O cientista político e pesquisador da Universidade de Nova York explica por que a oposição saiu fortalecida nas eleições presidenciais chilenas, critica a desigualdade social no país e fala sobre a nova geração de líderes que surgiu dos protestos nas ruas

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RUMO
“Não importa se o governo será de esquerda ou
de direita. A economia segue na mesma direção”

Apesar de o Chile crescer a uma taxa média de 5,8% ao ano – um dos índices mais altos do continente – e de alcançar em 2013 a menor taxa de desemprego dos últimos 15 anos, é improvável que o presidente Sebastián Piñera faça o sucessor. Para o cientista político chileno Patricio Navia, pesquisador do Centro de Estudos sobre América Latina e Caribe da Universidade de Nova York, isso se deve a uma razão principal: o país está bem, mas os chilenos nem tanto. Autor de quatro livros sobre a política chilena, entre eles “Las Grandes Alamedas: El Chile Post Pinochet”, Navia diz que o voto em Michelle Bachelet, favoritíssima para vencer o segundo turno, não representa um desejo de mudança do modelo econômico, mas a expectativa de que ela distribua melhor a riqueza. “Os chilenos desejam continuar na mesma direção, mas querem uma ênfase diferente”, diz Navia. “Agora eles estão mais preocupados com a desigualdade e em ter uma melhor qualidade de vida.”

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"Os chilenos querem melhorar de vida e
acham que Michelle Bachelet pode ajudá-los
mais do que um governo de direita”

 

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“Eleita, a líder estudantil Camila Vallejo precisa
deixar os protestos de lado e buscar consensos
com outros deputados. Será um desafio"

Fotos: DPA/ZUMApress.com; Eliseo Fernandez/REUTERS

ISTOÉ

A economia do Chile cresce bem, a inflação e o desemprego estão em baixa e a situação fiscal do país é confortável. Mesmo assim, a maioria dos eleitores optou por votar na oposição. O que aconteceu? 

Patricio Navia

Essa foi uma eleição sobre o piloto, não sobre o trajeto. Os chilenos desejam continuar na mesma direção, mas querem uma ênfase diferente. Eles estão mais preocupados com a desigualdade e acreditam que, não importa quem ganhe, o modelo econômico continuará o mesmo. Isso aconteceu porque o presidente Sebastián Piñera manteve o modelo econômico quando assumiu o cargo. Então, os chilenos sabem que, não importa se o governo é de esquerda ou de direita, a economia seguirá na mesma direção. 

ISTOÉ

A campanha eleitoral focou no aumento da desigualdade social no país. Por que esse tema foi tão importante? 

Patricio Navia

O Chile cresceu muito nos últimos 25 anos. Por isso, questões que são grandes em outros países, como a pobreza, não são mais um problema no país. Os chilenos estão agora focados em novos problemas. A desigualdade é o grande desafio que o Chile tem pela frente. 

ISTOÉ

Que tipo de novos problemas são esses? 

Patricio Navia

Eles estão todos relacionados à desigualdade. Por exemplo, o acesso à educação, à saúde e à habitação. A qualidade de vida que os chilenos têm agora é muito diferente, dependendo de quanto dinheiro sua família tem. As pessoas querem melhorar de vida e acham que Michelle Bachelet pode ajudá-las mais do que um governo de direita. Elas não estão votando na Bachelet para mudar a economia, mas porque pensam que ela pode distribuir melhor a renda dentro do atual modelo econômico. 

ISTOÉ

O Bolsa Família foi um programa importante para o combate à desigualdade no Brasil. O sr. acha que ele funcionaria no Chile? 

Patricio Navia

O Bolsa Família foi um programa para combater a pobreza, não a desigualdade, embora ele tenha provocado efeitos positivos na distribuição de renda. Na verdade, programas muito parecidos foram implementados no Chile no começo dos anos 90. A pobreza aqui é bem menor, está em 14% da população (no Brasil, o índice é de 21%). Todas as coisas que precisavam ser feitas com programas de transferência de renda já foram feitas. 

ISTOÉ

Qual deve ser o próximo passo, então? 

Patricio Navia

Fazer mudanças estruturais capazes de reduzir a desigualdade. Não é uma questão de fornecer mais acesso à educação, mas igualar o acesso à educação. A cobertura da educação no Chile é universal, mas a qualidade das escolas varia muito, dependendo de quanto dinheiro sua família pode pagar. E isso precisa mudar.
 

ISTOÉ

Onde Sebastián Piñera errou? 

Patricio Navia

Os chilenos pensam que o país está bem, mas sentem que sua família não está tão bem quanto o país. O problema de Piñera é que poucos estavam se beneficiando de seu governo. Sua imagem acabou associada a uma classe privilegiada. 

ISTOÉ

Essa foi a primeira eleição sem voto obrigatório no Chile e mais da metade dos eleitores não foi às urnas. Que mensagem essa alta abstenção envia? 

