Na manhã da terça-feira 18, o presidente Lula recebeu no gabinete o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia. Ele se apresentou espontaneamente para explicar o envolvimento no esquema montado para financiar, com dinheiro desviado de estatais mineiras, a campanha à reeleição do então governador tucano Eduardo Azeredo, em 1998. O relatório final da PF aponta Mares Guia como um dos coordenadores desse caixa 2. “Se houver 0,5% de responsabilidade minha nessa história, boto o cargo à disposição”, disse ao presidente.

Em nota divulgada três dias antes, o ministro informou que estava contratando uma auditoria independente para analisar as contas de suas empresas. Foi a melhor resposta que encontrou em relação à reportagem de ISTOÉ, que revelou sua atuação no Mensalão Mineiro. Mares Guia, de fato, tem uma questão fiscal a ser esclarecida pela Receita Federal – uma de suas empresas, usada numa operação triangular com Marcos Valério, apresentou uma movimentação financeira 22 vezes superior à receita, em 2002. As explicações surtiram efeito com o presidente. Como já fez com vários outros ministros, Lula concedeu-lhe o benefício da dúvida.

Mas o problema de Mares Guia é político e, nessa conta, sua responsabilidade não pode ser auditada apenas com números. Na primeira investida para tentar atenuar sua participação no Mensalão Mineiro, o ministro sentiu a pressão dos fatos. Depois da conversa com Lula, Mares Guia se dirigiu ao gabinete do procurador- geral da República, Antonio Fernando de Souza. Pediu mais tempo para apresentar novos documentos em sua defesa. “A investigação corre desde 2005, não vou abrir prazo”, informou o procurador à ISTOÉ, através de assessores. A denúncia está prometida para esta semana.

Depois que o caso veio à tona, Mares Guia sustentou que não era coordenador da campanha de Azeredo em 1998. Como ISTOÉ apontou na semana passada, o ministro de fato não exerceu essa função de maneira formal. Mas, além do que a revista já revelou, novos documentos e depoimentos demonstram que, pela intensidade de sua participação na distribuição dos recursos arrecadados por Marcos Valério, ela não era exatamente o que se pode chamar de informal.

É para Mares Guia que, no dia 29 de junho de 1998, a sócia do publicitário Duda Mendonça, Zilmar Fernandes, enviou uma proposta de contrato para fazer a campanha de Azeredo. Digamos que ele não fosse o coordenador, nem que operasse recursos do caixa 2 do Mensalão Mineiro. Mas como explicar que, nesse documento encaminhado à apreciação de Mares Guia, conste um valor oficial, entre R$ 500 mil e R$ 700 mil, e outro, “extra-oficial”, bem mais alto, de R$ 4,5 milhões?

Outras pessoas envolvidas na campanha atestam a participação de Mares Guia, especialmente no segundo turno da eleição, quando ele já estava eleito deputado federal. O deputado Nárcio Rodrigues, do PSDB mineiro, é um deles. Atual vicepresidente da Câmara, Rodrigues afirma que trabalhou lado a lado com Mares Guia no segundo turno. Só que, enquanto o deputado atuava apenas em sua base, o Triângulo Mineiro, Mares Guia estava no núcleo de comando. “Passando a eleição, ele foi para dentro do comitê”, diz Rodrigues, deixando claro que Mares Guia assumiu como um dos coordenadores da campanha. Um documento publicado pelo jornal O Globo na quarta-feira 19 com prova isso. Trata-se de um fax que Rodrigues enviou para os coordenadores do comitê central de Azeredo. O nome de Mares Guia é o primeiro da lista. “Eu enviei o fax mesmo”, confirma o deputado.

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Em depoimento à PF, o atual secretário de Desenvolvimento Social do governo de Minas Gerais, Custódio de Mattos, então deputado, confirmou ter recebido telefonema de Mares Guia para reforçar a campanha de Azeredo. A partir daí, recebeu dinheiro da SMP&B. O papel central do ministro na campanha em Minas pode ser confirmado também por petistas que são citados como beneficiários da lista de distribuição de recursos elaborada pelo coordenador financeiro da campanha, Cláudio Mourão. O deputado Virgílio Guimarães nega ter recebido os valores atribuídos a ele na lista, mas acha que era pública e notória a participação do ministro. “Era sabido de todo mundo que Walfrido entrou na campanha do Azeredo”, disse Virgílio a interlocutores.

Sem obter mais tempo com Antonio Fernando de Souza, resta a Mares Guia lutar pela sobrevivência dentro do governo. O caso do Mensalão Mineiro reacendeu disputas pela função que ele exerce e uma ala forte do PT colocou sua cabeça a prêmio. Como responsável pela articulação com o Congresso, o ministro das Relações Institucionais ouve as reivindicações de parlamentares, especialmente nomeações, e as encaminha ao presidente. Numa época em que o governo precisa do Congresso para aprovar a CPMF, um projeto de mais de R$ 36 bilhões anuais, isso significa um poder quase ilimitado. Nessas horas, o ministro é capaz de dobrar resistências até mesmo da área econômica, sempre ciosa de nomes técnicos nas empresas sob seu controle.

O relatório da PF sobre o Mensalão Mineiro agrada aos petistas, pois carimba os tucanos como os pioneiros do esquema. O caso pode até pegar um ministro, mas será alguém que nunca foi visto com bons olhos pelo núcleo petista, em especial o Campo Majoritário, inconformado de ter perdido a função de articulação política após a queda de José Dirceu. Para eles, Mares Guia ampliou o espaço dos demais partidos da base de sustentação em detrimento do PT. Por conta de sua lentidão em atender os petistas, Mares Guia é ironicamente chamado, no partido de Lula, de o verdadeiro ministro das Ações de Longo Prazo.

Ao final, porém, a tensão política provocada pelas revelações do Mensalão Mineiro pode resultar numa trégua tácita entre governo e oposição. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), deu a senha. “Esse caso envolve figuras importantes da vida política nacional, notadamente da oposição, mas também da base do governo. Então, não creio que isto sirva para nenhuma das partes fazer disputa nesse momento.” É difícil, porém, que esse tipo de lógica venha a prevalecer no Ministério Público e no STF, meios menos permeáveis ao jogo partidário.


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