O governador de São Paulo, Mário Covas, se rendeu às evidências e admitiu as falhas de sua administração com a Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem). Os motins seguidos de fuga em massa, somado às denúncias de tortura aos internos, demoliram o atual sistema e o governo não sabe para onde ir. Menos de 20 dias após uma grande rebelião na unidade do Tatuapé em São Paulo, de onde fugiram 644 meninos (45% dos confinados), outras duas rebeliões na unidade Imigrantes explodiram no último fim de semana, evidenciando o fracasso da política do governo. Na Imigrantes, 451 internos escaparam nos dois dias. Entre janeiro e julho deste ano foram contabilizadas 1.412 fugas, o dobro do ano passado no mesmo período, quando fugiram 656 menores. Outro motim foi registrado na noite de quarta-feira 15 na unidade de Franco da Rocha. Onze menores fugiram e, ao serem recapturados, ensaiaram nova rebelião, armados de foices e facões. A polícia abafou a tentativa de fuga.

A cada motim, as já precárias unidades são totalmente destruídas devido aos quebra-quebras e ao confronto direto com a Tropa de Choque e Cavalaria da PM, sempre acionada para controlar a situação. Na rebelião do fim de semana, na Imigrantes, o desespero de pais que buscavam informações sobre seus filhos também gerou um confronto com a polícia. Os soldados reagiram aos xingamentos com balas de borracha, deixando dez pessoas feridas. A tevê mostrou imagens de monitores dessa unidade da Febem, encapuzados, batendo com pedaços de pau nas costas de menores já dominados. O diretor recém-empossado, Guido Antônio Andrade, nem sequer apareceu na Imigrantes. “Eu preferi controlar tudo de longe”, justificou, advertindo que não é o “Mister M para resolver tudo num passe de mágica”.

Covas ameaçou demitir funcionários, mas até agora nenhuma medida foi tomada. Para tentar contornar a crise, nomeou a assistente social Alcione Helena Borner para receber as denúncias de maus-tratos contra os internos. A fiscal, no entanto, está sendo acusada pela Procuradoria da Justiça de desvio de dinheiro público, de peculato e de formação de caixa 2, quando funcionária da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Em meio a denúncias de agressões aos menores, o ex-presidente da Febem, Eduardo Roberto da Silva, foi afastado há uma semana pela Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude. A promotoria, em vistoria de rotina na unidade Tatuapé, descobriu que pernas de mesa e pedaços de paus eram usados no espancamento dos internos. O Ministério Público, além de afastar Eduardo Silva, também pediu a reforma da unidade da Imigrantes e a imediata transferência do número de meninos excedentes. O pedido foi negado. Na primeira fuga da unidade Imigrantes, sexta-feira 10, estavam sob a guarda da Febem 1.430 menores, 1.110 além da capacidade.
Enquanto o governo não sabe o que fazer, funcionários da entidade estão sendo investigados pela corregedoria e esperam pela anunciada demissão. As justificativas para os espancamentos vindas dos monitores responsáveis pela guarda dos menores são as mais variadas. Excesso de trabalho, acúmulo de funções, baixos salários e despreparo psicológico são algumas delas. Mas, se as condições de trabalho são precárias, os menores também não são tratados a pão-de-ló. A infra-estrutura é deficiente. O dinheiro que o governo gasta por mês com cada interno, cerca de R$ 1.800 segundo Covas, é alto para os padrões educacionais brasileiros, mas a folha de pagamentos abocanha quase 50% deste valor. O governador diz que há algum tempo tenta construir unidades menores em cidades do interior na tentativa de descentralizar o sistema. Ele afirma que está enfrentando a resistência dos prefeitos, que temem que seus municípios se transformem em campos de batalha. Ao que tudo indica, as unidades da Febem, principalmente Imigrantes e Tatuapé, continuarão sendo verdadeiras bombas-relógio. A falta de rumo do governo para resolver a questão é ruim para todos. Os internos vivem em campos de concentração, os servidores reclamam melhores condições de trabalho e o contribuinte quer ter seu dinheiro aplicado em projetos que ressocializem os infratores e solucionem a violência.