Crítico literário consagrado por dois livros magníficos sobre a obra de Machado de Assis – Ao vencedor as batatas (1977) e Um mestre na periferia do capitalismo (1990) -, Roberto Schwarz reúne em Sequências brasileiras (Companhia das Letras, 250 págs., R$ 24) os ensaios, resenhas, orelhas, intervenções em seminários e depoimentos à imprensa produzidos ao longo dos anos 90. A variedade da procedência dos textos e a diversidade de seus temas à primeira vista podem sugerir que falta organicidade à obra. Nada mais enganoso. Schwarz se dedica aos textos breves com o mesmo rigor de seus trabalhos mais alentados. Mesmo nas resenhas curtas ou nas orelhas, superficiais por natureza, saltam aos olhos a originalidade do pensamento e a clareza das idéias do autor, que nunca se encastela na irrelevância dos jargões acadêmicos e da erudição inútil. É assim, por exemplo, que suas análises dos romances Estorvo, de Chico Buarque, e Cidade de Deus, de Paulo Lins, ou das Poesias reunidas, de Francisco Alvim, não apenas contextualizam e lançam luzes inesperadas sobre três livros importantes da nossa produção contemporânea. Elas também convidam à leitura, tarefa que nem todo crítico é capaz.

Na primeira parte de Sequências brasileiras, que traz quatro ensaios sobre Antonio Candido e, mais particularmente, sobre sua Formação da literatura brasileira, o tom inevitavelmente exegético de alguns momentos é amplamente compensado pela argúcia com que se decifra o pensamento de um autor que já ganhou aura de mito e, por conta disso, é hoje mais admirado do que lido. Schwarz mostra como a rajetória de Candido, que imprimiu um novo estilo e um novo método ao raciocínio crítico nacional, se articula com as transformações da realidade brasileira nos últimos 50 anos, incluindo uma atuação importante de resistência durante a ditadura. Mostra, também, como a reflexão estética de Candido está intimamente associada a uma crítica severa da iniquidade das nossas relações sociais – diferentemente do que acontece com muitos críticos famosos, que simplesmente transplantam para cá as déias e conceitos da moda na universidade americana ou européia.

Análise Em Altos e baixos da atualidade de Brecht combina a admiração pelo dramaturgo com as necessárias reservas de alguém bem informado sobre os males do stalinismo no passado e os males do império da mídia no presente. Num livro sem pontos fracos, Schwarz consegue brilhar mais do que o normal quando volta à análise de Machado de Assis, inquestionavelmente o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Quanto mais se escreve sobre Machado, mais se percebe como sua obra é nesgotável. Em Contribuição de John Gledson, por exemplo, o autor dialoga com outro machadiano importantíssimo, destacando, entre outros feitos de Gledson, a evalorização da novela Casa Velha, tida erroneamente como obra menor, e a releitura de Memorial de Aires, tido erroneamente como o romance da reconciliação de Machado com a vida.

Na entrevista sobre Um mestre na periferia do capitalismo, Schwarz atualiza a reflexão do seu já clássico ensaio As idéias fora do lugar, ao explicar como os romances de Machado refletiram as circunstâncias peculiares do liberalismo no Brasil do Segundo Reinado, uma sociedade escravocrata e clientelista que, paradoxalmente, lutava para ingressar na modernidade copiando o modelo europeu. Só é pena que o Brasil de hoje, igualmente paradoxal e iníquo, não tenha um Machado de Assis para lhe revelar as mazelas.