i68896.jpgAs urnas do domingo 5 enviaram dois claros recados. No primeiro deles, os eleitores manifestaram sintonia com uma máxima futebolística: em time que está ganhando não se mexe. Dos 22 prefeitos de capitais que partiram para a reeleição, 14 venceram no primeiro turno e oito permanecem na disputa final. Fora das capitais, levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios aponta que 66% dos que disputaram novo mandato foram reeleitos. O segundo recado das urnas mostra que, em se tratando de eleição municipal, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se transfere automaticamente. "A sensação de satisfação com a economia, aliada aos programas sociais, permitiu a onda de reeleição", analisa David Fleischer, cientista político e professor da Universidade de Brasília. "O eleitor enxerga o prefeito como o grande responsável por essa situação. É uma percepção localizada e é um erro tentar nacionalizá-la", adverte. De fato, as urnas disseram que a opção do eleitorfoi pelo sucesso, independentemente de ideologias ou preferências partidárias. Ganhou quem entregou resultados concretos e perdeu quem ficou com as promessas.

Na reunião do Conselho Político do governo, na segunda-feira 6, ministros e o próprio presidente definiram o domingo 5 como o dia da "eleição da continuidade". Dos prefeitos de capitais candidatos a reeleição, apenas Serafim Corrêa (PSB), de Manaus, terminou o primeiro turno em desvantagem com relação ao seu adversário, Amazonino Mendes, do PTB. Somente um dos prefeitos de capital eleitos no primeiro turno, João da Costa, do PT, no Recife, não disputava a reeleição. Seu desempenho, porém, é conseqüência da mesma situação: foi indicado pelo bem avaliado atual prefeito, João Paulo. A "eleição da continuidade", na avaliação do Conselho Político de Lula, é o resultado de uma economia estável e em crescimento.

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que disputará o segundo turno com a ex-ministra do Turismo Marta Suplicy, é um exemplo eloqüente da força da continuidade. Ele enfrentou o peso do maciço apoio que o presidente Lula e seu governo davam a Marta Suplicy e terminou o primeiro turno com mais votos do que a ex-ministra. "Nós agora vamos ganhar de lavada", comemorava na segunda-feira 6 o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra. A presença de Lula na campanha também não foi suficiente para eleger Luiz Marinho em São Bernardo do Campo, a eleição em que o presidente mais se empenhou pessoalmente. Marinho obteve 48,27% dos votos, mas disputa o segundo turno com o tucano Orlando Morando, que conseguiu 37,55%. Na eleição, Lula gravou mensagens de apoio para 94 candidatos e 45 deles perderam a parada.

Em Fortaleza, a petista Luizianne Lins não teve o apoio do presidente, mas foi reeleita no primeiro turno. "O presidente é o melhor cabo eleitoral da história brasileira. Mas hoje em dia, com o grau de informação que há, não basta uma indicação dele ou de quem quer que seja para determinar o resultado de uma eleição", avalia o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

O bom desempenho da economia não é o único bem herdado pelos prefeitos que se reelegeram. Há também o uso da máquina, seja a própria máquina municipal, seja a máquina federal a serviço do município. Um levantamento feito pelo DEM no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) revela uma certa coincidência entre as reeleições obtidas e as liberações de recursos orçamentários para as capitais. O prefeito Iradilson Sampaio (PSB), reeleito em Boa Vista, administra a cidade que mais recebeu recursos de convênios este ano: R$ 59,9 milhões. Mesmo reeleitos pela oposição beneficiaram-se disso, como Beto Richa, de Curitiba, que recebeu R$ 35,7 milhões. "Fizemos quatro mil obras, realizamos mais de 230 audiências e cumprimos as promessas de campanha", enumera Richa. A força das obras realizadas no meio da campanha também faz parte das explicações do prefeito de capital proporcionalmente mais bem votado do País, Cícero Almeida (PP), de Maceió. "Ainda vou inaugurar até o fim do ano mais 19 obras", diz ele. "A máquina, se não é usada diretamente, é usada subliminarmente", avalia o cientista político e consultor de empresas Paulo Krammer. "A isso se soma o que os americanos chamam de ‘feel good factor’. Se tudo vai bem, o eleitor não muda, torna-se conservador", completa ele. É por isso que o panorama eleitoral brasileiro não se alterou substancialmente, como observa o presidente do Instituto de Pesquisas Vox Populi, Marcos Coimbra. "A divisão política brasileira continua mais ou menos a mesma", observa ele. O governo Lula consolidou a sua supremacia no Norte e no Nordeste, mas continua enfrentando os mesmos problemas que tinha no sul e no sudeste.

i68897.jpgUma situação, portanto, que permite algum alento à oposição em 2010. "A eleição municipal pode não sofrer tanta influência do quadro nacional, mas ela certamente influencia, e muito, a próxima eleição nacional", alerta Paulo Krammer. Assim, a manutenção da mesma divisão política nacional, especialmente se Kassab vencer a disputa com Marta Suplicy em São Paulo, mantém intactas as chances do governador José Serra (PSDB) na sucessão de Lula. A tese defendida por ele, de manutenção da aliança com o DEM na oposição ao atual governo, saiu vitoriosa. Enquanto o raciocínio do governador de Minas, Aécio Neves, o adversário interno de Serra no PSDB para 2010, de busca de novas alianças e caminhos, não foi tão bem-sucedido em Belo Horizonte (leia reportagem na pág. 48). "Belo Horizonte deixou claro que popularidade alta não é suficiente para eleger poste", comenta Krammer. Lula aposta para 2010 no sucesso de uma candidatura que ainda não é bem conhecida nacionalmente, da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff .

Numa espécie de exibição prévia dos contendores, Serra esteve no Palácio do Planalto na quarta-feira 8, para discutir as obras do Ferroanel de São Paulo. Como administra as obras do PAC, Dilma participou da reunião também. "seria deselegante falar de eleições aqui no Palácio do Planalto", esquivou-se Serra ao sair.

Finalmente, se a continuidade é a regra, as eleições de 2008 demonstram também que há um inevitável momento de desgaste.

O Ibope e as urnas
Tendências eleitorais apontadas pelo Ibope em três capitais não resistiram à realidade das urnas. Em pesquisa divulgada no dia da votação, o instituto não mostrou que, em São Paulo, Gilberto Kassab (DEM) chegaria ao segundo turno à frente de Marta Suplicy (PT), como se deu na prática. Na capital mineira, colocou Márcio Lacerda (PSB) muito adiante de Leonardo Quintão (PMDB), mas, nas urnas a diferença entre os dois ficou em apenas dois pontos percentuais. No Rio de Janeiro, as pesquisas de intenção de voto do Ibope apontaram um segundo turno entre Eduardo Paes (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB). Paes chegou lá, mas vai disputar com Fernando Gabeira (PV).

E ele parece acontecer aos 16 anos de administrações contínuas de um mesmo grupo político. O prefeito Cesar Maia, no Rio, (leia reportagem na pág. 54) repete o momento de fracasso que antes se verificara em Porto Alegre, nas repetidas prefeituras que tivera o PT. "Os Executivos hoje são muito bem avaliados, o Brasil vive um bom momento que estimula essa continuidade. Mas isso tem um limite. Chega uma hora em que cansa", resume José Múcio Monteiro.