Quem possuía investimentos bancários nas décadas de 1980 e 1990 dificilmente esquece as dificuldades financeiras vividas pelo País. Na tentativa de conter a inflação, o governo se equilibrava na corda bamba das transformações de moedas e do congelamento de preços. O incorfomismo dos poupadores atingiu o ápice em 1990, com o anúncio de medidas “emergenciais” do então presidente Fernando Collor de Mello. Entre elas, o confisco de poupanças. Mais de 20 anos depois, 390 mil processos movidos por investidores que buscam recuperar suas perdas aguardam decisão do Supremo Tribunal de Justiça. O que está em pauta é a inconstitucionalidade dos critérios de correção da poupança aplicados durante os planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Iniciado na quarta-feira 27 o julgamento do STF foi adiado para fevereiro do ano que vem, mas lançou a discussão sobre o que pode ou não ser recuperado.

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PERDAS
Fernando Collor de Mello e Itamar Franco: confisco de
poupança no governo deles gerou prejuízos aos poupadores

É o caso de poupadores como o ex-engenheiro da Ford, Arno Garbe. Ele mantinha, na década de 1990, caderneta de poupança em diversos bancos, nos quais depositava até 50% do salário recebido. O objetivo era adquirir a casa própria. “Sempre gostei de comprar à vista e já estava até com o imóvel encaminhado”, diz. Garbe lembra com amargor do dia em que, ao ver o telejornal ao lado da mulher, deparou-se com o pronunciamento da então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, que anunciava o congelamento da poupança – medida que afetou diretamente seus planos futuros. Hoje aposentado, Garbe não desiste de recuperar os rendimentos perdidos. Além de procurar uma instituição de defesa do consumidor, contratou advogado e já recebeu R$ 16 mil de processos relativos ao plano Verão. Agora, aguarda o julgamento das ações civis coletivas referentes aos outros planos. A boa notícia é que qualquer um pode seguir o exemplo do engenheiro (leia quadro).

O Supremo Tribunal Federal vem enfrentando pressões do governo e dos bancos para que o julgamento não seja favorável aos poupadores. Nos dias anteriores ao início da votação, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, se reuniram com ministros do STF e apresentaram um argumento que consideraram imperativo: a decisão pró-investidores, que geraria um custo de R$ 150 bilhões aos bancos. Na direção oposta, o Idec alega que o valor a ser pago é apenas 5,6% do total declarado pelo governo. “Precisariam ser pagos cerca de R$ 8 bilhões, o que não representa um risco para o sistema financeiro”, afirma Flávio Siqueira Júnior, advogado do Idec.

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PROCESSO
O engenheiro aposentado Arno Garbe (acima) entrou com uma ação para repor
a perda dos rendimentos da poupança. Para o ministro Mantega, a decisão
pró-investidores geraria custos de R$ 150 bilhões

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Segundo o Ministério da Fazenda, se a correção dos critérios da poupança for aprovada, a economia do País sofrerá severos impactos, entre eles a diminuição na disponibilidade de crédito. “A tendência é que a inflação vá para patamares estratosféricos, e o Banco Central teria de frear o consumo por meio de uma elevação ainda maior das taxas de juros”, afirma Otto Nogami, professor de Economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Além disso, ele prevê o comprometimento das contas do governo, que teria de utilizar recursos do Tesouro na compra de papéis dos bancos. “Caso seja aprovada a inconstitucionalidade dos antigos planos econômicos, a transferência do dinheiro para os poupadores não poderia acontecer de uma vez só”, prevê o economista. Apesar da pressão dos bancos e do governo, a tendência é que o STF vote a favor da inconstitucionalidade dos critérios da correção da poupança, visto que grande parte dos ministros já se manifestou de forma favorável aos poupadores. Para os milhares de brasileiros que acumularam prejuízos, trata-se de uma grande notícia.

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Fotos: João Castellano/Ag. Istoé; Lula Marques