Há uma hora em que a palavra check-up começa a martelar no ouvido. Ou porque está na hora de fazer um ou porque é preciso repetir os exames que não se fazem há tempos. Mas, antes de escolher onde fazer, melhor é pensar em como fazer. Isso porque o check-up evoluiu. E não foi o número de exames que aumentou. Pelo contrário. A evolução está no fato de o check-up estar se tornando cada vez mais personalizado. Nada de bateladas de testes indiscriminados. A tendência agora é direcionar o paciente para exames específicos de acordo com sua idade, antecedentes familiares, sexo e histórico de vida. Um homem de 30 anos, por exemplo, não precisa fazer os mesmos exames de um de 40, que não necessariamente fará os mesmos que um fumante. Essa obviedade não estava tão clara até pouco tempo atrás, quando se acreditava que, para rastrear o máximo de mazelas no corpo, todos deveriam passar por uma investigação laboratorial completa.

Ao mesmo tempo, a própria concepção de check-up se amplia para além do diagnóstico. O objetivo é fazer com que os exames avaliem o perfil e os riscos de cada pessoa, mesmo as que não estejam doentes, para orientá-las a adotar hábitos que atenuem os riscos ou ajudem a tornar a saúde ainda melhor. Nessa semana, um exemplo dessa nova abordagem entrará em funcionamento. Será inaugurado o Centro de Check-up e Promoção de Saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP). "A idéia é atender a pessoas que não estão precisando de um médico por causa desta ou daquela doença apenas, mas também as que querem saber como anda a saúde geral e, a partir daí, indicar caminhos para melhorar um pouco mais", define o idealizador do centro, Milton de Arruda Martins, professor titular de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Uma das pioneiras nesse conceito é a Qualivitae, um braço da Intermedici, empresa de convênio médico. Lá, os conveniados fazem exames básicos como dosagem de açúcar e gorduras (triglicérides e colesterol) no sangue e no corpo e depois são encaminhados para o clínico geral, que discrimina os testes complementares mais importantes. Com o resultado, o paciente pode entrar para o programa de saúde adequado ao seu perfil. "Uma pessoa obesa, por exemplo, poderá fazer parte do grupo de reeducação alimentar e de atividade física", explica Alexandre Lorenzo, presidente da Intermedici. O acompanhamento dura três meses, quando o paciente é reavaliado.

Novo no mundo e também no Brasil, esse conceito ainda é empregado por poucas clínicas. O que já está sendo utilizado em maior número são as empresas que fazem check-ups personalizados. Em centros como o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, que em outubro inaugura uma sede específica para check-up, e no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, também na capital paulista, a bateria de exames está diminuindo graças a uma criteriosa triagem prévia. Primeiro, o paciente passa por uma consulta na qual descreve seu histórico de doenças e os sintomas que eventualmente apresenta. "A decisão a respeito dos exames laboratoriais necessários só é dada após o exame clínico que inclui, por exemplo, palpação de abdômen e ausculta cardíaca, além da avaliação da gordura corporal. Em seguida o paciente é encaminhado para especialistas, como urologista, fonoaudiólogo, dependendo da necessidade", explica Erki Larsson, do Hospital Oswaldo Cruz. Em uma das unidades do Laboratório Fleury, também em São Paulo, os exames são solicitados de acordo com as características de cada paciente. No serviço, disponível apenas para empresas que oferecem o benefício do check-up para seus funcionários, as características são definidas a partir de respostas a um questionário de 100 perguntas enviado pela Internet aos interessados.

Essa sondagem é de fato importante. Às vezes, pode até ser perigoso mandar uma pessoa fazer um teste de esforço, por exemplo, sem conhecer suas condições físicas. "O paciente será submetido a um exercício até a exaustão, que exigirá o máximo do coração, o que pode comprometer sua saúde caso já tenha alguma falha cardíaca", explica Wilson Jacob Filho, geriatra do HC/SP.

