Uma animada conspiração vem sendo tramada nas últimas semanas no Brasil, por caçadores de talento, estilistas, empresários e autoridades. A idéia que faz toda essa gente se reunir e, especialmente, sonhar é criar uma onda brasileira na moda mundial, como houve a japonesa e a belga. Para isso, inicialmente oito criadores brasileiros vão mostrar suas coleções na semana oficial de prêt-à-porter de Paris, de 3 a 11 de outubro. Entre os nomes já confirmados estão o paulistano Jum Nakao, o gaúcho Mareu Nitschke e o curitibano Icarius. Ainda em fase de negociações encontram-se o cearense Lino Villaventura, o pernambucano Eduardo Ferreira e o mineiro Ronaldo Fraga. Os desencadeadores dessa operação são os franceses Patrick Girault e Kuki de Salvertes, do escritório de consultoria Girault-Totem, que atende, entre outros estilistas, os belgas Veronique Branquinho e Olivier Theyskens e o italiano Alessandro Dell’Acqua. Especializados em descobrir e lançar estilistas, eles frequentaram regularmente os eventos do nosso calendário de moda e concluíram que estavam diante de uma mina de diversidade. "Os brasileiros ainda se comportam timidamente em relação ao próprio talento, mas isso pode mudar", disse Girault na terça-feira 24, de volta a Paris. Apostando que uma nova autoconfiança – expressa em roupas e não só em gols – possa se converter em vendas, empresários da área têxtil e governos estaduais entraram numa costura fina de coleções, looks e patrocínios. "É um trabalho de longo prazo. Estamos apenas começando", adianta Girault, que negociou em Minas com o secretário de Cultura, Angelo Oswaldo de Araújo Santos. "É hora de quebrar aqueles clichês do Carnaval e do futebol, que sempre venderam o Brasil no Exterior, e mostrar um país adulto, capaz de exportar uma estética apoiada em suas raízes", completa.

Raízes – Sensualidade, materiais inusitados e um olhar sobre a nossa cultura são toques do estilo brasileiro que têm agradado esses olheiros estrangeiros. "Eles não estão interessados em roupas só comerciais. Sabe aqueles modelos que as pessoas olham e dizem que ninguém vai usar? É isso que procuram. Querem conceito", acredita o estilista curitibano Icarius, 24 anos, um dos nomes já confirmados para apresentar a coleção no Carroussel do Louvre, na Semana de Moda Prêt-à-Porter, em Paris. Antes ele fará, como outros brasileiros convidados para o evento francês, uma prévia na 6ª Semana de Moda de São Paulo, que começa no dia 31. Na sua coleção, ele, que também é estilista da Ellus, eleva à enésima potência a criatividade. E apresenta bicos de seio feitos de borracha sobre a camiseta, biquíni de palha cor-de-rosa, aplica capuchão (aquela estrutura bordada usada para cobrir o bico do seio das sambistas) sobre algumas peças. O branco é a cor predominante, com nuances de azul e rosa claros, cujo tema é o erotismo infantil. "Entrar no mercado europeu é muito difícil, porém, a nosso favor está a necessidade que eles sentem desse nosso frescor."

 

Infância – O mineiro Ronaldo Fraga acha que, com a globalização, o mundo encolheu. Por isso, sua atenção ao individual. "Daqui a poucos meses, vamos ser pessoas do século passado. Busquei imagens que me interessam que passem para o próximo milênio." Entre elas, estão lembranças de infância como as gaivotas de alpendre das casas de interior e bonecas de papel que vão aparecer em forma de estampas. E, como inovação, roupas feitas de linho resinado que empresta um aspecto esmaltado para a peça. O gaúcho Mareu, 36 anos, um dos estilistas brasileiros que vão se apresentar na sala Lenôtre do Louvre, dia 9 de outubro, é autodidata, tem 12 anos de carreira e trabalhou nos últimos anos como estilista da confecção Zapping. "No ano passado, levei para Paris o catálogo das peças que apresentei na Semana de Moda de São Paulo e deixei no escritório Girault-Totem", recorda. "Eles me ligaram dois dias depois, interessados." O tema da coleção para o verão 2000 de Mareu é a Água. "É daí que vêm as transparências, as iemanjás e os volumes de saia, como as das baianas."

Fazer um cruzamento entre a cultura japonesa e a brasileira é o desafio do estilista Jum Nakao, 33 anos. Ele usa tecidos adamascados e brocados e os quimonos, roubando seu glamour ao cortar a fio (sem acabamento), deformando ou rasgando. Nakao também revela estar fortemente inspirado pelo hiper-realismo das imagens do fotógrafo brasileiro Miguel Rio Branco, que retrata o cotidiano dos boxeadores, das prostitutas e o submundo. "Estou muito feliz de ter sido escolhido por um escritório acostumado a trabalhar com os melhores do mundo." Movido pela cultura do Recife, o estilista Eduardo Ferreira, 31 anos, que fazia os figurinos dos músicos do mangue beat, preparou a sua coleção Low-Tech, com roupas tecidas com tramas de palha, juta e fibra de coco, renda feita à mão, bordados e crochê. Há estampas inspiradas nas ilustrações de cordel. "O Brasil tem vergonha da sua própria história."

 

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Os pioneiros – No meio dessa euforia, não são apenas esses novos talentos que ganham o mercado internacional. Este ano, o estilista Alexandre Herchcovitch mostra, dia 22 de setembro, sua coleção de verão para os ingleses a convite do Conselho Britânico de Moda. "Fui o primeiro estilista brasileiro a exportar para Nova York", diz. Antes de fazer parte do calendário oficial da moda inglesa, Herchcovitch fez, no ano passado, um desfile na embaixada brasileira. E no dia 19 de setembro vai ganhar um perfil de seis páginas sobre sua carreira no jornal inglês The Independent. O estilista Fause Haten, recentemente, foi contratado para apresentar sua coleção para a griffe americana Giorgio Beverly Hills, em Los Angeles. Dia 1º de setembro, ele mostra suas roupas prêt-à-porter e de alta-costura. Toda coleção de Fause será vendida na loja da Rodeo Drive. "Estou com frio na barriga, mas confiante. Foi uma negociação que começou em abril e envolve um investimento de US$ 500 mil", conta Fause.

A empresária Simone Ricciardi, sócia da Fashion Brasil, junto com Eduardo Jordão de Magalhães e Michael Atiles, trabalha há três anos em Londres como representante das griffes brasileiras Reinaldo Lourenço, Vício, Rosa Chá, Lino Villaventura e Jorge Kauffman. Conta que o objetivo de seu escritório é colocar essas marcas em butiques e lojas de departamentos. Simone diz que hoje a moda brasileira tem sido vista como séria e competitiva. "Mas muitos se surpreendem ao descobrir que o Brasil não é só Carnaval."

 

Mão-de-obra – As grandes indústrias como a Iódice e a Forum também têm entrada no mercado estrangeiro. O estilista Waldemar Iódice vende sua terceira coleção para o Japão. Tufi Duek, 44 anos, dono da Forum, montou um showroom em Nova York há um ano e meio. As roupas são exatamente as mesmas vendidas no Brasil, mas a griffe leva o nome do estilista. Suas peças saíram na edição de setembro das revistas americanas Harpers Bazaar, Cosmopolitan e In Style que estão nas bancas. "Antes, o Brasil tinha apenas a imagem de produtor, mão-de-obra, hoje, estamos sendo reconhecidos como designers", comemora.


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