Se você é daqueles que amam Galvão Bueno, aquele locutor eufórico que dá voz à emoção de milhões de torcedores (e sofredores) brasileiros, lamente. Se você odeia Galvão Bueno, aquele narrador ufanista que diz um punhado de bobagens a cada transmissão esportiva, comemore: ele não fala nesta reportagem. O veto parte da Rede Globo, que o proíbe de dar entrevistas. Mas se pudesse falar aqui, Galvão certamente repetiria uma de suas frases favoritas: "O locutor não pode se imaginar mais importante do que a imagem, porque se tornaria ridículo. Também não pode se minimizar, pois se tornaria dispensável." Contra sua própria avaliação, Galvão ganhou um vulto quase tão grande quanto as competições que transmite. Em jogos do Brasil, transforma-se numa espécie de voz passional da Nação. Na própria Globo não parece haver maiores dúvidas de que ele tem grande parcela de responsabilidade pelos bons índices de audiência, como os 39 pontos no Ibope, alcançados na final da insossa Copa das Confederações – oito vezes mais que a segunda colocada. Mas se o seu estilo ajuda a manter a liderança, também é muito contestado. Galvão é tema frequente de fãs e críticos que batem boca nas rodas de torcedores e nas seções de cartas dos jornais. Até mesmo no vídeo a polêmica já apareceu. Entre cartazes de torcedores que mandavam abraços para o locutor num jogo da Copa América, a câmera da Globo focalizou o manifesto de um opositor: "Galvão, vai pentear macaco."

Carioca de 49 anos, o locutor gosta de se definir como um "vendedor de emoções". Das pessoas que o conhecem intimamente, recebe outras descrições. Uma das características mais marcantes é o acirrado espírito competitivo, reconhecido até em família. "Ele não gosta de perder nunca", aponta Cacá Bueno, filho do locutor e piloto da categoria Super Turismo. É assim também nas discussões de trabalho. O quebra-pau mais recente teve como tema o "batismo" pela mídia do craque Ronaldinho Gaúcho, do Grêmio e da Seleção Brasileira. Para que não houvesse confusão com o homônimo mais famoso que também joga na Seleção e na Internazionale, jornalistas da Rede Globo e dos jornais queriam que a dupla passasse a ser chamada de Ronaldo – o que joga na Itália – e Ronaldinho apenas – o que joga no Grêmio. Contra todos, Galvão bateu pé: "Vai ser Ronaldinho e Ronaldinho Gaúcho", decretou, no primeiro jogo da Copa América. E levou.

Outra marca é o temperamento explosivo. Já enlouqueceu os colegas de emissora ao discordar de detalhes técnicos pouco antes de uma partida ser levada ao ar. "Então não vou transmitir", ameaçou, intempestivamente. Para alívio de todos, Galvão acabou por não cumprir a ameaça. Mas, depois de 17 anos na Rede Globo – em 1992 foi parar na CNT e voltou 11 meses depois –, todos já se acostumaram ao seu perfeccionismo. Pelo ponto de vista dos amigos, o pavio curto ganha outro nome. "Ele tem personalidade forte e não se conforma quando as coisas estão fora do lugar", afirma o empresário Washington Bezerra, que conhece Galvão há 40 anos. Bezerra é sócio do locutor na equipe de stock-cars, onde correm o ex-piloto de Fórmula 1 Chico Serra e o filho do governador de São Paulo, Mário Covas Neto, o Zuza.

Nesse meio automobilístico fez sucesso de braços dados com outro grande amigo, o piloto Ayrton Senna. Oo não se pode dizer de Nélson Piquet, que já foi rival de Senna nas pistas. "Não o considero um amigo, nem um inimigo. Ele realmente tem o dom da palavra, mas precisa fazer a lição de casa. O Galvão na Fórmula 1 fala bobagem porque não estuda o assunto. É o típico caso da obra engolindo seu criador", define Piquet. Não por acaso, Galvão também andou brigando com o comentarista Reginaldo Leme – episódio já superado. Brigas, aliás, não são raridade em sua rotina. Os telespectadores testemunham há anos as discussões entre Galvão e o ex-árbitro e comentarista Arnaldo César Coelho. Arnaldo acha graça. "Isso já virou folclore." O ex-árbitro elogia o estilo torcedor do colega, que enche de emoção as transmissões, mas admite que esse mesmo entusiasmo lhe dá muita dor de cabeça. "Quase sempre chego exausto ao fim das transmissões de jogos do Brasil, porque é difícil fazer uma avaliação puramente técnica dos lances ao lado de alguém que torce."

 

Esportista – Os concorrentes se dividem. O jornalista José Trajano, diretor de jornalismo da ESPN-Brasil, acha Galvão um grande locutor, mas não concorda com a postura de torcedor número 1. "O que mais me irrita é o discurso patriota ao extremo. É preciso muito cuidado para que essa emoção não passe por cima da precisão dos fatos", reclama Trajano. O tom ufanista transforma-se em qualidade para o principal concorrente de Galvão, o locutor Luciano do Valle, da Rede Bandeirantes. "Ufanar significa orgulhar-se de alguma coisa. Tanto eu como ele nos orgulhamos de ser brasileiros", defende Luciano, que recebe críticas parecidas. Esse envolvimento que Galvão Bueno passa nas competições que narra não é mero jogo de cena. Desde muito jovem, ele respira e transpira esporte. Praticou natação, atletismo, vôlei, futebol e basquete. Cursou Educação Física, com pós-graduação em basquete e handebol. Conheceu sua ex-mulher, Lúcia, durante os jogos estudantis, em que ele era auxiliar técnico da seleção brasiliense de basquete e ela jogadora de vôlei. Seus filhos dão continuação à estirpe: além de Cacá, tem Popó Bueno que corre na Fórmula Chevrolet. Para alguém assim, talvez seja demais pedir moderação. Espera-se apenas que não torça os fatos.