Durante o período em que escrevia Os imigrantes para a Rede Bandeirantes, em 1981, o novelista paulista Benedito Ruy Barbosa recebia telefonemas e cartas de velhos italianos emocionados ao identificarem a própria saga na televisão. Uma das cartas chamou sua atenção. Em meio a desculpas pela letra tremida, lia-se a descrição da chegada dos estrangeiros para trabalhar nos cafezais paulistas substituindo a mão-de-obra escrava no final do século passado. O cenário do relato era um navio a vapor no qual muitos foram dizimados pela peste. Entre as supostas vítimas se encontrava um bebê que os médicos a bordo julgaram morto e, portanto, deveria ser jogado ao mar como todos. Assim que tentaram tirá-lo dos braços da mãe, a mulher fugiu e só foi localizada dois dias depois no porão do navio, ainda com a criança, uma menina, agarrada a seu peito. Quando finalmente arrancaram da mãe a recém-nascida, ela começou a chorar e foi salva. A carta encerrava explicando: "Aquela criança era eu." Benedito, hoje com 68 anos, levou 18 para contar esta passagem. Mas a cena estará no início de Terra nostra, nova e ambiciosa novela das oito da Rede Globo, que estréia na segunda-feira 20, e deverá ficar no ar até junho do ano 2000, dividida em três fases, ambientadas em épocas distintas, como se fossem três novelas diferentes, cada uma com cerca de 80 capítulos e um final próprio.

Terra nostra repete a bem-sucedida parceria que Benedito Ruy Barbosa fez com o diretor Jayme Monjardim em Pantanal, na então Rede Manchete, em 1990. A primeira fase se inicia em 1892, a segunda deve abranger entre 1920 e 1929, culminando com a quebra da Bolsa de Nova York, e a terceira vai do pós-guerra até os tempos atuais. Se bem que o próprio Benedito considera a hipótese de tudo terminar antes. "Não estico mais uma novela, se tiver um grande final no capítulo 180 termino." No momento, o autor está contratualmente protegido de interferências. Nem Daniel Filho, que comanda a Central Globo de Criação (CGC), pode dar palpites. Afinal, todo mundo dentro da emissora carioca sabe, o texto de Benedito Ruy Barbosa representa a grande esperança para o horário das oito, que só recentemente, perto do final de Suave veneno, foi alavancado a patamares razoáveis para o padrão global de audiência.

Embora o projeto estivesse sendo acalentado há dois anos, o acordo só foi fechado em outubro passado numa conversa com Marluce Dias da Silva, diretora-geral da Rede Globo, ocorrida no sítio do novelista, chamado Recanto do Sol, a 90 quilômetros de São Paulo. A bela propriedade de três alqueires de terra arenosa já produziu, entre outras coisas, 1.700 quilos de cogumelos saboreados por algumas cabeças coroadas da Globo. Durante o encontro, Benedito ouviu o veredicto: "Escreva a história, que nós fazemos como você quiser", afirmou ela. Acrescido à tamanha liberdade soma-se o fato de que Benedito figura entre os novelistas mais bem pagos da casa. Especula-se que seus dividendos mensais ultrapassem os R$ 100 mil.

 

Choro fácil – Um salário com vários dígitos requer esforços à altura. "Não posso nem ficar doente", diz Benedito, que enquanto escreve se torna mais emotivo e irritadiço. "Perco as defesas e choro fácil." Também se isola em seu sítio acompanhado apenas da mulher, Marilene, 60 anos, e de alguns empregados, entre os quais o onipresente mordomo Daniel. Não desfruta da beleza do lugar nem do estimado convívio com seus nove netos. Tranca-se no escritório, montado no sobrado da ampla casa, revezando-se entre duas cadeiras anatômicas. Só faz pausas para o almoço, pontualmente às 16h, e para ver jogos do São Paulo, o time do coração. "Mesmo assim, não consigo me desligar. De repente parece que entra um personagem no meio do jogo."

