O novo carro de Rubens Barrichello é de um vermelho único e vibrante, tem 750 cavalos de potência, câmbio semi-automático de sete marchas, freios com disco de carbono e pode acelerar até 350 quilômetros por hora. Quanto custou? À primeira vista, nada. Ao contrário, ele vai até receber para dirigir esta maravilha. Dizem que ganhará US$ 10 milhões pelas próximas duas temporadas – ele diz que não revela nem sob tortura. Em uma análise mais cuidadosa, custou-lhe toda uma vida. Afinal, desde que se entende por gente, Barrichello respira automobilismo. Praticamente nasceu ao lado do autódromo de Interlagos, em São Paulo, e, quem sabe, entre suas canções de ninar favoritas, já não estava o ronco dos motores. Agora, aos 27 anos, sete deles dedicados à Fórmula 1, terá a chance que todo piloto sonha: correr pela Ferrari. Será o primeiro brasileiro a oficialmente alcançar esta honra, um prazer que nem grandes campeões como Fittipaldi, Piquet e Senna sentiram. "Sou uma pessoa de sorte. Cheguei mesmo a ir para baixo, mas sempre acreditei que daria a volta por cima", avalia Barrichello, que conhece os dois lados da fama. Foi a combinação de juventude, talento e muitos quilômetros rodados que aproximou o brasileiro da cobiçada Ferrari. O contrato ainda não foi assinado, o que poderá acontecer neste final de semana ou, no máximo, até a quarta-feira 8, véspera dos treinos oficiais para o GP da Itália, em Monza, solo ferrarista.

 

Isonomia – As negociações, que começaram há quatro meses, se aceleraram nos últimos dias, já que Barrichello tem um compromisso com Jackie Stewart, dono da sua atual equipe, de definir seu futuro na F-1 até o domingo 12. Durante a semana passada, enquanto todas as equipes testavam carros em Monza, o piloto brasileiro conversou diariamente por telefone com Jean Todt, diretor-técnico da Ferrari. Na sexta-feira 3, retornou para seu apartamento em Mônaco e foi substituído nas negociações de fim de semana pelo seu empresário, Frederico Della Noce. Algumas questões comerciais ainda estavam para ser resolvidas. Por exemplo: a autorização para que Barrichello mantenha os patrocinadores pessoais. Hoje, ele possui apenas a Davene, cujo logotipo expõe no boné. "Gostaria de mantê-lo até como retribuição a quem me apoiou nos momentos difíceis", explica. Mas a parte nevrálgica do contrato já está definida: terá a duração de dois anos e estabelece igualdade de condições técnicas com o companheiro de equipe, o ex-campeão Michael Schumacher. Ou seja, mesmo equipamento e atenção da equipe. Não haverá também obrigação contratual para que deixe Schumacher ultrapassá-lo na pista. Prevalece quem for mais rápido.

O anúncio da contratação deverá ser discreto, apenas por escrito, e o momento oportuno será definido pela própria Ferrari. Afinal, a equipe disputa o título deste ano justamente com o piloto preterido Eddie Irvine, que está apenas a um ponto do líder Mika Hakkinen, da McLaren. E faltam apenas quatro provas para o final do campeonato. Irvine, curiosamente, deve ocupar o lugar do brasileiro na Stewart, que foi adquirida pela Ford e passará a se chamar Jaguar em 2001. Barrichello toma todo o cuidado para não se exceder com as palavras neste momento, escaldado com transferências frustradas no passado para a Ferrrari, McLaren e Willians. Nem cogita de desagradar seus dois interlocutores na Ferrari, o próprio Todt e o diretor-geral, Luca Di Montezemolo. Há muitos egos e interesses em jogo. Barrichello bem que poderia ficar onde está em troca de mais dinheiro no bolso, mas este é um erro que não pretende mais cometer. "Queremos antecipar em um ano a ida dele para uma equipe de ponta", justifica o empresário Della Noce. Foi por priorizar os lucros no passado que o piloto amargou uma malfadada renovação de contrato com a Jordan.

 

Sonho familiar – A volta por cima começou com o que ele mesmo define como um passo atrás para dar um impulso: a chegada à Stewart, em 1997. A pequena equipe permitiu que Barrichello descobrisse um conselheiro especial em Jacky Stewart, piloto campeão dos anos 70. "Caí nas mãos de uma pessoa maravilhosa, que me mostrou como estar bem focado na minha carreira", descreve o brasileiro. A mudança coincidiu também com o casamento com Silvana Giaffone, filha de clã de pilotos. Eles já começam a pensar hoje na possibilidade de aumentar a família. "Quando me casei, achei que teria filho na segunda semana, mas aprendi a ser parceiro e ter paciência." Barrichello reconhece que o ideal é esperar mais três anos para, enfim, realizar um outro sonho: dar um neto para o pai, Rubens Barrichello Jr.

 

Lenda das pistas – Uma boa medida para quem vai pilotar um carro da equipe do Comendador Enzo Ferrari que, reza a lenda, tinha a seguinte tese sobre seus pilotos: "Cada filho que nasce é um segundo a menos de velocidade na pista." Excessos à parte, Rubinho e Rubão, filho e pai, tinham mesmo de ser muito grudados, já que até fazem aniversário no mesmo dia, 23 de maio. Foi Rubão quem incentivou e "paitrocinou" o filho desde os tempos do kart. Agora, Rubão apenas curte com a mulher, dona Idely, o glamour de um ou outro fim de semana de Fórmula 1.

