A vitória do PSDB sobre o PFL e o PMDB na briga pela maior bancada da Câmara mal pôde ser festejada pelos tucanos. Não bastasse a queda de Andrea Calabi do comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o PSDB ainda tem de amargar o aparecimento de denúncias contra o próprio presidente do partido, senador Teotônio Vilela Filho (AL), e seu colega de bancada, Romero Jucá (RR). Pior. Os dois casos foram parar na Comissão de Ética do Senado. Em reunião na quarta-feira 23, o presidente da comissão, senador Ramez Tebet (PMDB-MS), decidiu que ambos serão julgados no mesmo balaio das acusações contra o peemedebista Luiz Estevão e o senador paraense Luiz Otávio (sem partido), que ISTOÉ revelou ter dado um golpe de US$ 13 milhões no Banco do Brasil. A enxurrada de denúncias assustou o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), que tentou reverter a decisão da Comissão de Ética. “Não tem lógica. No caso do senador Luiz Estevão, Tebet só aceitou instaurar o processo depois de uma decisão da Mesa do Senado. Como é que agora aceita esses outros casos assim com essa rapidez?”, protestou ACM. No começo da tarde da última quinta-feira, Antônio Carlos reuniu o Colégio de Líderes na expectativa de uma virada de mesa. Quebrou a cara. “De forma alguma agi de maneira açodada. Apenas cumpri o regimento do Senado”, justificou Tebet, que recebeu o apoio unânime dos líderes para tocar as investigações sobre todas as representações contra senadores. Os relatores de cada um dos casos na Comissão agora terão um prazo máximo de 30 dias para apresentar seus pareceres, alguns prometem concluir o trabalho em uma semana.
 

O que atrapalhou a vida de ACM, Teotônio e companhia foi um detalhe do regimento interno do Senado, que permite que qualquer pessoa apresente representação contra um senador diretamente à Comissão de Ética. Foi o que fez o sargento da reserva do Exército Abílio Teixeira, candidato derrotado a deputado distrital em Brasília pelo PT do B. Ele protocolou acusações contra Luiz Otávio, Teotônio Vilela Filho e Geraldo Lessa. “Desse jeito, daqui a pouco praticamente todos os senadores estarão sendo investigados”, protestou um senador na reunião dos líderes, com o apoio de ACM. Com isso, o presidente do Senado conseguiu, pelo menos, estabelecer uma regra que será válida nas próximas denúncias: a partir de agora, os casos só irão à Comissão de Ética depois de apreciados pela Mesa Diretora do Senado, comandada pelo próprio ACM. É ela, por exemplo, que irá analisar a representação protocolada, no começo da noite da quinta-feira 24, pela senadora Heloísa Helena (PT-AL). Segundo a senadora, ao usar papel timbrado da presidência do Senado para enviar um fax desaforado ao chefe da sucursal de ISTOÉ em Brasília, Tales Faria, ACM quebrou o decoro parlamentar.
 

O receio de que o lamaçal atinja todo o Senado vai mais longe. Na reunião com Antônio Carlos, os líderes também resolveram promover estudos para mudar o regimento. A proposta com mais força é criar uma comissão de triagem das denúncias contra os parlamentares. “Somente as que tiverem fundamento serão encaminhadas à Comissão de Ética”, explica o senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Mas o líder peemedebista não abriu mão das denúncias que já estão na comissão com relatores indicados. A ampliação do rol de investigados seguiu uma estratégia do PMDB para evitar que toda a apuração e holofotes se concentrem apenas em Estevão, acusado de ter mentido à CPI encarregada de investigar desvio de verbas públicas na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Ao que tudo indica, a estratégia peemedebista deu certo. Teotônio Vilela Filho entrou na alça de mira da Comissão de Ética por causa de denúncias publicadas pelo jornal Correio Braziliense contra uma instituição que leva o nome do pai do senador, a Fundação Teotônio Vilela, que teria recebido de maneira irregular R$ 4,2 milhões dos cofres do governo do Distrito Federal para o treinamento de 48 mil trabalhadores. Os convênios foram firmados pelo presidente da fundação, Geraldo Lessa, primeiro suplente de Teotônio.

