Há cinco anos, Élia Pereira Bezerra vive um drama digno daqueles protagonizados pelas testemunhas de crimes praticados por poderosos. Ela sempre soube da importância das informações que detém, mas temia que, ao revelar tudo o que viu e ouviu, deixasse de ser testemunha para ocupar o posto de mais uma vítima. Élia é cunhada de PC Farias, a irmã mais nova de Elma Farias, morta em 1994. Na última semana, depois de receber um telefonema da sobrinha Ingrid, filha de PC, Élia decidiu superar o medo. "Mataram minha irmã e ninguém disse nada. Depois assassinaram o Paulo César e montaram um circo para proteger o assassino. Agora estão roubando o dinheiro de meus sobrinhos. Chegou a hora de colocar um fim nisso", desabafa. "Se for preciso, vou à polícia e à Justiça para contar o que sei." Élia tem 39 anos e parece estar mesmo decidida.

"Está acontecendo tudo o que minha irmã disse em Brasília, uma semana antes de morrer", lembra. "Ela estava muito deprimida com a prisão do Paulo e com os maus-tratos dispensados pelo deputado Augusto Farias que comandava os negócios do irmão. A Elma dizia que o Augusto gostava muito do poder e do dinheiro e, se não tivéssemos cuidado, ele seria capaz de tudo para ficar com o dinheiro das crianças." Segundo Élia, desde que PC fugiu do Brasil a família Farias passou a viver uma disputa sem limites pelo controle do dinheiro. "Minha irmã foi a primeira vítima dessa guerra e com certeza o Paulo também morreu por causa disso." Divorciada e mãe de dois filhos – Rainer, 14 anos, e Ingo, 12 –, Élia vive no litoral paulista apenas com a pensão de R$ 1,2 mil que recebe do ex-marido. A tragédia que se abateu sobre os Farias não a afastou dos sobrinhos. Uma vez por semana ela conversa com Ingrid e Paulinho pelo telefone e no último mês de julho passou uma semana com eles em São Paulo. "Sei de tudo o que está acontecendo em Maceió", afirma a tia Lola, como é carinhosamente chamada pelos filhos de PC. A seguir, a entrevista concedida por Élia:

 

ISTOÉ – Por que só agora a sra. resolveu falar?
Élia Pereira Bezerra – O medo sempre falou mais alto. Minha irmã mais velha, a Eônia, mora com o Paulinho e a Ingrid em Maceió, mas também tem medo. Agora chegou ao limite e resolvi superar o medo. Já mataram a minha irmã e o Paulo César e estão roubando o dinheiro de meus sobrinhos. Isso não vou permitir.

ISTOÉ – Oficialmente, dona Elma morreu por causa natural.
Élia – Elma foi assassinada. Ela tinha um problema com pressão, mas que era absolutamente controlado. Todos os Farias sabiam que a Elma tinha dois desejos pós-morte. Ela queria ser cremada, mas antes gostaria de doar seus órgãos. Depois de sua morte, trataram de cremá-la rapidamente, assim como fizeram com os lençóis da cama onde o Paulo foi encontrado morto. Minha irmã e o Paulo foram vítimas de uma mesma guerra dos Farias.

ISTOÉ – Que guerra era essa?
Élia – Elma nunca se entendeu com o Augusto, tanto é que ele só entrou na mansão de Maceió depois da morte dela. Quando o Paulo fugiu para a Inglaterra as coisas pioraram. O Augusto assumiu o comando dos negócios e não quis mais largar, mesmo depois da volta do irmão. Ele recebia todo o dinheiro não sei de onde, mas repassava muito pouco para a Elma e as crianças. Com o marido foragido, minha irmã passou a ser humilhada pelo Augusto.

ISTOÉ – Humilhada como?
Élia – Depois da fuga do PC, o Augusto mandou telefonar para a Elma e dizer a ela para deixar a mansão e procurar um apartamento pequeno. Ele disse que estava no comando e iria tomar conta da mansão. Ela, é claro, se recusou a sair da casa. Então, começou a faltar dinheiro até para as despesas do dia-a-dia.

ISTOÉ – Mas ela continuou na mansão. Onde conseguia o dinheiro?
Élia – Ela chegou a vender diversas antiguidades, obras de arte. Um rapaz que em Maceió é conhecido como Chico Doido pegava as coisas na mansão e vendia no Recife. Foi assim que ela arcou com as despesas da casa.

ISTOÉ – Ela não comentava essas coisas com Paulo César?
Élia – Claro, mas ele não acreditava. Dizia que era implicância dela. A Elma sempre dizia para o Paulo: Augusto Farias não presta. Ele é invejoso, pior do que Caim e um dia você irá perceber isso. Ela morreu dizendo isso.

ISTOÉ – O que ela disse à sra. antes de morrer?
Élia – Uma semana antes de a Elma morrer eu estive com ela, durante a Copa de 1994. Assistimos a alguns jogos com o Paulo no quartel da PM. Ela estava em depressão com a prisão do marido e falava muito em morrer. Para tentar reanimá-la, perguntei: "Se você morrer, o que será dessas crianças?" Ela disse que a Eônia deveria criá-los, mas que se o Paulo César morresse, o Augusto faria de tudo para ficar com a guarda das crianças e tirar tudo o que é delas. A índole dele é ruim. Ele é capaz de coisas que vocês não acreditam.

ISTOÉ – Ela contou algum episódio ruim envolvendo Augusto?
Élia – Ela só dizia que ele não prestava, que não era amigo de Paulo, que não era o irmão que Paulo imaginava.

