A palavra emergencial parece ter perdido o sentido no setor automobilístico. Há mais de sete meses montadoras, governo e metalúrgicos alongam um acordo de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que deveria ter se encerrado em abril. A meta era evitar danos dramáticos, como desemprego em massa, num setor que produziu dois milhões de veículos em 1997 e encerrará este ano no patamar de 1,25 milhão. Acontece que o acordo já foi renovado três vezes, pois não se chega a um consenso sobre um plano de renovação de frota. A idéia é pôr fim aos carros com mais de 15 anos, que poluem e atrapalham o trânsito. O vice-presidente da General Motors, André Beer, aos 67 anos, está diretamente envolvido no projeto. Ele deixa o cargo em dezembro, depois de 48 anos de trabalho que lhe renderam um raro conhecimento dos bastidores do setor. Continuará na montadora como consultor especial. Nesta entrevista, Beer comenta os entraves para a renovação de frota, prevê fortes dificuldades nas montadoras em dezembro e declara que a GM terá em junho do ano 2000 um carro capaz de superar o Corsa, seu campeão de vendas.

ISTOÉ – Desde fevereiro o governo alonga o acordo emergencial. O que, afinal, está ocorrendo?
André Beer – O problema é que o acordo deve ser substituído pelo plano de renovação de frota, mas este está exigindo uma série de entendimentos. Um dos problemas é a logística para receber nas concessionárias o carro com mais de 15 anos de uso e a forma de pagamento do bônus. As montadoras estão trabalhando em conjunto para definir como será feita a entrega do veículo e sua reciclagem. O objetivo é que um carro antigo que for entregue em uma revenda GM poderá ter o mesmo destino daquele trocado em uma concessionária Fiat, por exemplo. O custo do transporte dos carros velhos, por volta de R$ 400, deverá ser repartido entre as montadoras. O valor definido inicialmente para o bônus é de R$ 1,8 mil. Mas acho que em alguns casos, quando o carro estiver totalmente deteriorado, o valor deveria ser negociado. A concessionária pagaria, por exemplo, R$ 1,2 mil. Como muitas pessoas não terão condições de comprar um automóvel novo com o bônus, apóio a idéia de que a diferença com os R$ 1,8 mil se transforme em desconto que a concessionária possa dar a qualquer cliente que adquira um carro novo. Mas ainda não há consenso sobre esse assunto todo e por isso o acordo de renovação de frota não sai. Acho, porém, que pode sair em 30 dias.

ISTOÉ A renovação de frota permitirá que as montadoras saiam do sufoco?
Beer – Só a médio e longo prazo. Depois de seis ou sete meses implementado. Não beneficiará os negócios das montadoras neste ano. O setor deve fechar 1999 com uma produção por volta de 1,25 milhão de veículos. Na GM, temos atualmente 18 mil empregados. Há um pequeno excesso diante da fraca demanda de carros. Mas não é nada que nos prejudique muito.

ISTOÉ – A renovação de frota a princípio não prevê estabilidade de emprego e o sr. disse que demorará cerca de oito meses para que ela tenha efeito na produção… Não há risco de dispensas a partir de dezembro?
Beer – Realmente não se sabe o que vai acontecer neste mês, quando acaba a estabilidade prevista no acordo emergencial. Deve ocorrer uma redução nas vendas e as montadoras estarão com excesso de produção. Será um mês difícil, ainda mais porque a população sofreu uma queda no poder aquisitivo por causa do aumento da gasolina e das tarifas de água, energia elétrica e telefone. O setor tem mesmo esperanças é na reforma tributária. Não faz sentido existirem hoje alíquotas diferenciadas do IPI para um carro popular e para um carro de luxo. Nem que metade do que se paga por um Vectra CD sejam tributos.

ISTOÉ – Existem vários estudos que mostram que a construção civil ou agricultura geram muito mais empregos do que as montadoras e que elas mereceriam reduções de impostos.
Beer – Não estou falando de emprego, mas de macroeconomia. Esses setores pagam muito menos impostos do que as montadoras. Se o governo reduzir os impostos sobre os carros, as vendas aumentam e ele acaba arrecadando muito mais receita tributária.

ISTOÉ – O sr. é contra um piso salarial nacional para os trabalhadores das montadoras?
Beer – Não faz sentido se pagar o mesmo piso salarial em uma fábrica na Grande São Paulo e em uma unidade que a montadora constrói em outro Estado, com mais custos de frete. O custo de vida em cada região é diferente. O que as centrais sindicais estão querendo é cartelizar o emprego. Se algum funcionário nosso da área de produção quiser ser transferido para a futura fábrica em Gravataí, no Rio Grande do Sul, poderá fazê-lo. Mas sofrerá uma redução de salário correspondente ao valor pago naquela unidade.

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ISTOÉ – O sr. acha válida toda essa guerra fiscal dos Estados para atrair fábricas?
Beer – Discordo do termo guerra fiscal. Criar incentivos para a instalação de uma fábrica é comum no mundo inteiro. Isso ocorre nos Estados Unidos, na China e na Polônia. Mas uma empresa nunca vai se basear apenas nesses incentivos. Levará em conta também a localização da fábrica. O Rio Grande do Sul ganha com nossa nova unidade porque vai passar a arrecadar impostos. Admito que cheguei a pensar que a fábrica de Gravataí não iria para frente com a polêmica com Olívio Dutra, o atual governador gaúcho. Mas o que acertamos foi apenas a antecipação do pagamento de parte do empréstimo de R$ 253 milhões feito pelo Estado.

ISTOÉ – A unidade de Gravataí é vital para a GM?
Beer – É um projeto fundamental para a GM e toda indústria automobilística mundial está de olho nela. O projeto se baseia em um conceito de reunir os fornecedores ao redor da fábrica, reduzindo custos com água e infra-estrutura. Mas não tem nada a ver com o conceito de fábrica modular, pois quem fará a montagem dos veículos será a própria GM. Nosso carro-compacto, baseado no projeto Arara Azul, sairá de Gravataí a partir de junho de 2000 e suas vendas poderão ultrapassar as do Corsa, nosso campeão de vendas. Será um carro popular, quase do tamanho do Corsa.

ISTOÉ – Desta vez o carro a álcool vai dar certo?
Beer – Sempre fui a favor do carro a álcool. Não deu certo a partir de 1990 porque mais de 90% da produção era de automóveis movidos a esse combustível e o mercado ficou nas mãos dos usineiros. Sempre defendi que o ideal é que os carros a álcool representem no máximo 30% da produção das montadoras. Continuo a pensar assim. Nosso primeiro Corsa a álcool vai para o mercado em novembro. O mercado definirá se haverá compradores, mas um fator determinante será o preço do combustível continuar mais barato que o da gasolina.


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