Indicação – Com a devida indicação, no entanto, não há riscos. Há três anos, a executiva Maria Aparecida Gomes, 41 anos, dedica uma manhã no ano para fazer check-up no Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Faz mamografia para prevenir o câncer de mama, Papanicolaou para o câncer de colo uterino, exames de sangue básicos, teste de esforço para saber como anda o coração e avaliação de stress (questionário feito por um psicólogo que visa checar como a pessoa está reagindo aos problemas do cotidiano). "Sinto-me literalmente virada do avesso. Estou fazendo um acompanhamento da minha saúde e, se aparecer algo, poderei tratar porque ainda é cedo", diz.

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Na verdade, essa mudança no perfil do check-up deve-se à consolidação de uma medicina baseada em evidências. Ou seja, utilizam-se os recursos que têm eficácia de acordo com cada caso. "Os exames do check-up devem ser oferecidos para a população de acordo com o seu risco", diz Nelson Carvalhaes, coordenador do Check-up Fleury. Um exame cuja eficácia está bem estabelecida, por exemplo, é a dosagem de colesterol entre os 30 e 40 anos. Já se provou que a alteração do colesterol nessa faixa etária é mais frequente, não dá sintomas e, por isso, aumenta o risco de problemas cardiovasculares. Se o problema for identificado logo, a chance de ter um infarto diminui. "Com relação ao câncer, só há três exames comprovadamente eficazes: Papanicolaou, mamografia e endoscopia de intestino. O de próstata também tem grandes evidências de que funciona", acrescenta Milton Martins, do HC/SP.

As outras doenças comuns que merecem acompanhamento são a diabetes, por meio da dosagem de glicemia, e a hipertensão, por meio da medida de pressão arterial. Fora esses exames, uma doença deve ser investigada apenas se houver indícios. Que sentido tem fazer uma audiometria (exame do aparelho auditivo) se a pessoa ouve bem? Também é bobagem pedir exame de função hepática se o paciente não teve hepatite ou alterações de fígado sentidas por meio da palpação física.

 

Exceções – Há, é claro, exceções. "Se a pessoa é hipertensa ou diabética, o check-up deve saber se existe lesão de rins, coração ou retina, partes do corpo que costumam ser acometidas", explica Fábio Nasri, do Hospital Albert Einstein. Assim, não se deixam passar as doenças que devem ser investigadas em cada caso e não se gastam tempo e dinheiro com testes desnecessários. Faz-se o check-up de resultados.

Essa tendência começou na Inglaterra, no Canadá e nos Estados Unidos. Na Clínica Mayo (EUA), por exemplo, a conduta tem sido experimentada por uma leva de brasileiros. Um deles, a artista plástica Beatriz Assumpção, 60 anos, de Belo Horizonte, é freguesa da clínica há cinco anos, por causa desse tratamento. "No ano passado, fiz avaliação oftalmológica porque estava com a vista cansada. Em julho último, como não tinha a mesma queixa, não precisei fazer o tal exame. Em compensação, pela primeira vez fiz uma endoscopia do intestino, recomendada para as pessoas da minha idade", conta. O problema é o preço. Com a alta do dólar, um check-up na clínica sai cerca de R$ 4 mil. Além do preço, há outras diferenças. Enquanto no Brasil os check-ups levam em média seis horas, e os resultados ficam prontos cerca de dez dias depois, na Mayo o programa dura três dias – há hotéis próximos para o paciente ficar hospedado – e os resultados saem 24 horas depois.

A princípio, essa visão de saúde mais ponderada pode assustar a maioria das pessoas, acostumadas a acreditar em laudos de laboratório e a achar que quanto mais exames melhor. Mas esta é uma visão errada. "O exagero sim tem se mostrado má medicina", diz Jacob Filho. "É mais caro e pode suscitar resultados falhos que geram a necessidade de outros exames comprobatórios e podem ocasionar eventuais tratamentos desnecessários." Tomar antibiótico quando o exame indica uma infecção que não existe é algo possível, por exemplo. O problema dos resultados falhos é conhecido e mensurável. "Se fizermos dez exames em uma pessoa que não sente nada e se cada um desses exames tiver 4,5% de chance de dar alterado (proporção média de falha), no final dos testes essa pessoa terá 40% de chance de ter um resultado alterado. Se subirmos o número de exames para 20, as chances de ter um resultado falho sobem para 64%", explica Milton Martins.