Auditoria – Há três meses, o presidente do PSDB soube da existência de denúncias contra a fundação. Isso pesou inclusive em sua decisão de se licenciar do mandato e viabilizar uma mudança sem trauma no comando da entidade: ao assumir a cadeira no Senado, Geraldo Lessa teve de se afastar da presidência da fundação. Além da investigação que está sendo promovida pelo Ministério Público, uma auditoria interna está fazendo a devassa nas contas da entidade. “Dizer que há qualquer coisa errada na fundação é uma grande balela. Está tudo certinho lá”, assegura Geraldo Lessa, que se diz indignado com as suspeitas de que teria desviado recursos públicos. Até assumir em janeiro o mandato de senador, Lessa não tinha uma fonte formal de renda. Exercia na Fundação Teotônio Vilela um cargo não-remunerado. “Meu custeio pessoal foi bancado nos últimos anos por uma assessoria informal que presto ao Maceió Mar Hotel”, justifica o senador. A representação contra Teotônio tem como relator o senador Ney Suassuna (PMDB-PB).
 

O outro tucano acusado é o senador Romero Jucá (RR). Uma fita gravada em que o senador conversa com o diretor administrativo e financeiro da Eletronorte, Valdemar André Johansson, sustenta acusação feita pelo secretário de Agricultura de Roraima, deputado Salomão Afonso de Souza Cruz (PPB). Segundo a denúncia, o diálogo em código entre os dois mostra uma tentativa de desvio de recursos da União destinados a obras da Eletronorte. “Já pedi à Polícia Federal para fazer uma investigação. O único crime nessa história é o grampo ilegal”, contra-ataca Romero Jucá.

A cópia da fita está nas mãos do senador Juvêncio da Fonseca (MS), encarregado como relator do caso contra o tucano Jucá.
 

A situação mais complicada é a do senador Luiz Otávio. Além de estar sendo investigado pela Comissão de Ética, o Ministério Público Federal o denunciou ao Supremo Tribunal Federal pelo envolvimento numa fraude milionária. É o único caso com inquérito policial concluído, relatando uma história escabrosa: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social autorizou, e o Banco do Brasil repassou US$ 13 milhões para a construção de 13 balsas para incrementar o transporte fluvial na região amazônica. A fraude ocorreu da seguinte forma: os tomadores do empréstimo não construíram balsa nenhuma. Eles simplesmente pegavam embarcações velhas, passavam uma mão de tinta e as apresentavam como novas. A Rodomar, uma empresa familiar especializada em transporte fluvial, e o Estaleiro da Bacia Amazônica (Ebal) receberam o dinheiro e nada construíram. O esquema fraudulento, que funcionou em 1992, foi desvendado no final do ano passado pelo delegado federal Anderson Rui Fontel, que encaminhou toda a papelada ao procurador da República Felício Pontes Júnior. Nela fica clara a participação do senador Luiz Otávio. Como principal executivo da Rodomar, coube a ele a coordenação do grande golpe. Presidente do grupo Rodomar e sogro do senador, o empresário Alfredo Rodrigues Cabral também acusou o genro. Em depoimento à Procuradoria da República apontou Luiz Otávio como responsável pelos negócios da empresa. “Realmente, eu era o responsável pelo setor, mas desconheço essa fraude. Eu não quero fazer acusações contra meu sogro”, desconversou o senador.
 

Se evitou bater de frente com o sogro, Luiz Otávio não teve o menor pudor em apelar para a baixaria em vez de se defender das acusações. Na manhã da quarta-feira 23, foi à tribuna do Senado e, mais uma vez, não explicou sua participação na fraude. Preferiu atacar a família de Jader Barbalho, a quem responsabiliza pelo vazamento das denúncias. “Sem ter argumentos, o senador resolveu atacar a minha moral. Mas quero dizer que uma pessoa que tira US$ 13 milhões do Banco do Brasil como o senador tirou, para mim é assaltante de banco”, deu o troco Barbalho.