A relação é simples. Todo ano tem inverno. Todo inverno faz frio. E o frio sempre lembra gripe. Hilda Furacão, Tiazinha, PC, os apelidos não importam. A sensação de ter sido atropelado por um caminhão é sempre a mesma. O que muda são alguns sintomas. Este ano, por exemplo, além de causar febre, dor no corpo e congestão nasal, a gripe está provocando um quadro de tosse e rouquidão e demorando mais para ir embora do corpo. “Normalmente o quadro melhora em uma semana. Este inverno, porém, ele chega a durar até o dobro do tempo”, constata o otorrinolaringologista Richard Voegels, do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC). A rouquidão e a tosse são consequência da predileção do vírus desta estação pela laringe, estrutura onde ficam as cordas vocais. “Há uma afinidade maior entre as proteínas das células da laringe e os vírus”, explica Voegels.

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Normalmente, os dois músculos que formam as cordas vocais são elásticos e vibram com a passagem do ar. Quando estão inflamados, por conta da ação de vírus, por exemplo, eles ficam rígidos e vibram bem menos. “Além de dar alterações na voz, a inflamação pode até causar falta de ar”, diz Patrícia Santoro, otorrinolaringologista do HC. O residente do hospital Artur Castilho, 22 anos, é um ótimo exemplo do que está acontecendo nesta temporada. Em contato direto com os pacientes do ambulatório de otorrinolaringologia, Castilho não resistiu e sucumbiu ao vírus. “Começou como qualquer gripe. Aos poucos fui perdendo a voz e quase fiquei afônico”, conta ele. A gripe ataca primeiro o corpo todo e, depois, passa a agir localmente. “Nos primeiros dias, os principais sintomas são moleza e desânimo. O nariz entupido ou a dor de garganta vêm em seguida”, explica Patrícia. Por causa do vírus, a psicóloga paulista Regina Machado deixou de atender por dois dias em seu consultório. “Começou com uma coriza forte e, de repente, fiquei quase sem voz”, conta a psicóloga, que não ficava gripada há dois anos. “À noite, vinha a tosse e eu não conseguia dormir”, diz.

Cuidados Para tratar essa gripe os médicos recomendam alguns cuidados específicos, além do tratamento com antiinflamatórios e descongestionantes. Falar menos não é uma atitude decisiva para a melhora do quadro, mas pode ajudar na recuperação. De acordo com eles, fazer inalação com soro fisiológico ou usar um vaporizador no quarto hidratam as vias aéreas e mantêm o sistema de defesa local em funcionamento. Ter uma boa alimentação, diminuir o stress e evitar ambientes poluídos são outros fatores que contribuem para fortalecer o sistema imunológico. Gargarejo com água morna e sal não adianta. É mais indicado para casos de inflamação na faringe. “A faringite não dá rouquidão. Ela provoca dor e dificuldade para engolir”, diz Voegels.

No próximo inverno, no entanto, o mais conhecido vírus da gripe, o influenza, é que terá de se cuidar. Isso porque dois remédios novos, que devem estar à venda no ano que vem, prometem acabar com a gripe atacando o vírus diretamente. Trata-se do Tamiflu (princípio ativo oseltamivir), do laboratório Roche, e do Relenza (zanamivir), da Glaxo Wellcome. “Essas duas drogas novas inibem a ação da neuranimidase, uma enzima localizada na superfície do influenza e que faz com que ele se multiplique”, explica André Lomar, infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Na prática, esse mecanismo ameniza os sintomas e faz com que o doente se recupere da gripe em cinco dias. Os remédios, que serão inaláveis (Relenza) e tomados por via oral (Tamiflu), também estão sendo testados na prevenção da gripe.

Mutação Além de desenvolver novos medicamentos contra o influenza, os cientistas também se preocupam com o caráter mutante do vírus, que faz com que o sistema de defesa do organismo não reconheça o inimigo e acabe sendo infectado por ele. É esta habilidade do invasor que nos deixa vulnerável à gripe todos os anos. Só que essa mutação, quando ocorre muito rapidamente e altera demais a estrutura do vírus, pode causar uma epidemia mundial do influenza e matar milhares de pessoas. Isso foi o que ocorreu, por exemplo, com a gripe espanhola, em 1918, que matou mais de 20 milhões de pessoas. Outras pandemias ocorreram em 1957, com a gripe asiática, e em 1968, durante a gripe de Hong Kong. “É muito provável que uma nova pandemia ocorra daqui a alguns anos”, alerta Ricardo Tapajós, infectologista do Hospital das Clínicas. Por essa razão, uma rede mundial de laboratórios coordenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) faz um monitoramento epidemiológico da gripe. Tanto para minimizar os efeitos de uma possível pandemia quanto para produzir anualmente a vacina contra o influenza (no início do ano, no inverno do Hemisfério Norte, os pesquisadores identificam as correntes de vírus mais frequentes e preparam vacinas para serem aplicadas no Hemisfério Sul). Por enquanto, a vacina é o meio mais eficaz de se proteger do inimigo.