01/09/1999 - 10:00
O historiador Thomas Skidmore ganhou o título de brasilianista depois de estudar durante vários anos a história política e social do País. "Cheguei aqui pela primeira vez em 1961, durante a ressaca da renúncia de Jânio Quadros", lembra o respeitado professor da Brown University. Desde então, Skidmore debruçou-se sobre o legado de 16 governos brasileiros, que lhe renderam dois best sellers da literatura acadêmica do País (Brasil: de Getúlio a Castello e Brasil: de Castello a Tancredo). Se toda essa experiência lhe deu conhecimento suficiente para prever, de maneira correta, o futuro político do País, o presidente Fernando Henrique Cardoso tem muito com que se preocupar. Aos 67 anos, Skidmore evita meias palavras e diz com todas as letras que FHC poderá decretar um estado de emergência no País, suspendendo direitos constitucionais para recuperar condições de governabilidade. "Daqui a um ano, com o déficit fiscal maior, como é que o governo vai cortar os gastos se o Congresso não cooperar? Seria impossível. Além disso, é uma solução democrática porque está na Constituição", afirma o professor americano, lançando uma tese, no mínimo, polêmica. A outra saída, segundo ele, não parece ser menos agradável ao presidente. "ACM vai ser o cacife de Fernando Henrique", imagina Skidmore, referindo-se ao presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). "ACM gosta de dizer ‘não’, ao contrário do presidente", justifica o historiador, que está no Brasil para participar de um simpósio sobre relações raciais, que ocorrerá no Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, entre os dias 1º e 3 de setembro. Antes, porém, passou por Brasília para ver seus amigos da capital. Entre um encontro e outro, deu a seguinte entrevista a ISTOÉ.
Obviamente, é uma situação muito difícil. A fragmentação dos partidos deixa o governo numa posição muito frágil. E mesmo o partido do presidente está sofrendo baixas. Além disso, falta ao Brasil experiência com o processo democrático. A democracia renasceu em 1985, mas isso foi há muito pouco tempo.
Conheço o Fernando Henrique bastante bem há 30 anos. Ele é um ótimo professor, mas como político cometeu um grave erro quando resolveu continuar seu governo num segundo mandato. Ele perdeu a oportunidade de fazer as reformas para conseguir a reeleição. Confiava no Plano Real, quando ele já estava se extinguindo por causa da sobrevalorização. E agora, como homem e como político, decepcionou o povo. Ele tentou ganhar duas eleições com o real e isso foi um erro.
Com a desvalorização, a imagem dele se distorceu muito. Além disso, mostrou que ele não é diferente dos outros políticos. A meu ver, o papel histórico dele seria o de presidente da entressafra, fazendo a estabilização. Ele não tinha idéias para a ponte (entre a estabilização e o crescimento econômico). E agora Fernando Henrique Cardoso está perdido. Depois de quatro anos, está de novo com o problema da estabilização. E sem possibilidades de crescer.
Acho que o governo não tem planos para que o Brasil possa tomar conta de seu futuro. Só fica reagindo aos problemas, no dia-a-dia. Eu entendo que isso possa ser natural, mas mostra uma falta de liderança política.
Isso é consequência da personalidade dele. Ele não gosta de confronto. Não é um ACM (Antônio Carlos Magalhães, presidente do Senado). Fernando Henrique prefere falar, negociar… Mas reformar o sistema partidário é uma coisa dura. Alguém vai perder. E ele não gosta disso. O Brasil desperdiçou cinco anos por causa disso.
Não. Isso é personalidade. É coisa de brasileiro. Tenho amigos brasileiros que nunca pronunciaram a palavra "não". Dizem: "quem sabe amanhã, vamos ver…" Nunca dizem "não". Agora temos duas décadas perdidas: 80 e 90. Falta um pouco de imaginação ao governo brasileiro para pensar uma nova estratégia.
É, o povo está desanimado. A meu ver o brasileiro oscila entre duas emoções. A primeira é o ufanismo: "O Brasil é o melhor do mundo." E a outra, o derrotismo: "O Brasil não vale nada, ou o Brasil não dá." Portanto, é bem possível que a popularidade do Fernando Henrique possa voltar a subir. Afinal, não há escândalos envolvendo o Palácio do Planalto.
Isso é saudável. Isso é que é democracia, com a sociedade civil reagindo. Ainda que o presidente não goste.
Ele está parecido com José Sarney, que viveu um momento muito difícil no final do governo. Talvez, agora, fosse até o momento de Delfim Netto (deputado federal pelo PPB de São Paulo) voltar ao governo. Talvez o Brasil precise de alguém tão louco como o Delfim para reaquecer a economia.
