Fui muito machista." A frase vem de ninguém menos que o ator Jece Valadão, 70 anos, que durante décadas foi o maior símbolo do machismo brasileiro. Agora, é bom prestar atenção no que ele conta a seguir: "Mas nunca fui burro. Sempre soube da importância dos exames preventivos." Os exames a que ele se refere são os feitos para diagnosticar problemas na próstata. Entre eles, o famoso toque retal (feito pelo médico, com o dedo, durante 30 segundos) que, de longe, é o principal responsável pela resistência masculina em ir ao urologista. Por este motivo, o que Valadão diz tem um peso ainda maior. Mostra a pontinha de um iceberg que parece aportar no Brasil: a diminuição do preconceito e o aumento da informação sobre a próstata, uma pequena glândula localizada abaixo da bexiga (leia quadro à pág.73). "Felizmente, os homens já fazem o exame sem maiores problemas", afirma Fernando Vaz, chefe do Serviço de Urologia do Hospital dos Servidores do Estado, no Rio. A opinião é compartilhada por outros dois nomes importantes na área. "A falta de informação está diminuindo e o preconceito acabando", diz Sami Arap, professor-titular de Urologia da Universidade de São Paulo (USP). Miguel Srougi, professor-titular de Urologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), concorda: "Os homens estão vindo ao consultório para se prevenir." Empresas como a DuPont e a Gessy Lever, por exemplo, já incluem os exames de próstata nos check-ups anuais dos funcionários. Na Câmara dos Deputados, em Brasília, os testes viraram rotina entre os parlamentares. "Acho essencial. Perdi muitos amigos que descobriram problemas na próstata tarde demais", diz o deputado Milton Temer.

É justamente na perda de vidas que essa mudança de comportamento vai refletir. Isso porque o pior problema a acontecer na próstata é o câncer que, se não for diagnosticado a tempo, pode ser fatal. Nos Estados Unidos, a mudança de mentalidade fez os números de morte pela doença caírem. Em 1996, a estimativa, segundo a American Cancer Society, foi de 41,4 mil óbitos. Para este ano estão previstas 37 mil mortes. De 1991 a 1995 a taxa de mortalidade no país diminuiu à razão de 1,6% ao ano. Por trás desses números, está um outro tipo de exame preventivo: o PSA, que começou a ser usado nos EUA em 1986 e se tornou um indispensável aliado do toque. "A combinação dos dois métodos reduz a margem de erro do diagnóstico para 6%", afirma Srougi. Sigla em inglês para antígeno prostático específico, o PSA é uma proteína produzida exclusivamente pela próstata e pode ser medida no organismo por meio de uma amostra de sangue. Quando há câncer, em geral, a quantidade de proteína fabricada é bem maior. Antes do PSA, quando apenas o toque era usado, 70% dos casos de câncer eram detectados numa fase em que a doença já havia se espalhado para outras partes do corpo (metástases). "Hoje, graças a ele, descobrem-se 80% dos tumores ainda restritos à próstata", diz Sami Arap. A consequência direta desta inversão é a maior possibilidade de cura e a diminuição da mortalidade.

 

Informação – No Brasil, como o PSA só chegou no início da década de 90, espera-se que o atual quadro americano da doença venha a acontecer somente daqui a alguns anos. Isso, é claro, contando com a maior divulgação do assunto e com a diminuição do preconceito que já está ocorrendo. É verdade, porém, que hoje esse vislumbre otimista ainda coexiste com desinformação e resistência ao toque, além de crenças equivocadas como por exemplo o fato de atribuir à próstata a responsabilidade pela potência sexual. Não é à toa que a taxa de mortalidade no País – também por causa do aumento na expectativa de vida – ainda cresce. Em 1980, segundo o Ministério da Saúde, de cada 100 mil homens, quatro morriam de câncer da próstata. Em 1996, o número chegou a dez por 100 mil. O comerciante Djair Pirana, 49 anos, por exemplo, é daqueles que ainda resistem e jamais fariam o exame preventivo de toque. "Sei que é ignorância e assumo isto", diz. O que ele nunca imaginou é que, a despeito de sua livre e espontânea vontade, poderia ser obrigado a fazê-lo, fato que veio a ocorrer há um mês. Por causa de um problema urinário, Pirana teve de ir a um urologista que, sem aviso prévio, realizou o toque. "Tomei um baita susto. Só não briguei com o médico porque é meu amigo", recorda.

 

Biópsia – Mas foi sem ter medo desse desconforto que o empresário paulista José Clarindo de Macedo, 55 anos, procurou um urologista para uma consulta preventiva. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Sociedade Brasileira de Urologia, é recomendável que todo homem a partir dos 50 anos faça os exames anualmente. Feito o toque, Macedo esperou o resultado do PSA, que deu alto. Seu médico, então, fez uma biópsia. Diagnóstico: câncer. "Quando recebi os resultados, entrei em parafuso", conta. "Achei que fosse uma sentença de morte." Felizmente, o tumor ainda estava em estágio inicial. Hoje, dois anos depois de sofrer uma prostatectomia radical (cirurgia para a retirada da próstata), Macedo leva uma vida normal. "O diagnóstico precoce é a melhor maneira de curar a doença. Até porque o câncer de próstata, em geral, não dá sintomas", ressalta Celso Gromatzki, urologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Por também achar que câncer era sinônimo de morte, o geólogo carioca Luiz Gravatá, 57 anos, saiu desesperado atrás de informações sobre a próstata quando soube, em janeiro deste ano, que tinha um tumor no órgão. "Consultei-me com oito médicos diferentes e passei horas na Internet pesquisando o assunto", lembra. Só depois de tanta pesquisa, o geólogo se sentiu seguro para submeter-se à cirurgia que o livrou da doença.

