Miguel Falabella critica as patrulhas sexuais, mete o pau na mídia e, como trabalhador compulsivo, anuncia uma série de projetos

Todo artista tem direito a fantasiar seu dia de Greta Garbo. Com Miguel Falabella não seria diferente. Na conversa com ISTOÉ, regada a muito café e cigarro, realizada na sua cobertura em Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro, o ator e autor carioca avisou que esta seria sua última entrevista à imprensa. É que ele anda tão descontente com a mídia que transformou o assunto em novela. O roteiro entregue há um ano à diretora-geral da Rede Globo, Marluce Dias da Silva, tem como tema central um jornal respeitado e falido que exagera nas tintas para sobreviver. Até hoje a novela está na gaveta e Falabella não disfarça a mágoa. Mas desmente boatos de que estaria se transferindo para o SBT e prepara-se para novos projetos na Globo, onde é contratado há 20 anos. No próximo ano despede-se do Vídeo show e já recebeu sinal verde para rodar o piloto do programa de reportagens de sua autoria, Povo da noite.

Aos 41 anos, com 15 peças teatrais de sucesso e uma coleção de personagens televisivos que caíram nas graças do público, Falabella parece agir e se comportar como se estivesse acima do bem e do mal. Seu jeito agressivo e impaciente já é conhecido. "Muitos fazem uma imagem horrorosa de mim, mas também não quero ser bonzinho. É muito chato", diz. A fama e o dinheiro lhe proporcionaram acumular uma boate em São Paulo, dois apartamentos em Copacabana, que acaba de vender, um sítio na região serrana de Araras com cinco rottweilers, três automóveis – um Mercedes, um Toyota e uma van Nissan – e o apartamento onde mora com 580 metros quadrados, decorado pelo próprio, em tons branco e marrom, com uma vista magnífica. Da varanda pode-se apreciar a Lagoa, o Cristo Redentor, a Pedra da Gávea e o Morro Dois Irmãos de uma só vez. "Ainda não tenho o dinheiro nem o espaço como autor que mereço", reclama. Este é Miguel Falabella. Dono de um frenesi criativo, o louro acalanta o projeto de contar, à sua maneira, a história do Brasil para crianças em livro acompanhado de CD-ROM e acaba de escrever seu primeiro roteiro para o cinema chamado Polaroids urbanas, adaptação da peça Como encher um biquíni selvagem.

ISTOÉ – É verdade que você recebeu proposta para fazer um talk show e uma novela no SBT?
Miguel Falabella

 Como sou amigo do Gugu Liberato e estamos sendo vistos juntos criou-se essa histeria. Saímos para jantar em São Paulo e depois fomos à minha boate. Vamos abrir uma casa noturna. Não há nada além disso. Estou na praça há anos, se Silvio Santos quisesse já teria me contatado. Para sobreviver na carreira pública aprendi a deixar a boataria rolar.
 

ISTOÉ – Você gostaria de mudar de emissora?
Miguel Falabella

Não sei. Não gostaria de um fazer talk show. Acho a coisa mais chata do mundo. Não tenho o menor interesse em saber da vida de ninguém. Entrevistaria muito bem porque sou culto e inteligente. Mas não tenho tesão.
 

ISTOÉ – Está insatisfeito na Globo?
Miguel Falabella

 Já estive. Quando cancelaram minha novela, no ano passado, fiquei muito chateado. A trama principal fala de um jornal falido. Para sobreviver, ele muda sua linha editorial, de veículo sério e respeitado vira um jornal popular. É uma novela-tese, porque no Brasil tudo é deboche. A imprensa virou um Sai de baixo. Todo mundo tem de ser muito engraçadinho, dizer coisas risíveis. Mas, enfim, a novela era também folhetinesquíssima. O diretor do jornal é um merda. É um intelectual incapaz de administrar qualquer coisa. Seu sobrinho se casa com uma pobretona e morre num acidente. Quando começa a novela, essa viúva moça tem um filho de seis anos e a sogra diz: ‘Você me tirou um filho, agora eu quero o menino para mim.’ Até hoje não fizeram comentário sobre a novela. Mas já entreguei a Deus. Tenho horror a gente que arrasta cadáver. Tudo na minha vida vem certo. Esse grande espaço não era para mim. Tenho de ocupar outros. Adoro fazer o Sai de baixo. Imagina, sou estrelíssima no programa e sou muito bem tratado na Globo.
 

ISTOÉ – Fala-se muito da falta de qualidade dramática e do elemento surpresa nas novelas atuais. Por que elas perderam o impacto?
Miguel Falabella

O processo de desgaste das novelas tem a ver com o processo pelo qual o País vem passando. O Brasil perdeu massa encefálica, empobreceu e seu sistema educacional faliu. Não sei dizer qual é a fórmula para fazer uma novela dar certo. É um mistério. Nunca se sabe como é a cabeça de público.

