Uma nova tarefa vem se incorporando ao já extenso rol de providências para o início do ano letivo. Se encapar cadernos, comprar livros, providenciar o uniforme já não era pouco, os pais agora têm de reservar um tempinho para elaborar a agenda das crianças. É cada vez mais comum os filhos terem um dia-a-dia tão cheio quanto o dos pais. É escola, aula de natação, teatro, balé, computação, inglês, espanhol. Claro que alguns compromissos são programados pelos pais, preocupados com a boa formação de seus filhos e com o mercado de trabalho, mas o interessante é que boa parte deles atende mesmo aos desejos das crianças. “Este ano, quero fazer inglês, teatro, vôlei, ginástica e natação”, diz animada Anna Maria Lira, 11 anos. À sua mãe, que também se chama Anna, 31 anos, fica o trabalho não só de concretizar as intenções da filha, mas também de estabelecer limites para que a carga não seja exagerada. “No final do ano passado, ela desistiu de dois cursos por não dar conta”, lembra a mãe.
Não há uma única medida para todas as crianças. O que é demais para uma pode ser pouco para outra. Mas é preciso estar atento. “Os pais não podem embarcar em todas as solicitações dos filhos. A criança precisa de um tempo só dela”, orienta Nívea Maria Fabrício, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Há uma forte tendência hoje de se acreditar que quanto mais estimulação melhor. É importante lembrar, no entanto, que é com a brincadeira que a criança elabora suas aquisições, alegrias e frustrações. “É saudável que a criança tenha pelo menos uma parte do dia livre de atividades dirigidas, para brincar, escutar música ou simplesmente divagar. O ócio é fundamental para a criatividade, já dizia Platão”, aconselha Ari Rehfeld, supervisor da Clínica Psicológica da Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo. Ao escolher o que, como e quando fazer, ela exercita a autonomia.

Maratona – A idade é um excelente referencial para o equilíbrio. “Até cinco anos, por exemplo, uma boa escola de educação infantil já é fonte suficiente de estimulação. Na idade escolar e na adolescência, uma atividade física e outra mental fora da escola estão de bom tamanho”, avalia Rehfeld. Outra questão importante é a verdadeira maratona de leva-e-traz a que, por vezes, os pais se submetem. Não é à toa que as escolas engordam seus currículos com atividades extras executadas em suas próprias dependências.
 

Com três filhos, dois deles adolescentes, a dona-de-casa Fernanda Oliveira, 38 anos, faz uma verdadeira ginástica para adequar os horários dos dois maiores com a escola do caçula, Gabriel, seis anos. Pelo menos em três dias da semana. E a agenda de seus filhos não é das mais abarrotadas. Além da escola, Lucas, 14 anos, e Fernando, 12, fazem aulas de inglês e futebol. “Em São Paulo, deslocar-se não é fácil. Mas eles não abrem mão do futebol por nada”, conta a mãe. A questão é que eles estudam de manhã e o pequeno à tarde. Ao meio-dia, Fernanda vai buscá-los na escola. Uma hora depois é a vez de Gabriel ir à aula. Às 16h, ela já está saindo de novo para levá-los ao futebol ou à aula de inglês, que terminam às 18h. No intervalo, ela busca Gabriel, que sai às 17h. Ufa, e Fernando ainda queria fazer natação!
 

A quantidade de atividades pode não ser demais para os filhos, mas deixa os pais em pandarecos. E isso também não é bom. “Uma mãe estressada acaba descarregando nos filhos. Tem gente que põe a criança para fazer a lição de casa no trânsito. Isso é loucura”, alerta a psicopedagoga Nívea. É compreensível o esforço dos pais para oferecer o melhor para os filhos, mas é preferível abrir mão de alguma atividade a transformar a agenda infantil em elemento de desestruturação. O mesmo princípio vale, é claro, para os casos em que os pais transferem os seus desejos de realização para os filhos. Aí, o prejuízo da criança pode ser ainda maior, porque ela se sente obrigada a corresponder às expectativas. “Atendi uma criança de 11 anos que, por conta das apresentações de fim de ano, perdeu 2,5 quilos. Tudo para agradar aos pais, que, orgulhosos, nem perceberam o quanto exigiam dela”, conta Nívia.
 

Apesar de não haver uma receita ideal, há formas de saber se estamos indo além da conta. O segredo é observar e ouvir os filhos, principalmente os menores. Perda de concentração, diminuição do rendimento escolar, irritação constante, agressividade, apatia ou continuada resistência à alguma das atividades, além de abalos físicos, são sinais que não podem ser desprezados (leia quadro). Outro ponto básico é respeitar o interesse natural da criança e aproveitar as motivações espontâneas – como o grupo de amigos –, e não obrigá-la às atividades. No caso de uma atividade tida como indispensável, o convencimento ainda é o melhor caminho. Afinal, tudo que se faz com prazer rende muito mais.