Conte ao francês Yves de Chiris qual o seu prato preferido, sua melhor lembrança da infância e o cantor que não sai de seu CD player e ele terá boas chances de lhe dizer o que usar atrás da orelha. Representante da sétima geração dos mais antigos perfumistas da França, Chiris se especializou em traçar paralelos entre história de vida e cheiros. E é esse o trabalho que desenvolve para os estilistas e que tem resultado em sucesso de vendas. Ele está no Brasil para dar duas palestras sobre o tema, em especial, revelando o que está por trás da elaboração de um perfume. Um dos casos que vai contar envolve Angel, de Thierry Mugler, sua mais recente criação, que se transformou hoje no mais vendido em seu país. Seu segredo foi traduzir em aromas as emoções e recordações do costureiro. Mugler lhe contou seu fascínio quando criança por parque de diversões. "Essa fase da vida interfere muito. Se você gostava de morango quando pequeno, deve gostar até o final da vida. Essas referências são bem conservadoras", diz. Chiris imaginou que cheiro sugeriria as luzes piscando, o chão de terra, a base de madeira dos brinquedos. Mostrou 150 essências ao costureiro em seis sessões de provas e depois de um ano e meio de testes apresentou Angel ao mercado.

O que esse minucioso procedimento revela é uma nova atitude na perfumaria mundial, que trata o mercado de forma segmentada. É preciso mapear e delinear um perfil antes de lançar um produto. Trata-se da contradição desse momento de aldeia global. Depois da onda neutralizante de perfumes unissex alçada com o CK One, de Calvin Klein, que ganhou variações de todas as marcas ao propor cheiro de "banho tomado" para homens e mulheres, especialistas como Chiris atentam para a importância de se criar a diferenciação. "A pessoa quer se sentir exclusiva e o perfume ajuda nisso", diz ele. Como vice-presidente da Quest, multinacional da área de fragrâncias, ele detectou em pesquisas com as consumidoras um elevado índice de insatisfação. "Elas estão aborrecidas porque todo os perfumes se parecem. Não há respeito pela individualidade e é preciso se identificar com um cheiro para mergulhar nele", revela. Uma das formas encontradas pela indústria para atender as diferenças individuais é associar os perfumes a conceitos. Eles devem hoje transmitir uma emoção, como o Happy (felicidade), da Clinique, o Contradiction (contradição), da Calvin Klein, e o Envy (inveja), de Gucci.

O mais difícil para o consumidor é identificar a que grupo ele pertence. O comum é preferir o perfume da moda. "Se o consumidor não souber o que está provando, o melhor dos perfumes pode se tornar uma sensação desagradável", diz Chiris. Quem gosta de perfumes fortes, por exemplo, acha lavanda um cheiro barato. Quem prefere as fragrâncias leves considera vulgar um aroma encorpado. Pouquíssimos mortais têm acesso a um perfumista particular para desvendar desejos. O bisavô de Chiris, por exemplo, foi o último da família a elaborar uma fragrância exclusiva para uma mulher – no caso, a rainha Vitória. Mas é possível mostrar o que mais se aproxima da trajetória pessoal. "Mais de 50% da composição de um perfume são essências ligadas à comida", conta ele. Quem gosta de pimenta se interessa por perfumes com toque de especiarias. Por isso, em lugares quentes como o México e o Nordeste do Brasil, por exemplo, a preferência recai sobre fragrâncias fortes. "O perfume precisa ser desmistificado. Com informação e respeito à biografia, não há quem não encontre o cheiro que o identifica", ensina.