Tom Waits é um mentiroso compulsivo. Ou então descobriu que a atitude poderia fazer uma ligação debochada com a mídia, que também se diverte ou se descabela em descobrir as verdades e mentiras de sua biografia junk. Seguindo o princípio teatral, às vezes ele diz que nasceu na rabeira de um caminhão, em outras afirma ter sido dentro de um táxi. Em todas, no entanto, faz questão de deixar inscrito uma origem vira-lata em Pomona,

Califórnia. Afinal, a fama crescente no mundo pop-underground, desde que apareceu um primeiro disco seu em 1973, se fez com letras falando de bêbados, prostitutas, vagabundos e proscritos em geral. A voz negra de um cantor de blues, enegrecida mais ainda pelo cigarro e pelo álcool, também determina sua marca, sempre acompanhada de instrumentos propositadamente em tons de descompasso desafinado. Do conjunto brota um som estranho, que parece saído de cabarés modernizados por néons, onde todos os (in)felizes com a condição de cães e gatos sem estirpe se encontram. Exatamente quando se ouve este ótimo Mule variations, que acontece depois de Waits ficar mais de cinco anos sem lançar um álbum de estúdio.

O retorno se deu com todos os itens de seu estilo revigorados. Há canções de brilho único como Georgia Lee, feita em parceria com sua mulher, a teatróloga e contista Kathleen Brennan, com quem assina 12 das 16 faixas de um disco que se torna cada vez melhor após sucessivas audições. Na caixa de surpresas de Waits é igualmente impressionante sua capacidade de colocar sem nenhuma sutileza uma bateria esmurrada numa canção de versos dilacerados, como Come on up to the house, mas que dialoga em harmonia perfeita com o sax, o piano, a gaita e a voz rascante.

Diferente em tudo, Tom Waits, 50 anos em dezembro, tem paixão por sapatos. Conta-se que saiu de Los Angeles para Nova York só para ver calçados nas vitrinas e nos pés das pessoas. O gosto tem a ver com a linhagem de quem viveu de perto com aqueles que sempre partem, andando pelo mundo à caça não se sabe do que, tendo como companhia a incredulidade e a transgressão. São os descobridores de uma existência cruel, triste, nostálgica, que só contam com instantes fugazes de beleza bêbada.