Fim de tarde. O Boeing 737 fretado pela Brahma, lotado de convidados VIPs de São Paulo, pousou em Barretos causando sensação. Era sábado e uma pequena multidão em busca de autógrafos aguardava as apresentadoras de tevê, atores, jogadores de futebol, publicitários, empresários, grã-finos e modelos da Playboy que já namoraram Ronaldinho. Três ônibus, escoltados por batedores e por um carro da PM, levam os alegres convivas para o Parque do Peão, uma espécie de Disneylândia do caubói com 50 alqueires.

Barretos, 120 mil habitantes, a capital country do Brasil, fica num descampado a perder de vista. Há cinco meses não chove na região e faz um calor desgraçado. Pequenas correntes térmicas levantam a poeira do chão, provocando redemoinhos de vento. Durante os dez dias da Festa do Peão de Boiadeiro (que acaba domingo 29), a cidade recebe 1,8 milhão de forasteiros e muita grana – em torno de R$ 200 milhões. Os preços vão parar na estratosfera, causando uma bolha inflacionária. Uma diária num hotel de rodoviária (classificação: 3 baratinhas) na vizinha Bebedouro, a 50 quilômetros, chega a R$ 480, quando o normal seriam meros R$ 33. É um mercado que desperta a cobiça e todos querem tirar sua casquinha. Até prostitutas vieram dos Estados vizinhos em ônibus alugados para faturarem no Barretão. Tamanha riqueza também atrai a gatunagem e forma-se uma fila enorme diante da delegacia de polícia da cidade.

A caravana de celebridades passa direto pelos portões e chega ao Rancho da Brahma, guardado por seguranças de terno preto. Um jantar caipira está servido. Como não existe jantar grátis, antes da diversão o jet-set precisa visitar o Rancho da Paquera, onde casais passam por provas do tipo corrida de saco para ganhar um celular. Alguns VIPs são convidados a participar. O ex-pugilista Maguila e sua bela mulher quase ganham a "prova da latinha": correr dez metros segurando uma lata de cerveja com as bochechas. E olha lá a apresentadora Eliana dando sopa, esperando para ser paquerada pelo celular. Ninguém se deu bem com a loirinha, mas ela gostou da idéia: "É como brincar de correio elegante, só que eletrônico." Seja bem-vindo ao maravilhoso mundo das colunas sociais, um mundo com uma bela arquitetura, mas com idéias horríveis e egos deste tamanho!

Hora de ir assistir ao rodeio – e de camarote! E pode ir bebendo cerveja à vontade – é de graça. Banheiro é o que não falta. Nos três primeiros dias da festa, foram vendidos mais de dois milhões de latinhas. O camarote da Brahma é decorado no estilo "rústico texano" e enfeitado por uma dúzia de lindas recepcionistas uniformizadas de vaqueiras do asfalto. Todo mundo está vestido de jeans, chapéu e lenço. O celular é indispensável. Parecem falar mais ao telefone do que entre si. Poucos prestam atenção ao rodeio, ocupados em dar entrevistas e posar para os fotógrafos. Sem máscara, mas com um ousado decote, Tiazinha é o centro das atenções. No piloto automático, ela atende os repórteres e posa ao lado dos fãs.

Coices e chifradas – As celebridades não sabem o que estão perdendo. O rodeio é sensacional, irresistível como a gravidade. Montar um touro bravio de 750 quilos não é para qualquer um. A queda é dura, sujeita a coices e chifradas. É emocionante, um espetáculo que exigiria um Hemingway para descrevê-lo, embora rodeio seja muito diferente de tourada – ninguém tortura o animal espetando-lhe espadas.

O rodeio nasceu do trabalho de reunir e marcar o gado solto pelos descampados de Barretos, que nasceu da pecuária em 1831. Com o tempo vieram as regras: montar um cavalo xucro por dez segundos ou um touro por oito. Com estilo, é claro. O cinema se encarregou de influenciar a moda e vieram o Smith sobre as calças jeans e o colete que protege contra os coices. O peão virou caubói. Trocou Mazzaropi por Clint Eastwood, largou o cigarro de palha e foi competir na própria terra do Marlboro. O rodeio se modernizou e hoje tem até site na Internet, sô! Vem aí o berrante eletrônico digital. Eta, nóis!

"Montar num touro é 50% de chance para cada lado", diz Luiz Fernando da Costa, o Tenente, um peão de 20 anos que veio de Pirajuí (SP). É sua estréia no Barretão. No brete, o cercado onde o caubói monta o touro, Tenente experimenta a empunhadeira e dá uns tapas na própria cara, o que parece ser uma prática comum entre os caubóis. "Estou meio nervoso", confessa. A porteira se abre, o touro corcoveia e em dois segundos Tenente está no chão. O touro também derrubou o campeão do Arizona de 1998, André Metzker, 30 anos, de Conchal (SP). Ele aguentou sete segundos. Desiludido, já que a prova é eliminatória, Metzker explica que está meio fora de forma devido a uma fratura no dedo da mão. "Tem de cair muito para ser campeão", filosofa.

