Atropelado por um caminhão de denúncias de assédio sexual, venda de sentenças, nepotismo, fraude em concurso público, aposentadorias irregulares e outras trapaças contra 16 de seus 20 desembargadores, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso decidiu boicotar a CPI do Judiciário. Quando os cinco senadores da comissão desembarcarem em Cuiabá vão ter dificuldades de apurar as denúncias apresentadas pelo juiz Leopoldino Marques do Amaral antes de ser assassinado. A mais grave delas, envolvendo desembargadores com traficantes bolivianos. O presidente do TJ, Wandyr Clait Duarte, disse a ISTOÉ que admite receber os senadores, nesta terça-feira 21, mas que não entregará documentos da Corte por não reconhecer "legitimidade" à CPI. E, se for convocado a depor em Brasília, já avisa: não vai aparecer. "Não somos obrigados a fornecer nada porque o foro competente para nos investigar e processar é o Poder Judiciário", afirmou Duarte, que só admite ser fiscalizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A briga vai ser feia, porque outra CPI, a do Narcotráfico, já saiu na frente: quebrou os sigilos bancário, fiscal e telefônico dos desembargadores Odiles Freitas Souza e Flávio Bertin.

 

Leopoldino Marques do Amaral, 55 anos, titular da 2ªVara de Família e Sucessões de Cuiabá, foi sequestrado, levado para o Paraguai e executado com um tiro na nuca e outro no ouvido, na madrugada de 5 de setembro. O corpo foi queimado. Deixou mulher, oito filhos do primeiro casamento (três adotivos) e um Estado inteiro descrente no Judiciário. Nem dentro de casa parece haver confiança. O presidente do TJ reage de uma forma inesperada às denúncias de envolvimento de seus colegas de toga com o narcotráfico. "Eu não coloco minha mão no fogo por ninguém", disse. "Fomos linchados moralmente. Hoje somos suspeitos de ser assassinos. Quem vai acreditar numa sentença dada por um desembargador?", desabafou Orlando de Almeida Perri, presidente do Tribunal Regional Eleitoral. Ele foi acusado pelo juiz Leopoldino de manipular resultados de concursos. "Um tribunal tem de estar acima de qualquer suspeita. O nosso está sob suspeita de tudo, até da morte de um juiz", resumiu a advogada e deputada estadual Serys Slhessarenko, líder do PT na Assembléia Legislativa.

 

O desembargador Odiles, segundo a denúncia que Leopoldino apurava, seria o dono de um barco carregado de éter e acetona (produtos usados no preparo da cocaína) que teria sido explodido em operação sigilosa. A PM confirma que em 1991 atendeu ocorrência sobre a "explosão" de um barco no rio Paraguai, mas negou-se a dar mais detalhes. Odiles afirma que na época da explosão já tinha vendido a embarcação. A PF também investiga uma viagem que Odiles e o ex-juiz José Geraldo Palmeira teriam feito há quatro anos à fazenda de um traficante boliviano. Odiles disse que viajou sim, mas para investigar golpe em planos de seguros. Flávio Bertin, por sua vez, é acusado por Leopoldino de dar sentença liberando um avião usado no narcotráfico. Ele confirma, mas diz que foi uma decisão técnica. O presidente do TJ, por sua vez, é acusado de, em 1997, ter embolsado R$ 300 mil para permitir a transferência para Brasília da traficante Branca. Ela foi transferida e acabou fugindo. "A acusada queria ir para Alagoas, eu a mandei para Brasília. Como conseguiu fugir, eu não sei", afirma Duarte. Mas a primeira coisa a saber é quem matou Leopoldino.

 

 

A PF, tendo à frente o diretor-geral Agílio Monteiro Filho, está vasculhando Mato Grosso e outros três Estados, além do Paraguai, com mais de 100 delegados e agentes. Concentra as investigações em torno da escrevente Beatriz Arias Paniagua, 38 anos. Colega de trabalho de Leopoldino no fórum e, provavelmente, mãe de mais um filho do juiz – amostras do DNA já foram recolhidas para exame –, ela pode tê-lo atraído para uma cilada.

 

Cilada – Na sexta-feira 3, Leopoldino voltou a Cuiabá e hospedou-se no Hotel Beira-Rio, em Várzea Grande – município separado da capital apenas pelo rio Cuiabá. À noite, dispensou o motorista, pegou o carro e sumiu. "É como se ele tivesse se entregado", desconfia o filho Leopoldo. "Ele foi atraído para uma cilada por alguém que conhecia", acredita o secretário de Segurança Pública, Hilário Mozer. Esse alguém seria Beatriz. Sobrinha do pistoleiro boliviano Sebastião Marcos Peralta Arias, o "Paraguaio", homem identificado em retrato falado feito pela polícia como o suspeito que rondou o hotel na véspera do crime. Beatriz e Peralta tiveram prisão preventiva decretada. Após o velório do juiz, ao qual compareceu, foi a vez de Beatriz sumir. A OAB pediu proteção policial para ela e sua família.

 

A PF acredita que Leopoldino tenha sido sequestrado próximo ao hotel e levado de avião para o Paraguai. Seu corpo foi encontrado no dia 7, à beira de uma estrada de terra em Concepción, no Paraguai, a 350 quilômetros da divisa com Mato Grosso do Sul. Dois vôos teriam saído de Várzea Grande, no sábado, em direção à Fazenda Liberdade, na região de Cáceres. A fazenda fica próxima a uma antiga propriedade do empresário Josino Guimarães, vendida para o prefeito de Várzea Grande, Jaime Campos. Quatro pessoas foram presas, mas somente uma permanece detida: o ex-sargento da PM de Mato Grosso do Sul Maurício Marques "Pelego" Niveiro, suspeito de ter executado Leopoldino em troca de R$ 100 mil. Apontado por Leopoldino como um dos responsáveis pela venda de sentenças no TJ, Josino ficou seis dias preso, mas acabou libertado na noite de quarta-feira 15 por falta de provas.

Colaborou Sônia Filgueiras