Os tucanos caíram das nuvens. Com uma só canetada, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, demitiu na última quarta-feira o economista Andrea Calabi e tirou do PSDB o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, uma megaempresa estatal com R$ 20 bilhões em caixa para estimular pequenos e grandes negócios no País. O ninho tucano entrou em ebulição. O ministro da Saúde, José Serra, ainda tentou mobilizar os líderes partidários numa frustrada tentativa de segurar Calabi no BNDES. Tinha bons motivos para isso. Disposto a disputar a sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002, Serra contava com o poder e o trânsito de Calabi para vitaminar sua candidatura no meio empresarial. Isso estava preocupando os parceiros da aliança no governo e as oposições. “A queda é o resultado de uma briga entre os aliados. O Calabi estava escalado para ser o caixa da campanha de Serra”, afirma o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), tornando pública uma avaliação endossada em conversas reservadas por toda a base governista.
 

O papel planejado pelos tucanos para Calabi desempenhar na corrida presidencial contribuiu para sua demissão. Estava reservada a ele a mesma função extra-oficial exercida em outras campanhas pelos ex-ministros Sérgio Motta e Luiz Carlos Mendonça de Barros. Isso viabilizou uma união entre as forças governistas que também sonham em conquistar o Planalto em 2002 e deram respaldo à vontade do ministro Tápias de se livrar do auxiliar poderoso e incômodo.

Fritura – Sob a batuta do ministro da Fazenda, Pedro Malan, e do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, a equipe econômica apoiou a derrubada de Calabi e conseguiu emplacar no comando do BNDES o banqueiro internacional Francisco Alberto André Gros, um economista afinadíssimo com o time de monetaristas que dá as cartas no governo. Gros, por sinal, não integrou a lista original de sucessores de Calabi elaborada em conjunto por Tápias, Armínio e Malan há 20 dias. Todos achavam que ele estava feliz no cargo de diretor-executivo do Morgan Stanley, em Nova York, com salário anual divulgado pela imprensa de US$ 1 milhão, fora os bônus por produtividade. Três dias depois da fritura em sigilo de Calabi, meio sem querer o próprio Gros se colocou no páreo. Aproveitou uma visita ao Brasil para se colocar no mercado. Telefonou para Armínio Fraga e Alcides Tápias, entre outros, e manifestou seu desejo de voltar ao Brasil. “Quero sugerir um outro nome para você: o Gros”, disse Armínio em telefonema para Tápias. “Acabo de falar com ele e acho uma ótima solução”, endossou o ministro.
 

Nome escolhido, Alcides Tápias foi a Fernando Henrique, sacramentou a demissão de Calabi e bateu o martelo sobre a indicação de Francisco Gros. Ao tucanato e ao próprio Calabi, FHC disse apenas que era preciso uma melhora no relacionamento entre o presidente do BNDES e o ministro do Desenvolvimento. Se os tucanos ignoravam a punhalada, o PFL estava bem informado. O partido do senador Antônio Carlos Magalhães tratou de fornecer munição a quem se dispusesse a botar mais lenha no fogaréu contra Calabi. À boca pequena, a relação comercial dos donos do projeto agropecuário Jari com a consultoria Consemp, uma empresa da qual Calabi se afastou para assumir o comando do BNDES, ganhou ares de escândalo. Na esteira da fritura do presidente do BNDES, também foi colocado sob suspeita o Banco Fator, que está fazendo a modelagem para a privatização do Banespa e tem como donos dois irmãos do ex-ministro Bresser Pereira, caixa oficial da campanha da reeleição de Fernando Henrique.
 

A disputa pelo controle do cobiçadíssimo Pólo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, também foi explorada. Respingou em Calabi a reação contra a preferência do BNDES pelo grupo Ultra, do empresário Paulo Cunha, um ministeriável de plantão do tucanato que recusou vários convites para integrar o governo FHC. Em parceria com a baiana Odebrecht, o empresário Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, do grupo Ipiranga, foi à luta para neutralizar a mãozinha prometida pelo governo ao Ultra. Passou a fazer lobby junto ao governo para que fosse desfeito o acerto com a empresa de Paulo Cunha. Apesar da mudança de guarda no BNDES (leia quadro à pág. 29), suas chances não são boas. O próprio Tápias descarta essa possibilidade. Ele alega que a Copene, controladora do pólo petroquímico, está à venda há um ano e a dobradinha Odebrecht/Ipiranga só procurou o BNDES depois que a operação já estava fechada com o Ultra.