ISTOÉ – Não cansou de fazer o Vídeo show?
Miguel Falabella

 O Vídeo show já rendeu o que tinha para render. Estou lá há 12 anos e já tinha pedido para sair. Agora eles toparam. Encerro minha participação no ano que vem. Acho que o programa pode ser reformulado. O Fantástico não está aí há tantos anos? Mas o meu ciclo já fechou.
 

ISTOÉ – O que você quer fazer?
Miguel Falabella

 Apresentei a Marluce Dias da Silva a sinopse de um programa chamado Povo da noite. Ela gostou e vamos fazer o piloto. Adoro noite, adoro dançar. Então pensei em ir num forró, numa boate mauricinho, pegar aquelas putas de Copacabana. É um programa que não terá praticamente nenhum custo. Basta uma equipe de reportagem. Eu entro, danço, brinco, converso, falo umas maluquices. É mais a minha cara. Vou fazer 20 anos de casa. Fiz muita coisa legal e ainda tenho muito para fazer. Estamos nos reunindo com o Daniel Filho e discutindo mudanças. Talvez o Sai de baixo sofra uma renovação. Talvez se crie um novo programa. Há quatro anos estamos na lista dos cinco programas mais vistos. Tenho uma carreira vitoriosa na Globo.
 

ISTOÉ – Tom Cavalcante não faz falta no Sai de baixo?
Miguel Falabella

 Aparentemente não. Estamos com média de 37 pontos de audiência. Tom é um grande comediante popular. Todos trabalhamos muito para conseguir nos adequar uns aos outros. Mas ele quis sair e não iríamos parar o programa por causa disso. A não ser que o público reagisse. Ele tinha espaço, não entendi por que quis sair. Acho que está certo de correr atrás do dele. Eu nunca tive nenhum problema com o Tom.
 

ISTOÉ – Você não gostaria de ter um programa de humor?
Miguel Falabella

 Não faço questão dessas coisas. Hoje o que me seduz é escrever. A minha vaidade cada vez mais é outra, é intelectual. Quero fazer cinema. Estou terminando o roteiro de meu primeiro filme, Polaroids urbanas. É uma adaptação da peça Como encher um biquíni selvagem e terá atrizes como Cláudia Jimenez e Arlete Salles. A Columbia Pictures vai produzir e distribuir. Jogo em todas as áreas, senão fica chato. Também quero escrever um livro de história do Brasil para crianças, que sairá acompanhado de CD-ROM. Se conseguir juntar uma grana, vou viver só de escrever e me mudo para São Paulo. Estou cansado desse deboche do Rio.
 

ISTOÉ – O público nunca reclamou da aversão que o personagem Caco Antibes tem a pobre?
Miguel Falabella

 O Caco Antibes é a cara do Brasil, dominado por uma burguesia decadente e completamente psicótica. O Caco é um fascista e louco. Mas é feito com charme e vira um engraçado. Os pobres adoram, me dão presentes, me contam situações. Acho saudável essa reação. O povo é sempre mais saudável que a classe dominante. O Brasil só continua de pé porque o povo tem capacidade de rir de si mesmo.

ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre a campanha do senador Antônio Carlos Magalhães contra a pobreza?
Miguel Falabella

 Todas as campanhas em prol do povo são teoricamente muito interessantes. O problema é se elas serão levadas a cabo a contento. A gente vê tanta coisa neste país que fica pasmo. Tenho muito medo do futuro. O Brasil é tão paradoxal que de repente podemos virar um país fundamentalista porque a ignorância é vizinha da maldade. Eu dou crédito ao ACM e a todo mundo, até que provem o contrário. Tem gente que faz mais coisas ruins do que boas, mas ninguém é inteiramente mau.

ISTOÉ – A Xuxa é um mau exemplo para o País?
Miguel Falabella

 Se o Serra falou dela no ar, Xuxa tem todo o direito de resposta. É um contra-senso o ministro dizer que a apresentadora é um mau exemplo e ao mesmo tempo ela ser convidada para a campanha de vacinação do Ministério da Saúde. Serra fez um comentário infeliz.
 

ISTOÉ – Você recebeu alguma advertência por ter criticado o mágico Mr. M durante a apresentação do Vídeo show?
Miguel Falabella

 Todo mundo sabe que mágica é truque e remete à poesia da infância. Esse cara é o retrato da nossa sociedade, onde tudo é válido por dinheiro. Tô fora de Mr. M e de qualquer pessoa que me tire a fantasia. Eu sempre falei o que quis e a Globo não é fascista.
 

ISTOÉ – Como é seu processo criativo?
Miguel Falabella

 Gosto muito de escrever sobre a classe média. Essa prostituição da classe média me apavora. É uma descida da ladeira legal. Outro dia na minha boate uma mulher estava distribuindo cartão das duas filhas. Eu sei que é uma caretice, mas fiquei chocado com aquela mãe agenciando as filhas, que eu chamo de modelo-manequim-piranha. Acabo de escrever um quadro para a Cláudia Raia na peça Cinco vezes comédia. Ela será uma dona de casa que faz lasanha no domingo e é traficante. As idéias vêm ao mesmo tempo. Começo uma coisa, paro, retomo. Estou escrevendo outra peça, Capitanias hereditárias, sobre três casais riquíssimos. Gosto de contar de que maneira vejo o mundo. O Brasil ainda não olha para o humor com a seriedade que devia. A comédia é a melhor maneira de dizer a verdade para os outros. Você ri, mas depois alguma coisa começa a te incomodar. Não tenho no Brasil o espaço de autor que mereço. Tenho mais espaço na Argentina, onde há quatro peças minhas sendo montadas. A partilha foi montada em nove países da América Latina e em Portugal.
 