 

Positivo – Esses números justificam a cautela. Num determinado momento, porém, os exames podem dar dicas que salvam vidas. Uma história que ilustra bem esse lado positivo é a do cantor Branco Mello, dos Titãs. Em setembro do ano passado, depois da gravação do seu disco Acústico, Branco resolveu fazer seu primeiro check-up. Estava com 36 anos e, sem nenhum sintoma, mal podia imaginar qual seria o resultado. O exame cardiológico identificou um aumento na artéria aorta, no coração. O diâmetro da artéria chegava a 6 cm quando o normal é 3,5 cm. Se não tivesse sido descoberto e tratado a tempo com uma cirurgia, o problema poderia ter um desfecho trágico. A artéria poderia se romper e levar Branco à morte súbita. "Os médicos disseram que se a artéria tivesse rompido não daria tempo de chegar ao hospital", conta o cantor.

 

Coração – Para o deputado mineiro Nilmário Miranda (PT/MG), 52 anos, o check-up era uma rotina na qual sua maior preocupação era a próstata, por causa da idade. No meio do teste de esforço na esteira, no entanto, Miranda foi informado de que tinha um problema cardíaco grave. Precisou colocar duas pontes de safena e duas mamárias. O susto passou e, como crédito, deixou hábitos de vida saudáveis. Bom mineiro, o deputado trocou os pratos da sua cozinha regional pelas carnes brancas, verduras, legumes. "Hoje, pouco mais de seis meses da operação, virei um especialista em criar formas diferentes de preparar peito de frango, peixes e saladas. E troquei o uísque pelo bom vinho tinto", garante.

Infelizmente, porém, o chek-up pode deixar escapar fatos graves. Recentemente, um estudo em 1.003 pacientes com dor no peito que chegaram à emergência da Unidade de Dor Torácica do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, constatou que 50% dos pacientes pré-infartados ou infartados apresentavam eletrocardiograma normal. Não se trata de exame malfeito. A doença cardiovascular tem mesmo alguns caprichos e imprevistos. "É possível que o stress crônico ou o aumento da pressão acarretem um evento cardíaco ou cerebral semanas, dias ou até minutos após os exames", afirma o cardiologista Evandro Tinoco Mesquita, do Pró-Cardíaco. Tanto é verdade que há cerca de cinco anos o eletrocardiograma não avisou que o aposentado Amaro José de Almeida Filho, 62 anos, teria um infarto. Ele tinha recorrido a uma clínica porque sentira enjôo, ânsia de vômito e uma sensação de dormência no braço. Com o resultado normal, o médico afirmou que estava tudo bem e Almeida Filho poderia voltar para casa. "No dia seguinte amanheci com a mesma sensação ruim. Fiz outro eletro e ele acusou que eu tinha sofrido o infarto. Ainda bem que não foi fulminante", desabafa o aposentado.


 

Mito – Por causa de histórias como essa, é preciso desfazer o mito de que o check-up é um atestado de saúde. Não é por três razões. Primeiro porque ele não detecta má qualidade de vida nem doenças psiquiátricas como a depressão. Segundo, porque ainda não inventaram uma máquina que seja capaz de investigar minuciosamente o corpo todo. E, finalmente, há o indetectável. O acidente vascular cerebral, por exemplo, conhecido como AVC, nada mais é do que o entupimento de uma artéria. Como o nome já diz, é um acidente, e, como o de trânsito, pode ocorrer a qualquer hora, especialmente com quem é displicente com dieta e atividade física. Ganha mais quem associa os resultados do check-up a exercícios físicos regulares, controle da alimentação e a atividades que proporcionem prazer. A fórmula é adotada pelo industrial Luiz Carlos Fantossi, 46 anos, que começou a fazer seus check-ups oito anos atrás. "Os exames indicam se a saúde está no verde, no amarelo ou no vermelho. Mas me garanto de outras formas também. Procuro evitar gorduras, não fumo e corro três vezes por semana. Sempre achei que a manutenção preventiva é mais barata e menos dramática", diz.