Patricio Navia

Quando se tem altos níveis de abstenção, isso é um indício de que o país não está em crise. As pessoas votam mais em períodos de crise, como na última eleição da Venezuela e nos Estados Unidos, em 2008. Quando o país está bem, as pessoas tendem a pensar que, não importa quem vença, continuará na mesma direção. Por isso, não se preocupam em votar. 

ISTOÉ

Não há o fator do desencanto com os políticos? 

Patricio Navia

Neste caso, não. Havia candidatos que fizeram campanha contra o sistema político, queriam mudar tudo, e receberam pouco apoio. As pessoas aqui não odeiam os políticos. 

ISTOÉ

Michelle Bachelet não venceu no primeiro turno, ao contrário do que diziam as pesquisas. Para uma presidenta que deixou o governo com 85% de aprovação, o sr. acha que ela sai enfraquecida da eleição? 

Patricio Navia

A maioria dos chilenos lhe negou uma vitória no primeiro turno porque ela foi muitas vezes ambígua sobre o que faria em uma nova presidência. Suas promessas de campanha foram pouco específicas. Então, as pessoas não sabem exatamente o que ela fará nem como fará. Isso gerou um sentimento de insatisfação. Os chilenos esperam que Bachelet se posicione mais antes de declarar seu apoio a ela. 

ISTOÉ

A direita é a maior perdedora dessas eleições? 

Patricio Navia

Sim. Dentro da direita, um partido específico, UDI, o mais conservador de todos, é também o maior perdedor. Perdeu nove deputados, passando de 38 para 29 (de um total de 120). Os chilenos são muito moderados, não votam pelo radicalismo nem da direita nem da esquerda. 

ISTOÉ

A direita ainda sofre com o fantasma do general Augusto Pinochet? 

Patricio Navia

Isso é parte do problema da direita. Os candidatos que são mais associados ao Pinochet perderam e deram espaço para os mais moderados. Essa é uma mensagem clara dos eleitores para a direita: se um candidato é de direita e associado ao Pinochet, ele perderá. Isso é um problema para Evelyn Matthei (que disputa a Presidência com Michelle Bachelet no segundo turno). A direita recebeu cerca de 37% dos votos no Congresso, mas Evelyn recebeu apenas 25%. 

ISTOÉ

O que explica essa diferença? 

Patricio Navia

Pode ser explicada principalmente por Evelyn ser intimamente associada à ditadura de Pinochet. Ela é filha de um membro da junta militar que apoiou ativamente o general. Os chilenos são moderados, não são esquerdistas. Em muitos casos, são conservadores, mas ser de direita não significa que se apoia Pinochet. Foi assim que Sebastián Piñera se elegeu em 2009.  

ISTOÉ

Camila Vallejo, de 25 anos, líder das manifestações estudantis de 2011, e outros representantes do movimento estudantil foram eleitos para o Congresso. O que isso diz sobre essa geração de jovens chilenos?  

Patricio Navia

Eles querem mudar o modelo econômico, mas foram escolhidos porque os eleitores os veem como uma renovação na política chilena. Muitos que votaram em Camila não concordam necessariamente com o que ela pensa, mas gostam da novidade que ela representa. 

ISTOÉ

No que essa geração é diferente da anterior em termos de política? 

Patricio Navia

A principal diferença é que eles não têm memórias da ditadura. Eles não participaram do processo de transição democrática. A antiga geração justifica algumas coisas que aconteceram durante a transição que para a nova geração não faz sentido. Por exemplo, a forma relativamente branda como a Concertación (coalização de centro-esquerda que sucedeu a ditadura) tratou Pinochet. Os mais jovens são mais críticos ao que aconteceu no período de transição. 

ISTOÉ

Qual será o maior desafio para os líderes estudantis que foram eleitos? 

Patricio Navia

Será se adaptar às novas regras. Ser um líder nas ruas lhe permite reclamar e lutar por suas bandeiras de forma diferente de quando se está no Congresso, onde os deputados são forçados a negociar e barganhar. Os estudantes terão de entender que eles têm que deixar os protestos de lado e ser capazes de buscar consensos e convencer outros deputados. É um grande desafio. 

ISTOÉ

O sr. vê alguma relação desse movimento com as manifestações recentes que aconteceram no Brasil? 

Patricio Navia

Há algumas semelhanças, mas o movimento no Chile foi mais sobre inclusão econômica e social. No Brasil, foi mais contra os erros das políticas econômicas e sociais. 

ISTOÉ

O radicalismo de Nicolás Maduro, na Venezuela, e Cristina Kirchner, na Argentina, deveria preocupar os líderes de esquerda da América Latina? 

Patricio Navia

Não. Há diferentes tipos de esquerda na América Latina e a esquerda argentina e a venezuelana são muito diferentes da esquerda chilena. 

ISTOÉ

A revelação de que uma agência do governo americano, a NSA, espionou a presidenta Dilma Rousseff causou indignação no Brasil e provocou um desgaste das relações diplomáticas com os EUA. Como o Chile lidou com essa questão? 

Patricio Navia

Aparentemente o Chile não é tão importante para ser espionado pelos americanos. Estamos um pouco ofendidos por eles não terem interesse em nos espionar.