Em outra arena, erguida com armações tubulares e cercas de arame, acontece o rodeio dos juniores. Suzana Falque, 14 anos, vai montar o touro Alain Delon. No brete, cobrindo o rosto com o chapéu, ela faz o sinal-da-cruz e reza pedindo proteção a Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Barretão. Três segundos e Suzana vai ao chão. "Uma sarva de parma pra girl", pede o locutor. O quê? Meninas montando touros bravios? "É importante desafiá os home, porque hoje em dia os home num tão valeno nada", argumenta a jovem feminista do sertão com seu delicioso sotaque.

 

O bom, o feio e o ruim – Às 10 da noite começa o show do americano Allan Jackson. A arena, projetada pelo inevitável Niemeyer, está lotada. Jackson é um "novo tradicionalista". Isso quer dizer que suas canções são melancólicas e pontuadas pela guitarra havaiana. A música do gringo não empolga – afinal, ninguém entende as desgraças amorosas que ele está cantando. Mas no domingo, com o show Amigos – Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano e o "viúvo" Leonardo –, o público iria ao delírio. As conversas no camarote, interrompidas pelos celulares, foram deixadas de lado para curtir as mágoas do cancioneiro sertanejo. A platéia abanava os chapéus. Todo o jet set conhecia as letras de cor. Tiazinha canta junto, dançando sobre uma cadeira, sozinha. "Estou esperando o príncipe encantado", desconversa a musa sadomasô. Com suas canções falando da dor de corno, os amigos sertanejos abafaram. Lágrimas escorriam dos olhos das recepcionistas. Por todo canto casais dançavam sob o efeito Sazon – "É o amooooor…"

O mundo é caipira e ser country está na moda. Uma moda cara. Um chapéu Stetson custa R$ 800. Uma bota de couro de avestruz, R$ 1,2 mil. A camisa deve ser Ralph Lauren e a calça precisa ser Wrangler importada (para as mulheres, com boca de sino aberta por zíper). As esporas são opcionais, mas a enorme fivela do cinto (R$ 500) é indispensável. Parece o Velho Oeste americano, só que, na cintura, em vez do Colt 45 de seis tiros, o celular. De volta ao Rancho da Brahma, um boi assado inteirinho, à la Texas. Foi uma noite e tanto, a ser imortalizada pelas revistas de fofocas. Pela uma da madrugada os ônibus levam os VIPs para o aeroporto. Depois da badalação, os notáveis estavam exaustos. Boca-livre também cansa.

É num pequeno trecho da avenida 43 de Barretos que acontece o desfile alegórico do "carnaval do boi", como batizou o publicitário Nizan Guanaes. É uma manifestação espontânea, parada bizarra. Conheça Alípio Costa, que veio de São Bernardo do Campo com seu "El Bonito", um Gol fantasiado de boi malhado. "Você viu que ele balança o rabo?" – e mostra uma trança peluda, que mexe quando o limpador do pára-brisa traseiro é acionado.

Como o calor é acachapante, as caminhonetes viraram banheiras ambulantes – a caçamba foi forrada com encerado plástico e cheia de água. Uma turma de São Paulo vai molhando todo mundo enquanto grita obscenidades. Agora você sabe por que os agroboys e as countrycinhas gostam tanto de caminhonetes. Está tudo parado na rua, mas tudo bem. Acelerando com o pé no freio, os agroboys fazem suas caminhonetes corcovearem feito potrancas. De dois em dois metros há uma picape com enormes caixas acústicas tocando a todo volume, numa competição de gosto musical – sertanejo, pagode ou axé. A cacofonia é geral. Uma cerveja está sempre a dois passos e a bebedeira é o que parece tornar tudo suportável. Alguns banhistas em avançado estado etílico acabam tirando a roupa pelo final da noite, e a 43 vira uma baixaria de dar inveja à parada gay de Berlim.

A paquera dos caubóis urbanos mereceria um estudo antropológico. Como 70% da população durante os dias de farra é masculina, a concorrência é dura. Pelas ruas, os vaqueiros paqueradores giram seus laços acima da cabeça, à espreita. Quando alguma moça de seu interesse se aproxima, dão o bote. É difícil. Bêbados, erram na maioria das vezes. E, quando acertam, a garota logo se livra da corda e foge embaraçada, reclamando que não é "vaca para ser laçada". Mas é assim o faroeste caboclo.