Os ventos de mudança estão definitivamente soprando na direção do mundo islâmico. Há duas semanas, os setores ditos reformistas que apóiam o presidente Mohammed Khatami obtiveram uma estrondosa vitória nas eleições parlamentares do Irã. No último ano, dois países árabes tradicionalistas, Marrocos e Jordânia, viram seus soberanos quase absolutos (Hassan II e o rei Hussein, respectivamente) desaparecerem para dar lugar a herdeiros jovens e pouco experientes, mas que estão surpreendendo pela velocidade com que estão abalando as estruturas de seus países. Mohammed VI, 36 anos, começou a desmantelar o formidável aparelho repressivo montado no Marrocos por seu pai, Hassan II. Já o rei da Jordânia, Abdullah II, dois anos mais velho que o marroquino, vem se revelando um soberano informal, preocupado em integrar seu país no mundo globalizado e fustigando a poderosa burocracia jordaniana com incertas.
 

As mudanças no Marrocos foram aparentemente mais profundas. Logo que assumiu o trono, em julho passsado, Mohammed VI decretou uma anistia para cerca de oito mil presos e reduziu as penas de outros 40 mil. Meses depois, permitiu a volta ao país de um dos mais ferrenhos adversários políticos de seu pai, o líder comunista Abraham Serfaty, que estava exilado na França há oito anos. A família do mais famoso dissidente marroquino, Mehdi Bem Barka, assassinado em 1965 em Paris, também foi autorizada a voltar ao Marrocos. Mas o mais surpreendente foi a demissão, em novembro, do poderoso ministro do Interior, Driss Basri, considerado a eminência parda de Hassan II durante 25 anos. Do alto de seu poder, Basri controlava não apenas o aparelho repressivo mas também o processo eleitoral, as comunicações marroquinas e o espinhoso Saara Ocidental, ex-território espanhol que o Marrocos disputa com guerrilheiros.
 

Já o rei Abdullah II, descendente direto do profeta Maomé, vem se dedicando a inspecionar seu reino disfarçado de mufti (líder religioso), para pavor dos burocratas, reinventando uma velha tradição árabe. O jovem monarca tem se enveredado por seus domínios enfrentando filas e ouvindo queixas. Tido como frívolo e leviano antes de assumir, preocupado com carros e mulheres, Abdullah foi promovido a príncipe-herdeiro na última hora, quando o rei Hussein, já devastado pelo câncer, afastou o herdeiro designado, seu irmão Hassan. “Ele compreendeu rapidamente as necessidades de seu papel”, comentou a secretária de Estado americana, Madaleine Albright. Pragmático e formado em escolas ocidentais, Abdullah vem se mostrando especialmente preocupado em reanimar a combalida economia jordaniana. “Não estamos preocupados com ameças em nossas fronteiras. O único problema que a Jordânia tem pela frente é sua economia”, declarou o rei a um grupo de executivos americanos do setor de alta tecnologia que visitou o país no ano passado.
Tanto no Irã, que dá seus primeiros passos na direção do pluralismo, quanto no Marrocos e na Jordânia, a questão é saber se as iniciativas reformistas que vem sendo feitas “pelo alto” poderão criar raízes na sociedade civil e produzir instituições verdadeiramente democráticas. Do contrário, elas ficarão dependentes das iniciativas políticas de seus líderes e ninguém garante que não desaparecerão com eles na próxima batalha sucessória.