Por todos esses motivos, o check-up se torna muito mais lucrativo quando combinado com o acompanhamento do bom e velho clínico geral. Ele tem a verdadeira lente de aumento para enxergar o que, de fato, está acontecendo. "Exames laboratoriais são complementares e adjuvantes ao diagnóstico médico, que depende fundamentalmente da história clínica e do exame físico do paciente feito pelo seu médico", defende Antonio Carlos Lopes, professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo. O clínico sabe unir check-up e medicina preventiva e saberá a melhor forma de utilizar a tecnologia de ponta disponível para aprimorar diagnósticos. Isso porque os exames do check-up se destacam pela simplicidade. Os exames mais complexos são usados apenas quando os testes iniciais deixam dúvida ou levantam suspeitas mais perigosas. José Serra, 57 anos, é um dos que procuram assessoria médica. Até porque ele é ministro da Saúde. Não faz bateladas de exames e segue à risca a orientação de seu médico particular. "Só ele é que pode dizer o tipo de exame que você precisa, de acordo com seus sintomas e histórico médico. Fazer uma bateria completa de exames é desnecessário", acredita. Serra faz uma revisão médica anual, mais direcionada para o aparelho digestivo, seu ponto fraco, e se submete a uma endoscopia gástrica no máximo a cada dois anos.

Como o ministro, a gerente de qualidade e serviços gerais Maria Elisa Clemente, 51 anos, gerencia a sua saúde diretamente com a médica. Vai à ginecologista de seis em seis meses, faz mamografias e dosa o colesterol anualmente e este ano fez a primeira densitometria óssea (para avaliação dos riscos de osteoporose, doença caracterizada pelo enfraquecimento dos ossos), como o recomendado. "Nunca fiz um check-up convencional. Mas faço os exames que preciso. Marco as datas na agenda para não esquecer e pronto. Talvez o check-up funcione mais para quem é desligado ou muito ocupado", avalia. Na verdade, o que todo adulto precisa é uma vez por ano ir ao médico, conversar com ele. O problema é que há médicos e médicos. Nem todos competentes. Mas quem não encontrou seu médico ideal pelo menos já pode contar, agora, com um check-up feito na medida certa para sua saúde.

Colaboraram: Clarisse Meireles (RJ) e Eduardo Hollanda (DF). Produção: Luciane André. Maquiagem: Rosita Jimenez – Modelos: Vicente Latorre (capa) e Henrique Benjamin (pág. 109). Agradecimentos: Cirurgia São Paulo e Master Academia.

 

Foco no adolescente

Med-Rio Check-up criou o check-up para adolescentes há cerca de um ano. Por R$ 750 fazem-se avaliações médicas, ultra-sonografia abdominal e pélvica; radiografias de tórax; prova de função pulmonar; eletrocardiograma; audiometria; avaliação de gordura corporal; colposcopia (para mulheres) e avaliação radiológica da idade óssea, além de exames de sangue, fezes e urina. O pacote ainda foge ao modelo de check-up personalizado, mas a iniciativa chama a atenção para um problema. Num estudo realizado pela clínica com 200 jovens, 86% tinham alimentação desequilibrada, 47%, vida sedentária, 40%, peso acima do normal, 12% eram obesos e 21% tinham colesterol alto.

O estudante André Tóros, 19 anos, se encaixa nesse perfil. Seis meses nos Estados Unidos comendo hambúrguer e batata frita o fizeram engordar de 80 para 93 quilos. Ao voltar para o Rio, os pais indicaram o check-up. Os exames acusaram colesterol alto, desvio na coluna e ginecomastia (crescimento exagerado das mamas em homens) causada por desequilíbrio hormonal. Foi o impulso que faltava para Tóros. "Cortei doces e frituras, passei a fazer exercícios regulares e dos 93 quilos cheguei aos 77. Operei a ginecomastia, e o problema na coluna não é sério", conta.


Clarisse Meireles


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