Com essa busca de informações, Gravatá aprendeu também sobre outro mal que acomete a próstata: a hiperplasia prostática benigna (HPB). Apesar de menos difundida e não ser fatal, a doença é mais frequente que o câncer e chega a atingir 80% dos homens por volta dos 70 anos. Vale lembrar que hiperplasia e câncer são doenças diferentes. Seus sintomas costumam ser diminuição do jato urinário, necessidade de urinar com mais frequência e sensação constante de bexiga cheia. "Isso ocorre porque com a HPB, a próstata aumenta progressivamente de tamanho e estreita a uretra, canal por onde sai a urina", explica Joaquim Claro, urologista da Unifesp. Quando os sintomas incomodam, existem duas formas de conduzir o tratamento: cirurgias ou medicamentos. Com remédios, as opções são os alpha-bloqueadores, que diminuem a contração da próstata e assim aliviam os sintomas, os antiandrogênicos, que inibem a ação da enzima responsável pelo crescimento da glândula, e os fitoterápicos, feitos à base de plantas que também agem inibindo a enzima e retardando o crescimento prostático. Gilberto Alves, 57 anos, gerente da multinacional Renner DuPont descobriu em 1995, num dos check-ups anuais promovidos pela empresa, que tinha hiperplasia. Alves se tratou com um antiandrogênico e sentiu melhora significativa. "Levantava várias vezes à noite para urinar e sentia um forte mal-estar no abdômen. Hoje, levanto raramente", lembra. "Esses medicamentos funcionam em cerca de 50% dos casos", diz Miguel Srougi.

 

Cirurgias – Segundo o urologista Eduardo Bertero, do Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, no entanto, as cirurgias são mais eficientes. A principal é a incisão em que uma espécie de bisturi elétrico é introduzido pela uretra para raspar somente a parte interna da próstata e desobstruir a passagem da urina. Nos casos de câncer, a cirurgia para a retirada da próstata é a alternativa mais indicada. Já entre os métodos menos invasivos, como a radioterapia e a braquiterapia (introdução de sementes de iodo radioativo na próstata para destruição do tumor), a novidade é a criocirurgia, técnica que destrói a próstata por meio do congelamento com nitrogênio. "Precisamos saber se a eficácia é equivalente à cirurgia", diz Sami Arap, que testará o recurso no Hospital das Clínicas de São Paulo.

A escolha do tratamento leva em conta, além do estado geral do doente e do tamanho e agressividade do tumor, a expectativa do paciente em relação à doença. Uma pesquisa feita pela US Too, entidade americana de apoio aos portadores de câncer da próstata, revelou que a qualidade de vida é o fator de maior relevância para os doentes (45% das respostas), seguido do prolongamento da sobrevida (29%) e do desejo de retardar a evolução da doença (13%). "Se o mais importante é a cura, a cirurgia é a mais recomendada. Se, por exemplo, é a vida sexual, a rádio ou a braquiterapia são as melhores indicações", explica Srougi. A chance de curar tumores em estágio inicial com a cirurgia chega a 90%. Com a braqui ou a rádio o índice cai para 70%. Por outro lado, esses dois procedimentos podem causar impotência em 30% dos casos, e a cirurgia em 50% deles. "A sequela da impotência acontece porque os nervos da ereção ficam colados à próstata e podem ser lesionados no tratamento", afirma Celso Gromatzki. Dependendo do grau da lesão, a sequela pode ser resolvida. A solução vai desde a colocação de uma prótese até o uso de comprimidos para a impotência. O advogado L.B., 59 anos, ficou impotente depois de uma cirurgia feita no ano passado para a retirada do tumor. "Mas não me arrependo da opção de tratamento que fiz", diz ele. "Continuo com a libido e sinto prazer nas relações. Com medicamentos como o Viagra resolvi o meu problema."

Quando se trata da próstata, a lógica do advogado – de não se arrepender – faz todo sentido. Assim como a lógica propalada pelos médicos. É bem melhor passar por um desconforto de 30 segundos e solucionar o problema (levando em conta as possíveis sequelas) do que receber, um dia qualquer, o diagnóstico de que não há nada a fazer. Por puro preconceito.

 

Mutirão para quem tem problemas

No dia 13 de setembro o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) vão dar início a um mutirão para operar pacientes com problemas na próstata (hiperplasia e câncer). A iniciativa faz parte da Campanha Nacional de Cirurgias Eletivas (sem urgência) do Ministério e pretende diminuir as filas de espera nos hospitais públicos (em alguns deles, chega a seis meses) para este tipo de cirurgia. A lista dos primeiros beneficiados foi elaborada a partir de um levantamento feito juntamente com as secretarias municipais e estaduais de Saúde. O mutirão vai durar três meses e será feito em cerca de quatro mil hospitais do País. "Esperamos operar em torno de dez mil pessoas", diz Ronaldo Damião, presidente da SBU.