Malan é o filho leal. Ele passou anos e anos negociando a dívida externa brasileira. Teve de falar com aqueles banqueiros arrogantes como um suplicante brasileiro pedindo um pouco mais. Ele é muito inteligente, é bom economista, mas para meu gosto é internacional demais. Ele está pensando mais na aprovação de Washington do que na margem que o Brasil tem para manobras.
Não. No Ministério da Fazenda, ele tinha uma equipe muito boa. Ele não tem sensibilidade. Quem mandava era o Gustavo Franco. Pedro Malan, inclusive, é um tipo de Gustavo Franco light. O Franco é que estava em cima de tudo, apesar de ser um tipo desagradável.
Em janeiro, com a crise, Fernando Henrique teve o momento certo para dispensar Pedro Malan e Gustavo Franco. Eram os homens identificados com a política desastrosa. Mas Fernando Henrique quis continuar com a mesma política, o que foi outro erro. Agora, o povo não pode mais ter confiança no Malan, que era o homem que estava dirigindo a economia antes da crise. Isso seria a lógica política que Fernando Henrique não quis aceitar. Malan é refém da política e ele é estóico, um homem muito leal. Não vai dar uma punhalada pelas costas de FH. Admiro-o, mas ele apostou e perdeu.
Malan é muito diferente. Ele é muito menos rígido do que o Cavallo, que é louco e paranóico. O Pedro não é assim. Além disso, o Cavallo exagerou na política. Os argentinos sempre exageram… (risos) Imagine voltar para o padrão-ouro. É uma loucura. Isso escapa a qualquer controle. Além disso, o Cavallo gostaria de ser presidente. Acho que o Pedro não. Ele está cumprindo o papel dele.
Já existe sim e isso é perigoso. Os ratos estão saindo do barco, abandonando o governo. Essa fragmentação dos partidos é perigosa e colabora para piorar a situação. É bem possível que o Brasil tenha um déficit público maior no ano que vem. E o déficit da Previdência é uma coisa louca. Isso é um monstro que está crescendo. A perspectiva não é das melhores.
Uma solução seria congelar os pagamentos da Previdência, ou pagar metade e prometer outra metade para o futuro. Mas, politicamente, isso seria horrível. Há uma situação muito difícil. É bem possível que Fernando Henrique possa precisar de um estado de emergência, alguma coisa assim.
Pense daqui a um ano, com o déficit fiscal maior, como é que o governo vai cortar os gastos se o Congresso não cooperar? Seria impossível.
É uma solução democrática porque está na Constituição. E isso com mais medidas provisórias, para passar pelo Congresso. Outra possibilidade seria o ACM aparecendo mais e mais e mais… Quem vai salvar o Fernando Henrique agora, com esses agricultores? O ACM! Saiu hoje no jornal. Ele vai cortar o projeto de refinanciamento no Senado.
Ele gosta de dizer não. Ele gosta. Ele tem huevos (testículos), como dizem os mexicanos. ACM vai ser o cacife do Fernando Henrique.
Completamente. Principalmente se houver uma piora da economia. Nesse ambiente, a solução clássica é o crescimento. Mas não existe essa saída, porque há problema com a inflação e com o balanço de pagamentos.
Não sei. Acho que o caso do Fernando Henrique é muito complicado. Também foi um erro dele viajar tanto para fora do País. Realmente o que ele gosta não é de aparecer no interior de Pernambuco, cumprimentando um peão. Isso é chato. Mas com a rainha da Inglaterra é outra coisa. E ele é ótimo para isso. Ele é muito inteligente, mas não sei até que ponto tem apoio popular. Psicologicamente, ele vendeu a idéia de que ia entregar estabilidade à população. E se não houver estabilidade, o que vai entregar? O que ele tem agora?
Em certo sentido, sim. Mas o historiador é um mau profeta. Várias vezes eu já previ coisas que nunca aconteceram.
No final do governo Sarney, quando a inflação era de 100% ao mês, achei que haveria a decretação de estado de emergência. Sarney também parecia perdido, mas ele conseguiu sobreviver. Agora é proprietário do Amapá.
Isso é um problema. Mãos que não têm trabalho são perigosas. Acho que a melhor função para eles seria uma ação cívica, no interior do País. O Exército do Brasil jamais teve capacidade de defender suas fronteiras. Nem a Marinha. Isso é completamente impossível. Mas, curiosamente, há pouca preocupação fora das Forças Armadas para esse problema.
Acho que num primeiro capítulo, o consenso de Washington recomenda que o país seja bonzinho, crie um banco central, siga as instruções do FMI, privatize e depois simplesmente espere os acontecimentos. Quem vai dar impulso à economia? Os empresários. Mas se não houver empresários dinâmicos… O Brasil, agora, vai depender completamente da decisão de investimentos estrangeiros. O controle da economia está sendo entregue para poderes estrangeiros. Mas não sabemos ainda o que poderá acontecer num segundo capítulo.
Não. Não estou.