ISTOÉ – Como a fama e o dinheiro interferiram em sua vida?
Miguel Falabella

 É muito difícil fazer sucesso num País falido, que tem um inconsciente coletivo perdedor. Meu dinheiro vem do meu trabalho. Ralo muito. Ontem fiquei até as duas da manhã no computador. Não gosto de dar entrevista porque não gosto de ficar cagando regra. As pessoas param de se olhar para olhar o outro. Vamos saber com quem ele transa, quem ele come. E a ala dos pagodeiros da imprensa está aí para isso. Se não perguntar essas coisas, nem é respeitado na redação. Se não tiver um pedaço de osso para entregar para as hienas não será respeitado. Fiz anos de terapia. Converso comigo para cacete. Dirigindo o carro, então, pareço um doido. Tento ser uma pessoa decente. Não consigo sempre. Mas não mudei. Mudou a maneira que as pessoas me olham. Muitas fazem uma imagem horrorosa de mim. Eu não gosto de enrolação, não tenho tempo para perder. Mas também não quero ser bonzinho. É muito chato. Eu ainda não tenho o dinheiro que mereço ter. Imagine se eu fosse americano, com peças na Broadway? Mas não me queixo. Meu caixão não tem gaveta. Quando estou em crise, sonho em vender sorvete ou boné na Finlândia. Se você não tem estrutura para a fama pira legal. Tem uma hora que você não aguenta mais a invasão. Mas a minha relação com o público é muito legal. Tenho na Internet o grupo dos miguelmaníacos. Recentemente eles fizeram uma caravana e foram todos me ver em São Paulo. Criaram várias home pages e de vez em quando nos comunicamos.
 

ISTOÉ – Os homossexuais estão enraivecidos com o personagem gay vivido pelo ator Luís Carlos Tourinho na novela Suave veneno. Acham que ele é muito caricato.
Miguel Falabella

 Há todo tipo de gay, como há todo tipo de gente. Que bobagem. Tem tanta bicha afetada dando pinta na rua. Qual é o problema?
 

ISTOÉ – Muitas pessoas famosas estão assumindo publicamente a homossexualidade por achar que é uma forma de acabar com o preconceito. Você acha importante levantar esse tipo de bandeira?
Miguel Falabella

Se você quer entrar na minha vida pessoal, desista já. Não sei para que assumir. O preconceito sempre existiu e sempre vai existir. É da natureza. A natureza é uma ciranda de mortes e assassinatos. É uma grande bobagem tudo isso. Bota um pássaro no meio dos pardais e vê se ele não morre de porrada. Essa discussão é coisa de uma classe média intelectual. O povo não tem essa preocupação. Quer comida, escola, saúde. Quando as pessoas são marginalizadas pela sua opção sexual, deve-se botar a boca no trombone sim. De qualquer forma, acho cafajeste opções sexuais declaradas, da mesma maneira que acho cafajeste um casal se chupar no meio de uma boate. Essa exibição pública da sexualidade é extremamente deselegante, seja gay, lésbica ou hetero. Os movimentos de defesa dos homossexuais são importantes porque tem muita gente que é massacrada. O que não pode são pessoas que pensam igual estarem brigando por coisas menores. Há coisas maiores como o descaso da polícia no assassinato de homossexuais.
 

ISTOÉ – O que acha de galãs hetero irem parar na capa de revistas gays? Você já recebeu convite, posaria?
Miguel Falabella

 Eu não posaria e acho que ninguém está querendo me ver nu. Não preciso. Mas fico apavorado com as fotos para entrevista. Por isso te dou o tempo que quiser para foto. Brasileiro gosta de ver figura, né? Então se a foto for boa, é maravilhoso. Um jornalista de São Paulo acabou com minha raça numa matéria, me pegou para cristo. Mas a foto era linda. Todo mundo me ligou ou mandou e-mail dizendo que eu tinha arrebentado na matéria. Ninguém leu (risadas)! Se você fizer uma linda foto, meu amor, pode falar o que quiser.
 

ISTOÉ – Você tem medo da morte e da solidão?
Miguel Falabella

 Minha astróloga diz que já nasci sabendo que iria morrer. Não tenho apego a nada. Tenho fascínio pela morte. O grande problema da sociedade ocidental é que ela chora a perda do carro, da casa. Eu brinco com o carrinho, com a casa, mas não ligo para nada. As pessoas não entendem o que é o amor, então não vão conseguir entender o tempo e o cosmos. Não tenho solidão, meu amor. Eu leio, escrevo, tenho amigos.