ISTOÉ – E quando PC voltou preso para o Brasil. As coisas melhoraram?
Élia – Um pouco. Com o Paulo aqui, ela não pedia ao Augusto, mas ele continuou no comando. Era o Paulo quem pedia o dinheiro para o irmão.

ISTOÉ – Depois que a Elma morreu, a sra. continuou a falar com os Farias?
Élia – Claro. Falo sempre com meus sobrinhos e pelo menos uma vez por mês conversava com o Paulo. Ele era muito ligado ao meu filho Rainer. Em 1990, mandou o jatinho buscá-lo para levá-lo à Disney. Aliás, o menino não tinha o visto e o Paulo deu um jeitinho. Ele entrou nos EUA como filho adotivo de PC e o chamava de "Papai 2". A última vez que falei com o Paulo foi no início de 1996. O Ingo estava com um problema na perna e ele me ajudou. Mandou um dinheiro para o tratamento do garoto.

ISTOÉ – Depois da morte de PC, o que aconteceu?
Élia – Aconteceu o que a Elma previa. O Augusto ficou com o controle das crianças e agora está tirando o dinheiro deles. Ele se considera intocável.

ISTOÉ – Como assim?
Élia – Para você ter uma idéia, logo depois do enterro do Paulo César, fomos todos para a mansão em Maceió. Dois delegados estavam lá. O Augusto se trancou numa sala com eles e quando saiu estava sorrindo. Pegou a carteira de deputado e disse: se não fosse essa carteirinha, estávamos todos fodidos.

ISTOÉ – O que ele quis dizer com esse gesto?
Élia – Deixou claro para todo mundo que, daquele momento em diante, só ele mandava e já dizia que nada seria investigado, pois o Paulo tinha sido morto pela namorada.

ISTOÉ – Por que a sra. e sua irmã permitiram que ele ficasse como tutor das crianças?
Élia – Foi uma pressão tremenda. Na missa de sétimo dia do Paulo, o Reinaldo (ex-chefe dos seguranças de PC e atual segurança de Augusto) procurou a mim para dizer que seria melhor as crianças ficarem com o Augusto. Mas foi a Eônia quem olhou essas crianças desde pequenas, tanto é que, por insistência dos meninos, ela está morando na mansão. Mas o juiz decidiu que o Augusto seria o tutor.

ISTOÉ – Então a Eônia tem um bom relacionamento com Augusto?
Élia – De jeito nenhum. Eles não se falam. A Eônia tem medo e com razão, pois ela vive em Alagoas.

ISTOÉ – Conte melhor essa história de roubarem o dinheiro das crianças.
Élia – Em julho as crianças estiveram em São Paulo e estava tudo bem. Fizeram muitas compras e passearam bastante. Depois disso, começaram a passar algumas dificuldades. Na semana passada, a Ingrid me disse que estava faltando dinheiro para algumas coisas como escola de natação, por exemplo. Ontem (segunda-feira 13), ela me telefonou e disse que havia conversado com o Augusto e ele disse que o dinheiro estava acabando, porque o Paulo não tinha deixado nada para eles.

ISTOÉ – E o dinheiro está acabando?
Élia – Claro que não. Ele está roubando o dinheiro dessas crianças. Falo isso como irmã da Elma e sei que tem muito dinheiro.

ISTOÉ – Onde está esse dinheiro?
Élia – Isso só o Augusto pode dizer. Mas sei que tem muito dinheiro. Uma semana antes de a Elma morrer ela me disse que estava esperando a Ingrid chegar ao Brasil para ir aos Estados Unidos buscar um dinheiro e fazer alguns depósitos em uma nova conta. Era a fórmula encontrada pelo Paulo para tirar o controle total do Augusto. Infelizmente, Elma não teve tempo.

ISTOÉ – A renda dos imóveis deixados por PC não fica com as crianças?
Élia – Deveria ficar, mas a Ingrid descobriu que os aluguéis de seis imóveis em São Paulo são depositados na conta de Juarez, o motorista da família, por ordem do Augusto. Ele disse a ela que o dinheiro é usado para pagar as despesas da casa.

ISTOÉ – A Eônia não fala nada?
Élia – Ela sabe de muito mais. Sabe que o tutor tem levado o Paulinho para um caminho complicado, mas tem medo.

ISTOÉ – O que a sra. chama de caminho complicado?
Élia – Duas vezes por semana o Augusto vai com uns amigos para a mansão de Maceió e aquilo vira um cassino. São cerca de 30 horas seguidas de jogo, com muito dinheiro. E o Augusto faz questão de ficar ao lado do Paulinho. Diz que ele dá sorte. Cada vez que o Augusto ganha coloca R$ 200 no bolso do menino. No último final de semana de julho, telefonei para o celular de Paulinho e ele estava em Fortaleza com o tio. Disse que o Augusto o levara para um cassino clandestino, mas ele não pôde entrar. Não acho que essa seja uma boa formação. Espero que o juiz em Alagoas tome alguma providência.

ISTOÉ – Como a sra. descobriu isso?
Élia – A Ingrid e o próprio Paulinho contaram quando estiveram aqui. Eles não fazem segredo.

ISTOÉ – A Ingrid já tem 19 anos e o Paulinho está perto de fazer 18. O que eles dizem disso tudo?
Élia – O que se pode esperar deles, que viram a mãe morrer, foram para a Europa e quando voltam encontram o pai assassinado? A Ingrid está mais interessada. Quer saber exatamente tudo o que ocorreu com os pais, diz que não se surpreende com mais nada e sabe que quando completar 21 anos será o próximo obstáculo do Augusto. O Paulinho é diferente. Parece que está com a cabeça feita pelo tio, mas não se abre com ninguém.