Tão logo ISTOÉ chegou às bancas, no sábado 15, o senador Eduardo Azeredo recorreu à mais costumeira versão em relação às denúncias de sua participação no chamado Mensalão Mineiro – o esquema ilegal de financiamento da sua malsucedida campanha de reeleição ao governo de Minas Gerais em 1998. “Não houve mensalão em Minas”, disse Azeredo, que foi presidente nacional do PSDB de janeiro a outubro de 2005.

De fato, se quiser entender a palavra “mensalão” como compra de apoio parlamentar para aprovar projetos de interesse do governo, como fez o PT em Brasília, a versão de Azeredo pode até ser justa do ponto de vista semântico. Mas se “mensalão” for um esquema de montagem de caixa 2 com o objetivo de comprar apoios políticos, então o senador precisa procurar outro argumento para a defesa.

Novos documentos obtidos por ISTOÉ mostram o total envolvimento de Azeredo. Eles integram o inquérito nº 2280- 2/140, a partir do qual o procuradorgeral Antonio Fernando de Souza elabora a denúncia que deverá ser apresentada na próxima semana ao Supremo Tribunal Federal. Azeredo corre sério risco de vir a responder pelos crimes de lavagem de dinheiro, peculato, corrupção e/ou formação de quadrilha.

A conseqüência mais imediata da descoberta dos novos papéis, no entanto, não é legal, mas política – os documentos obtidos por ISTOÉ permitem que, a partir de agora, qualquer partido político peça a cassação de Azeredo por ele ter faltado com a verdade quando subiu à tribuna do Senado no dia 26 de julho de 2005, em plena crise do Mensalão Federal. “Não avalizei nenhum empréstimo, não autorizei nenhum empréstimo, não era do meu conhecimento nenhum empréstimo”, disse ele, que na ocasião também negou qualquer proximidade com o publicitário Marcos Valério, figura-chave na montagem do Mensalão Mineiro.

O que se depreende do inquérito é exatamente o contrário. Nas folhas 673 a 680, Azeredo admite que, no início de 1999, Cláudio Mourão, coordenador financeiro de sua campanha, o informou de um empréstimo de R$ 9 milhões do Banco Rural, repassados por Marcos Valério para o financiamento de sua campanha e “não contabilizados” no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais em 1998. Detalhe: mais de seis anos depois de ser informado desse empréstimo, Azeredo insistia em afirmar à imprensa e aos correligionários sua ignorância em relação a tais operações: “Se alguma falha cometi, foi exatamente de tudo não saber”, disse, numa entrevista ao Valor Econômico, reproduzida pelo Diário Tucano, boletim do PSDB na internet

“Na verdade, as provas reunidas nesta investigação demonstram que Marcos Valério obteve diversos empréstimos bancários para simular a origem de recursos repassados para a campanha de Eduardo Azeredo no total de R$ 28.515.000”, diz o delegado Luiz Flávio Zampronha, responsável pelo caso. Os documentos comprovam que em nada menos do que sete ocasiões a campanha de Eduardo Azeredo recorreu a empréstimos dos bancos Rural, Cidade e BCN para alimentar o Mensalão Mineiro. O PSDB ainda pode retificar a sua prestação de contas ao Tribunal Regional Eleitoral e incluir esse dinheiro “não contabilizado”. Até a quinta-feira 20, contudo, permanecia registrado no TRE que o custo oficial da campanha de Azeredo havia sido de R$ 8.555.878,97.

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Na manhã de 2 de agosto de 2005, uma semana após ter faltado com a verdade a seus colegas senadores, Azeredo compareceu espontaneamente à CPI dos Correios, depois que os jornais estamparam as contradições sobre o caixa 2. “Cumpro aqui o compromisso de ser fiel a mim mesmo e à verdade dos fatos que conheço”, iniciou. “Não há aval meu, do meu governo ou do meu partido em qualquer empréstimo de agência! Isso seria, no mínimo uma insanidade ou algo inaceitável que eu não permitiria acontecer.”

A julgar pelos documentos da Polícia Federal, trata-se de outro jogo semântico, de conseqüências ainda mais nefastas para o senador e sua equipe de campanha. Afinal, demonstra o inquérito, o governo de Azeredo não dava o aval – mas desviava, dos cofres públicos, o dinheiro usado por Marcos Valério para irrigar o caixa da campanha.

Um conjunto de notas fiscais, citadas no relatório da PF, comprovam o “esquema utilizado para desviar recursos públicos em benefício do comitê eleitoral de Eduardo Azeredo”. Elas explicam os dois métodos usados para isso: patrocínios fictícios de eventos esportivos e simulação de gastos publicitários.

As análises financeiras feitas pelo Instituto de Criminalística da PF, que constam no Laudo 1998/2006, identificaram na conta corrente nº 605-3, da agência 107 do BCN, de titularidade da SMP&B – empresa de Marcos Valério –, um crédito de R$1.673.981,90 originado da Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig). Para surpresa dos peritos, que compararam esse crédito com a “Lista do Mourão” – um documento de três páginas assinado pelo coordenador financeiro do comitê tucano –, o valor era idêntico ao que o publicitário Valério teria repassado à campanha.