Queda – Se a ofensiva de Gouvêa Vieira parece destinada ao fracasso, o PFL aproveitou o clima de hostilidade entre Tápias e Calabi para abocanhar a execução do processo de privatização do setor elétrico. Na mesma terça-feira em que foi anunciada a queda de Calabi, o Conselho Nacional de Desestatização, com a participação de Fernando Henrique, transferiu do BNDES para o Ministério das Minas e Energia as rédeas da venda das empresas elétricas. Um negócio bilionário que, a partir de agora, será tocado pelo ministro Rodolpho Tourinho, um fiel pupilo de ACM. O PFL faturou, mas, ao contrário dos tucanos, não ficou prosa. Fez questão de não valorizar o feito porque está de olho em novas compensações pelo fato de o PSDB ter tido a “ousadia” de passar para trás os espertos pefelistas na disputa pelo comando da Câmara dos Deputados. Uma delas é o partido sair vitorioso na briga por um aumento do salário mínimo maior do que deseja a equipe econômica: o PFL quer exibir uma faceta mais social na campanha das eleições municipais.
 

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O Ministério da Fazenda chegou a acenar com um mínimo de R$ 150, mas o PFL continua batendo pé por um piso salarial algo em torno de R$ 180. Curioso é que os tucanos também estão querendo tirar uma casquinha da bandeira salarial com uma proposta de R$160. Para fazer valer suas reivindicações, o PFL ameaçou aprovar duras restrições à edição de medidas provisórias. O Palácio do Planalto sentiu o golpe, conseguiu amenizar a proposta, mas teve de ceder num ponto importante: com a limitação das vigências das MPs, Fernando Henrique continuará dependendo do apoio de todos os aliados para assegurar o sucesso no Congresso das medidas governamentais. Se o PFL, por exemplo, fizer beicinho para uma MP, ela pode caducar em sua tramitação no Parlamento, com a perda de toda a sua eficácia. Hoje, o governo pode reeditá-las quantas vezes quiser.
 

Ao ter de ceder ao PFL, Fernando Henrique mais uma vez tira poder do tucanato. A cúpula do PSDB sabia há algum tempo que a situação de Calabi não estava boa. Se sua atuação na presidência do Banco do Brasil encheu os olhos de FHC, seu desempenho no BNDES estava sendo avaliado como aquém das expectativas. Mesmo assim, a tucanada estava convencida de que ele não cairia.

Plumagem – O próprio Calabi também pensava assim. No final da tarde da segunda-feira 21, ele teve uma dura conversa com Tápias. “Acho que vou ter de solicitar o seu cargo”, sentenciou o ministro. Calabi não se deu por vencido. Disparou telefonemas para tucanos de alta plumagem em busca de apoio. Duas horas depois de se despedir de Calabi, Tápias recebeu uma ligação de José Serra. Como quem não quer nada, o ministro da Saúde falou de outros assuntos, na expectativa de que Tápias tomasse a iniciativa de incluir o BNDES na conversa. O ministro do Desenvolvimento não abriu o jogo. Assim, não deu margem para que o tucanato tivesse pretexto para entrar em campo e tentar evitar a queda do presidente do BNDES. Apanhada de surpresa com o anúncio da demissão no final da noite da terça-feira 22, a cúpula do partido ainda tentou uma reação na manhã seguinte. Era tarde. Àquela altura, a demissão de Calabi estava consumada. “Uma pessoa com a qualificação do Andrea Calabi tem de continuar num cargo importante no governo”, insistiu o líder do PSDB na Câmara, deputado Aécio Neves (MG), depois de uma conversa com José Serra. Os tucanos ainda esboçaram um movimento para reconduzir Calabi à presidência do Banco do Brasil, mas também não tiveram êxito. Ficou um amargo sabor de derrota. Numa só tacada, o PSDB perdeu o controle do bilionário caixa do BNDES, enquanto o PFL conquistou o novo filé do processo de privatização. Filé, em política, quer dizer fartura de dinheiro às vésperas de eleição.
Colaborou Hélio Contreiras (RJ).


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