Se a população de São Paulo reclama do trânsito hoje, imagine em 2040, quando a frota de veículos duplicar em relação ao atual volume, alcançando a marca de 17,5 milhões de carros, praticamente um carro para cada habitante. Esta é a previsão do estudo “De Olho no Futuro: Como Estará São Paulo Daqui a 25 Anos”, patrocinado pelo Sindicato de Arquitetura e Engenharia.

No estudo, a mobilidade urbana foi apontada como o maior problema de infraestrutura da metrópole por 75% dos entrevistados, o que não é novidade. Desde a década de 1950, o trânsito atormenta os paulistanos, sem dar trégua. Os anos passam, o problema se agrava e a cidade se acostuma a tolerar que os assalariados sofram de quatro a seis horas por dia para ir trabalhar.

O verso de Fernando Pessoa “há uma estrada andando sobre nós” parece apropriado para a situação. A metrópole aceita o congestionamento crônico com mau humor disciplinado, sem buzinar. Mas qualquer político que consiga reduzir o tempo no trânsito colhe dividendos duradouros, seja aumentando a frota de ônibus como Jânio Quadros em 1956, seja abrindo avenidas como Maluf em 1970 ou criando o bilhete único como Marta Suplicy em 2000.

O número de automóveis no Estado de São Paulo cresceu 71,76% na última década, quatro vezes mais do que o crescimento populacional de 11,41%. Na capital, a frota aumentou 48,03%, enquanto a população cresceu 7,84%.

São Paulo precisa de um mágico. O que restava de espaço em bairros civilizados está entupido por automóveis. Graças à distribuição de renda e a subsídios generosos à indústria automobilística – geradora de empregos, de impostos e de exportações –, a vitória do transporte individual sobre o transporte público e o meio ambiente é absoluta. Ela agora está se espalhando para o resto do sistema viário brasileiro.

Os números de São Paulo são moderados quando comparados aos dados do Departamento Nacional de Trânsito, revelados pelo jornal “O Globo”. Nos últimos dez anos, a frota de veículos (automóveis, motos, caminhões e ônibus) aumentou 123% no País. Atualmente, os brasileiros geram mais carros e motos do que gente: 12 mil veículos novos por dia.

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Todos se atiram aos veículos privados para escapar do transporte público, e inviabilizam o transporte público. Uma moto barata custa R$ 5 mil e pode ser comprada em consórcio ou em prestações de R$ 250 mensais. Sua popularização confere uma feição asiática ao trópico latino e sustenta o crescimento espantoso de 235% na frota de veículos da Região Norte e de 195% na da Região Nordeste.

Na sequência óbvia, a epidemia de acidentes de trânsito recrudesce: entre 2003 e 2013, os óbitos com motocicletas aumentaram 65% no Nordeste. Atualmente, nove Estados possuem mais motos do que carros em circulação: Acre, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Ceará, Maranhão, Paraíba e Piauí. O Maranhão é o recordista nacional no aumento de frota, com 328% de expansão; possui 684 mil motos e 329 mil carros.

Equilibrados em motos, os brasileiros aceleram e correm o mais que podem – quando isso é possível – para aumentar a renda, ganhar mais dinheiro e, possivelmente, trocar a moto por um carro. O que, aliás, é coerente. Incoerente é a economia.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta


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