Questionada, a estatal mineira informou que tal pagamento correspondia a quatro notas fiscais emitidas para pagar serviços prestados pela SMP&B numa campanha publicitária educativa denominada “Uso eficiente/Conservação de energia”. Os investigadores descobriram que a peça publicitária nunca existiu e que a justificativa “não passou de uma estratégia para desviar recursos da Cemig visando o custeio das despesas eleitorais da campanha do candidato Eduardo Azeredo”.

Na reconstrução da trilha do dinheiro pago pela Cemig à agência de Valério, os peritos não identificaram quaisquer débitos relativos a serviços de terceiros discriminados nas notas fiscais apresentadas pela SMP&B. “Na verdade, tudo não passou de uma simulação”, atestou o delegado Zampronha. Da verba recebida da estatal mineira, Marcos Valério disse que repassou R$ 1.427.100 para a empresa Graffar Editora Gráfica Ltda., firma supostamente contratada para produzir o material gráfico da campanha publicitária. A Graffar, segundo depoimentos dos próprios funcionários à Polícia Federal, não fez nem tinha condições técnicas de realizar trabalho de tal porte para a Cemig.

A prova irrefutável de que os recursos repassados pela Cemig foram, de fato, desviados para a campanha de Eduardo Azeredo está no Laudo de Exame Econômico-Financeiro nº 1998/2006. Lá, a polícia atesta que, na contabilidade da SMP&B, constam quatro notas fiscais para a Graffar. A Cemig entregou o dinheiro à agência de Valério, mas nenhuma das duas empresas fez qualquer pagamento à Graffar. Ela, portanto, teria emitido as notas para “lavar” o dinheiro. Coincidência: no dia seguinte ao recebimento dos recursos da estatal, saem vários pagamentos da SMP&B para os políticos “segundo as orientações da coordenação financeira da campanha política de Eduardo Azeredo”, segundo a PF. A título de “custo interno”, a SMP&B ficou com R$ 218.235,90 do R$ 1,67 milhão pago pela Cemig.

O que se descobriu a partir da Graffar foi a intrincada rede de conexões envolvida na operação do caixa 2. A Cemig tinha sido dirigida por Carlos Eloy Guimarães, que deixou a estatal para ser um dos coordenadores do comitê de reeleição. No comitê estava Mourão, que era amigo de Cleiton Melo de Almeida, o proprietário da empresa Graffar. No seu depoimento à PF, Mourão disse que só conhecera o dono da gráfica cinco anos depois, em 2003, numa partida de futebol.

“Ambos foram desmentidos pelo próprio Marcos Valério, que afirmou que os dois tornaram-se amigos ainda na campanha de 1998”, segundo Zampronha. Em 2005, Mourão e Cleiton foram fotografados, em companhia do lobista Nilton Monteiro, num passeio de lancha em Cabo Frio. Agora, depois que ISTOÉ divulgou os documentos do Mensalão Mineiro, Mourão fez chegar à cúpula do PSDB a ameaça de contar tudo: “Meu filho já me perguntou se eu sou ladrão. Até para preservar a minha família, eu não vou aceitar isso”, foi o recado dele, segundo um dirigente tucano.

Noutra operação, a PF registra, já depois do segundo turno da eleição, dois débitos em conta da Fundacentro no BCN nos valores de R$ 337 mil (em 30 de novembro de 1998) e R$ 361 mil (em 21 de dezembro). Ao traçar o caminho do dinheiro, descobriu que ele recebeu um título emitido contra a Fundacentro. “Ressalte-se que os recursos oriundos da Fundacentro eram depositados na conta nº 140534976 do Banco Indústria e Comércio, de titularidade da SMP&B São Paulo e posteriormente transferidos para a conta 605-3 do Banco BCN, titularidade da SMP&B Comunicação”, diz o laudo. Ou seja, o dinheiro rodou, rodou e caiu na conta de Marcos Valério.

O documento mais polêmico e misterioso a envolver Azeredo é uma folha de papel, com firma reconhecida em cartório, no qual o senador declara ter recebido R$ 4,5 milhões da SMP&B. Seria o dinheiro que pagou os trabalhos de Duda Mendonça. O documento foi entregue à PF pelo lobista Nilton Monteiro. A polícia, no entanto, não o consolidou no relatório final sobre o caso. Uma cópia dele foi entregue a ISTOÉ por um senador do PMDB que apóia o governo Lula.


Em 2002, quando passou a ser insistentemente cobrado por Mourão para pagar uma dívida de campanha no valor de R$ 700 mil, Eduardo Azeredo falou, entre abril e outubro, 53 vezes por telefone com Marcos Valério. E foi Valério quem quitou a dívida do senador com o ex-coordenador financeiro de campanha. Radiografia precisa dessa intimidade financeira, as mais de cinco mil páginas do inquérito mostram como o então governador e o publicitário montaram a receita paralela que foi usada, entre outras despesas de campanha, para comprar apoios à candidatura de Azeredo no segundo turno da eleição de 1998. Pela semântica, o hoje senador tem razão. No caso do Mensalão Mineiro, ele de fato não pagou parlamentares para aprovar projetos do governo. Do ponto de vista político, o que Eduardo Azeredo fez foi simplesmente tentar comprar um mandato inteiro.

Colaborou: Hugo Marques


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