O que sempre foi um ato rotineiro de qualquer governo – o envio do Plano Plurianual (PPA) ao Congresso Nacional – transformou-se numa apoteótica festa tucana no salão dos espelhos do Palácio do Planalto no dia 31 de agosto, mês em que o inferno astral do presidente Fernando Henrique Cardoso chegou ao cume. O evento foi uma resposta à Marcha dos 100 mil organizada pela oposição na semana anterior e que encheu a Esplanada dos Ministérios com militantes protestando contra o governo. A festa de lançamento do PPA, batizado de Avança Brasil, levou o apelido de "Marcha dos Mil". O governo enviou três mil convites na expectativa de apinhar pelo menos mil pessoas. Mas, como na manifestação das oposições, houve controvérsias em relação aos números. O governo falava em 1,5 mil pessoas, apesar de os críticos saírem alardeando que o número de espectadores não ultrapassava os 500.

De posse do calhamaço nos quais o governo promete investimentos na ordem de R$ 1,1 trilhão, crescimento de 4% e uma meta de juros de 13,4% já em 2000, entre outras maravilhas, a oposição passou a semana procurando provar que o Avança Brasil não passa de uma obra de ficção. Boa parte dos projetos repete os incluídos no programa Brasil em Ação, um extrato dos pontos mais importantes do PPA do primeiro mandato que está sendo tocado com lentidão no Orçamento deste ano. De acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), que reúne informações sobre o Orçamento federal, o governo só havia executado até o final de agosto um terço dos recursos destinados aos 42 programas eleitos como prioridade. Os piores resultados estão nas áreas de saneamento básico e habitação. Dos R$ 412,8 milhões que o governo poderia gastar com os programas federais de habitação e saneamento básico, só usou R$ 3,6 milhões, uma realização de mero 0,87%. Desta vez, a proposta mandada ao Congresso prevê o destino de R$ 497,5 milhões. É esperar para ver quanto irá de fato para esses dois programas.

 

Outros ministérios – Agricultura, Minas e Energia, Meio Ambiente e Política Fundiária – também têm execuções irrisórias. Para se ter uma idéia da obra de ficção que se tornou o Brasil em Ação, o governo investiu R$ 1,9 bilhão até agosto – a mesma quantia gasta pela União no ano passado com passagens aéreas, diárias de viagens, limpeza, xerox e telefonia.

 

Marketing – A pasta de Educação, do ministro Paulo Renato Souza, foi uma das poucas com resultados acima da média. Os programas educacionais consumiram 60% dos recursos previstos no Orçamento até agora. "O PPA é marketing puro. Muda o nome, mas os projetos são os mesmos", avalia o deputado federal Agnelo Queiroz (PCdoB-DF). "O governo não cumpre o que está no orçamento para gerar o superávit fiscal exigido no acordo com o FMI. Em 2000, vai ser a mesma coisa." De 1999 a 2001, o governo terá de alcançar um superávit de quase R$ 90 bilhões, conforme acerto com o fundo monetário. Apesar da rigidez do acordo entre o Brasil e o FMI, o ministro do Orçamento e Gestão, Martus Tavares, insiste que "o PPA é compatível com as metas do Fundo". Isso pode acontecer desde que a economia cresça 4% do PIB, o que não está nada garantido. Afinal, todas as projeções de crescimento feitas pelo governo nos anos anteriores foram atropeladas pela realidade muito mais dura do que podia imaginar a vã filosofia tucana. Tavares não diz como o governo vai cumprir todas as promessas que fez caso alguma receita com impostos seja frustrada.

Aos colegas do Senado, até mesmo o presidente do Congresso, Antônio Carlos Magalhães, tem dito que o Avança Brasil é "para inglês ver" e que em três meses o desgaste do governo será ainda pior. ACM não gostou nada de ver a intenção de se gastar R$ 100 bilhões em obras de infra-estrutura no Sudeste, enquanto o Nordeste fica com R$ 60 bilhões. Com tantas contradições, o PPA já ganhou dois apelidos da oposição. Para o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PDT), a sigla pode ser chamada de Programa para Paulista Apreciar e, para o deputado brasiliense Agnelo Queiroz, o PPA significa: Planeja, Planeja e Adia.

 

 

Empresários querem mais
Juros de 13,4% ao ano! Quem acredita? Parece o paraíso aos empresários brasileiros acostumados às mais altas taxas de juros do mundo, hoje girando ao redor dos 20% ao ano. Mas eles exigem uma redução ainda mais acentuada do que a oferecida pelo governo no Plano Plurianual. "Ninguém quer que o Banco Central abra mão do controle da economia, mas acho que existe espaço, apesar das limitações externas, para chegar aos 12% ao ano", diz Júlio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Instituto Nacional para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que reúne empresários pesos pesados da indústria brasileira. Na visão do vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Nicolau Jeha, a meta apresentada pelo governo não será suficiente para garantir a retomada do crescimento prevista na mesma proposta. "Se considerarmos que a média internacional dos juros é de 6% ao ano e incluirmos o Custo Brasil, uma taxa razoavelmente competitiva estaria em torno de 9%." Além disso, a simples redução não garante a automática retomada do crescimento. "É preciso também estimular a produção e facilitar a obtenção de crédito", afirma o economista Guido Mantega, ligado ao PT. "Se o governo insistir apenas na estabilização, a situação vai piorar."