Mesmo não citando nomes, Benedito admite ter sido torturado pela pressão de atores insatisfeitos com o rumo e o tamanho de seus papéis. Eles telefonam irados para sua casa, no meio da madrugada. A mulher, Marilene, é quem geralmente filtra os telefonemas. A cada novela ela costumava tecer tapetes de arraiolo enquanto vigiava o telefone. "Já fiz uns cinco." Agora, contudo, assim que a novela engrenar pretende voltar ao teatro na pele de Amelinha, protagonista da peça Socorro, mamãe foi embora, escrita pelo marido em homenagem a ela, que, evidentemente, reza para que a novela deslanche.

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O próprio Benedito, no entanto, é cauteloso. Num bolão realizado entre executivos globais, ele cravou a média de 40 pontos de audiência no capítulo de estréia. Foi acusado de excesso de prudência. Claro, a expectativa é enorme. O primeiro capítulo, gravado num navio em Southampton, Inglaterra, custou R$ 1 milhão. É o mais caro da história da novela no Brasil. Embora a direção da Globo não confirme, os custos por capítulo de Terra nostra deverão ser superiores aos dos outros folhetins do horário, superando a habitual cifra de R$ 90 mil. É no navio que acontece o encontro entre o casal protagonista encarnado por Ana Paula Arósio (Juliana) e Matheu (Thiago Lacerda). Depois de viverem uma tórrida paixão que começa no tombadilho do vapor vindo do Sul da Itália, acabam separados no porto de Santos. O diretor-geral Jayme Monjardim se diz completamente apaixonado pelos dois. "É o casal do ano, a dupla romântica do final do século", entusiasma-se.

 

Macho man – Encontros e desencontros vividos pelos dois provocarão situações comoventes. "Espero que seja daquelas novelas que as pessoas terão que usar lenço de algodão, senão vão gastar muito papel", brinca o diretor. Benedito sempre pensou em Ana Paula para o papel de Juliana. Com Thiago Lacerda foi diferente. Ganhou o papel quando o viu nos testes em vídeo. Ficou impressionado diante do protótipo macho man do rapaz, um moreno de olhos verdes, 1,93m. Em Terra nostra, porém, Matheu não despertará paixões apenas em Juliana. Ele é alvo das atenções de Angélica (Paloma Duarte) e da decidida Rosana (Carolina Kasting), filhas de Gumercindo (Antonio Fagundes), dono da fazenda em que o rapaz vai trabalhar. "O Matheu tem sangue quente italiano, é politizado e aventureiro", define Lacerda. ISTOÉ teve acesso às primeiras sequências que se passam na fazenda de Gumercindo. De cavanhaque, cabelo pintado de preto – com uma tintura aplicada diariamente –, Fagundes surge recebendo uma leva de imigrantes. O ator tem aparições solenes, numa iluminação que cria uma atmosfera nostálgica em tons pastéis.

Em meio a nomes consagrados como Raul Cortez – que fará Francesco Magliano, um italiano alegre, rico, que cultiva certo status entre a aristocracia do café da emergente avenida Paulista –, Benedito aposta nas aparições da bela e ainda desconhecida atriz paranaense Maria Fernanda Cândido, que para ele lembra muito Sophia Loren quando jovem. Sabendo de seus atributos, o autor caprichará nas aparições efervescentes de Paola, seu papel. "Ela tem furor uterino." Maria Fernanda desconversa. "Só sei que ela tem personalidade forte e segue padrões incomuns para a época." Com um acervo rico de tipos, Benedito Ruy Barbosa assume a missão de reerguer as combalidas novelas globais. "Meu cacife é pegar pelo emocional." Em toda sua vida profissional, ele já escreveu 110 mil laudas televisivas. Talvez agora tenha pela frente as dez mil laudas mais importantes de uma carreira de 40 anos. Espera-se que sua tarantela não desafine.


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