremendo zero à esquerda que vivia à sombra do irmão. Alertei o Fernando sobre isso, mas ele não me deu ouvidos. Também, pudera. Irmão é irmão. Ninguém pode admitir que uma traição parta do próprio irmão.

– Paulo, o que você realmente pensa sobre a traição em família?

– Meu Deus. Por que essa pergunta? Isso é muito triste. Peço a Deus todos os dias para que essa desgraça não se abata sobre minha cabeça, como aconteceu com o Fernando.

A arma de Suzana

A namorada de PC e Amira estão conversando com a porta trancada. Suzana fica nervosa ao lembrar de uma namorada que PC trouxera da Inglaterra e mostra para a vidente que carrega uma arma na bolsa.

– Suzana, guarda essa arma, por favor! O Paulo sabe que você carrega um revólver na bolsa?

– Não. Ele já me tirou uma no início do ano… Ele não. Os capangas e o irmão dele. Fiquei brava, pois não é a toda hora que o Elson pode me providenciar uma arma nova.

– Elson? Quem é Elson?

– Você não sabe? Não é vidente?

– Depois de ver uma arma na minha cara a vidência foi para o espaço.

– Ele se chama Elson Rodrigues Lima Madureira e foi meu noivo.

– Você o trocou pelo Paulo?

– Troco qualquer um pelo Paulo. Você não vai dizer nada a ele sobre esse revólver, vai? Amira eu carrego essa arma porque você não sabe o que é viver ao lado de PC Farias. Ele é um homem cheio de medo e sabemos que a qualquer hora pode vir uma traição de onde menos se espera.

 

As ameaças

Abril de 1996. Amira acaba de chegar à mansão de PC em Maceió e está lhe dizendo que sua vida corria riscos.

– Quando estava preso, a Suzana disse que eu deveria tomar cuidado com meus charutos. Passei a controlar tudo. A comida, a bebida e até os charutos. Afinal, o que eles querem?

– Querem acabar com você.

– É difícil, querida amiga, estar nessa situação. Acordar e não saber se irei terminar o dia. Dormir e não ter certeza se irei acordar.

– Por que você não sai uns tempos de Maceió?

– Não, não. Eu nunca mais vou fugir. Quando obtiver meu habeas-corpus vou deixar o Brasil, mas para reaver meus negócios lá fora. Nunca mais deixarei este país fugindo… Preciso reaver meu dinheiro e depois, quem sabe, eles podem me esquecer.


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