Glamour, aliás, é o que não falta na Ferrari. Mais que isso, a equipe do cavalinho empinado, com sede em Maranello, se tornou uma lenda das pistas, uma imagem que se mistura com a tradição de luxo e alta tecnologia de seus carros – que podem custar até US$ 1 milhão. Antes de Barrichello, somente outro brasileiro, Chico Landi, pilotou carros da marca nos anos de 1949 e 1951, mas sem pertencer ao time oficial. Não por acaso a Ferrari tem a torcida mais fanática e globalizada do circo da Fórmula 1. Eles são tão apaixonados que podem torcer até para Mika Salo ou Eddie Irvine, dois pilotos sem carisma.

 

Volta à terra – "A origem italiana e o domínio do idioma devem ajudar Barrichello a conquistar torcida, mas não é preciso muito. Basta ganhar um GP para se tornar um ídolo", calcula Cristiano Chiavegato, especialista de automobilismo do jornal La Stampa. A família de Barrichello era da cidade de Treviso, mas ele desconhece parentes distantes na Itália. De todo modo, aprendeu por curiosidade um pouco do dialeto vêneto durante as duas temporadas em que defendeu equipes italianas em divisões inferiores de automobilismo. Outro brasileiro de origem italiana, Ricardo Zonta, vibra pelo amigo. "A Ferrari é o sonho de dez entre dez pilotos", exagera. Preparado para uma grande equipe, Barrichello tem a oportunidade de entrar para a história. Afinal, a julgar pelo favoritismo da McLaren este ano, estará a bordo de uma Ferrari competitiva no momento em que ela lutará desesperadamente para acabar com a sequência de 20 anos sem títulos. O último foi com Jody Scheckter, em 1979. Barrichello terá também a chance de comprovar o que sempre disse: "Basta que eu tenha um carro bom nas mãos para mostrar o meu valor." Finalmente, Barrichello poderá acelerar o seu sonho.

"Schumie não é arrogante"

Barrichello conta o que espera da Ferrari e da disputa pessoal com o alemão Michael Schumacher:

ISTOÉ – Como será seu contrato com a Ferrari?
Rubens Barrichello – A única coisa que quero da equipe é que eu tenha equipamento igual ao do Schumacher e isso eles prometeram. Quanto ao resto, depende de mim. Se eu for mais rápido que o Schumacher, não vou ter de deixá-lo passar. É o mesmo que acontece hoje em dia com o Johnny (Herbert, seu companheiro na Stewart): se ele está mais rápido que eu, nem precisa o time me dizer: "Deixa ele passar." O que vale é o interesse da equipe. Mas, se eu for mais rápido, gostaria que me dessem a liberdade de fazer o que quero.

ISTOÉ – Será sua volta por cima na F-1?
Barrichello – São poucas as pessoas que têm uma segunda chance na vida e eu tive isso na Stewart. Mas não é porque em 1995 não fui para a Ferrari que agora vou de qualquer jeito. Bem, podem perguntar: "Você está maravilhado em assinar com a Ferrari? Estou. Mas também estou com um pé atrás porque só quando estiver no alto do pódio, em primeiro lugar, vou poder pensar: "Fiz o negócio certo." Estou lutando para que as pessoas digam: "Vamos dar uma chance a este menino porque ele está fazendo um supertrabalho." O fato de ser uma Ferrari, uma lenda, me emociona, mas eu vou muito mais pela competitividade do carro. Não é por dinheiro que estou indo, porque eu teria ganho mais dinheiro na Stewart. Por exemplo, ganharia mais do que o Irvine deve ganhar.

ISTOÉ – Você fica preocupado ao ter de defender uma equipe que não é campeã há 20 anos e tem uma torcida apaixonada em qualquer canto do mundo?
Barrichello – Minha condição mental de hoje me dá o direito de simplesmente trabalhar pelo que gosto. Se souber deixar o carro certinho, a chance de tirar todo o proveito dele é muito grande. Estou curtindo muito pilotar. Consegui voltar aos meus tempos de kart, lembrar de quando ia correr em Jaú e era uma emoção fantástica. Por um tempo, perdi isso na Fórmula 1. Pensava: "Que droga, vou ter de ir para Imola de novo!" Me reencontrei e aprendi a gostar até de pistas que não gostava.

ISTOÉ – Por exemplo?
Barrichello – Hungria, Mônaco, que em si é legal, mas o fim de semana é horrível. Moro lá e a cidade fica insuportável.

ISTOÉ – Como você imagina que será sua relação com Schumacher?
Barrichello – Seria muito presunçoso se chegasse na Ferrari e dissesse: "Seu Michael Schumacher, agora o senhor é o número 2." Tenho que ter a liberdade para conquistar o meu espaço, mas ele parece ser muito legal. Em geral, nunca tivemos problemas. Do lado pessoal, não parece ser uma pessoa em nada arrogante. Muitas vezes se confunde arrogância com proteção ou timidez.