O governador do Espírito Santo, José Ignácio Ferreira (PSDB-ES), está metido numa encrenca das grossas. Sem a menor cerimônia, em outubro do ano passado ele simplesmente sacou a descoberto R$ 3,7 milhões do banco oficial do Estado para cobrir os rombos de sua campanha eleitoral. O governador conseguiu manter tudo em sigilo durante dez meses. Na tarde da terça-feira 14, o presidente da Assembléia Legislativa, deputado José Carlos Gratz (PFL), saiu de seu gabinete e foi até o Palácio Anchieta para informar a José Ignácio que o escândalo iria estourar na imprensa. Ficou cinco horas no palácio comandando uma operação para tentar salvar a reputação do governador. Puro jogo de cena. Banqueiro de bicho que entrou na política com o propósito de se tornar o principal cacique do Estado, Gratz aproveita há meses um alentado dossiê para pôr o governador contra a parede. Em seu jogo duplo, defende o aliado em público enquanto nos bastidores fornece munição contra ele. Não é o único. Um dia depois do teatrinho de Gratz no palácio, o prefeito de Cachoeiro do Itapemirim, Teodorico Ferraço, da ala do PSDB comandada pelo senador Paulo Hartung, chamou o presidente do Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes), Deosdete José Lourenção, para um almoço. "Precisamos achar um jeito de ajudar o Zé Ignácio a sair dessa", disse Ferraço a Lourenção, que, por ter dado seu aval à mãozinha dada pelo banco à campanha de Ignácio, foi premiado na troca de governo com a permanência no cargo. A turma de Hartung também tem um montão de extratos bancários que comprometem o governador e foram entregues há dez dias a ISTOÉ.

 

Esses extratos mostram uma história escabrosa. Já na condição de governador eleito, no dia 30 de outubro do ano passado, José Ignácio conseguiu a toque de caixa no Banestes um empréstimo pessoal de R$ 2,6 milhões para cobrir os saques a descoberto de sua conta de campanha. Foi uma transação totalmente irregular. Além de o pedido não ter passado pelos comitês de avaliação do banco, José Ignácio não tinha patrimônio declarado suficiente para pegar o financiamento. "Foi uma operação casada. Ele dispunha de empresas que topavam fazer uma doação equivalente de recursos", tenta justificar Lourenção. Nada mais falso.

 

Amigos de fé – As empresas paulistas HMG Engenharia e Construção Ltda. e Carlos Ernesto Construtora (CEC) só foram entrar em cena algum tempo depois e, mesmo assim, sem tirar dinheiro do bolso. Às vésperas da posse de José Ignácio, as duas empresas conseguiram uma verdadeira proeza bancária. Ao mesmo tempo que abriam contas no Banestes, elas foram contempladas com generosos empréstimos, devolvidos no mesmo instante ao banco para cobrir o rombo na conta pessoal do governador. A HMG recebeu R$ 1,6 milhão e a CEC R$ 1,3 milhão. "São empresários amigos que, de maneira despretensiosa, resolveram me ajudar", diz o governador. "O importante nisso é que o banco do Estado não teve prejuízo, porque os empréstimos já foram pagos", completa. "A HMG ainda deve algo em torno de 25% do empréstimo", corrigiu Lourenção em entrevista a ISTOÉ.

Para complicar ainda mais a situação, de acordo com levantamento feito pelo setor de cadastros do Banestes, a ficha dos amigos do governador é suja. Além de seis processos judiciais, a HMG é alvo de nada menos que 372 protestos. Mesmo com esses problemas, as contas da campanha de José Ignácio foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral com base no voto de Luís Antônio Basílio, irmão do secretário de Educação, José Basílio. O Ministério Público recorreu e a decisão final será tomada em Brasília pelo Tribunal Superior Eleitoral.

 

Irmão camarada – Com toda essa trapalhada, José Ignácio continuou a tratar o banco do Estado como um negócio particular, mesmo depois que assumiu o governo. Resolveu nomear para a diretoria de administração do Banestes Sérgio Renato Telles Vasconcelos, irmão do vice-governador, Celso Vasconcelos. O problema é que Sérgio Renato era considerado um devedor relapso do próprio banco, que dele tentava receber na Justiça uma dívida de R$ 440 mil. Pelas normas do Banco Central, não poderia ser nomeado para a direção de um banco estadual. Num passe de mágica, porém, a dívida foi transferida para a Telles Construções e Incorporações Ltda., uma empresa do clã dos Vasconcelos. Com o caminho livre, Sérgio Renato há pouco mais de um mês assumiu a diretoria do banco.

 

Com tanto flanco aberto, José Ignácio acabou
virando presa fácil de seus próprios aliados. Os correligionários do PSDB, sob a batuta de Hartung, chegaram a ensaiar uma troca de partido, mas resolveram ficar no ninho tucano na esteira do enfraquecimento político do governador. A exemplo do jogo nacional dos senadores Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, que tentam manter a influência sobre o presidente Fernando Henrique Cardoso, os tucanos e o PFL capixabas querem o governador sob tutela. Para isso, estimulam por baixo do pano a criação de uma CPI para ameaçar José Ignácio, que foi líder no Senado do governo Fernando Collor, de um destino político semelhante ao de seu ex-chefe.

 

"O grupo de José Carlos Gratz usou a ameaça de impeachment para dominar o governo de Albuíno Azeredo, continuou a dar as cartas na gestão Vitor Buaiz e recorre aos mesmos métodos para controlar a administração de José Ignácio", acusa o deputado federal Max Mauro, que, quando governador, chegou a mandar prender Gratz. "Na época, eu era mesmo bicheiro, mas a prisão foi uma perseguição, um verdadeiro sequestro. Isso é passado. Pode anotar, em 2002, vou para rasília como senador", aposta.