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O poder embriaga. O poder é afrodisíaco. O poder isola. O poder cobra seu preço. Que o diga a presidenta Dilma Rousseff. Às vésperas de entrar em campanha na disputa por mais quatro anos no Palácio do Planalto, ela confidenciou na semana passada que a incomodam muito as amarras impostas pelo mais alto cargo da República. Com seus movimentos limitados (e sempre vigiados), ela admitiu pela primeira vez estar recorrendo a fugas (assim mesmo, no plural) para viver alguns momentos triviais e experimentar sensações que estão ao alcance de qualquer cidadão comum. “Brasília tem um inconveniente, porque não tem esquina, como nas outras cidades. Não tem como eu caminhar até ali e comer uma coisa. Mas eu ando fugindo bastante, sabe?”, diss em entrevista a rádios do grupo gaúcho RBS. “Uma pessoa que foge não fica contando que foge, mas é fácil fugir”, completou.

“Não tem como eu caminhar até ali e comer
uma coisa. Mas eu ando fugindo bastante, sabe?”

Dilma Rousseff, presidenta da República

Quantas terão sido as escapadas? Com quem? Quais eram o destino e o objetivo? Já se conhecia – fruto de uma inconfidência do ministro Edison Lobão, que ouviu o relato da própria Dilma – o passeio de moto na garupa do ex-ministro da Previdência Carlos Gabas, em agosto passado. Ou uma caminhada anônima pelas ruas de Nova York, há três anos. Na entrevista, a presidenta relatou outro episódio, em que ensaiou uma volta, a pé, pela Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, um cenário da sua infância. “Mas não durou muito, não”, lamentou. “Vinha assim uma barreira, uma coluna de câmeras, aí não pude andar.” Descontraída, Dilma queixou-se de não dirigir mais seu próprio carro e disse que gostaria de tirar habilitação para pilotar motos. “Agora entendo por que tem tanto motoqueiro. É uma grande sensação de liberdade.”

Mais ou menos inocentes, discretas ou deliberadamente “vazadas”, as escapulidas em busca de sensações (nem sempre tão prosaicas) são uma espécie de tradição nas altas esferas públicas. O marechal Costa e Silva, segundo presidente do regime militar, deixava o Alvorada às escondidas para deleitar-se nas mesas de carteado. João Goulart, Juscelino Kubitscheck e até mesmo Getúlio Vargas são famosos por usarem seu tempo livre em expedições secretas ao idílio. Contavam com a cumplicidade de assessores e seguranças para ocultar seus compromissos extra-agenda e extraconjugais. Fugas presidenciais poderiam ocorrer até mesmo sem deixar a imensidão dos palácios. O presidente americano John Kennedy muitas vezes “perdia-se”, com companhias femininas, em cômodos obscuros da Casa Branca. Décadas depois o também democrata Bill Clinton imitou seu ídolo político. Menos cuidadoso, porém, acabou flagrado e uma aventura sexual com uma estagiária nos corredores do poder por pouco não resultou em seu impeachment.

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Itamar Franco, por sua vez, não fazia mistério de sua busca por diversão. Um raro presidente sem primeira-dama (era viúvo quando assumiu o Planalto), não se incomodava em ser fotografado com a namorada no cinema ou em ter sua vida romântica cercada de especulações. Também não ruborizava diante das cenas insólitas, como quando foi fotografado ao lado da exibicionista Lílian Ramos, uma atriz de segunda linha catapultada para o estrelato pela ausência de decoro (e de peças íntimas) no camarote presidencial do Carnaval do Rio de Janeiro em 1994. 

Dilma também não tem um cônjuge com quem dividir os prazeres e as angústias do poder. Normalmente contida e discreta, a presidenta nunca escondeu que seu foco principal está no trabalho e muitas vezes queixou-se de sofrer uma cobrança maior por sua condição de primeira mulher a chegar ao topo da hierarquia política nacional. Agora, sentindo-se em casa no Palácio do Alvorada – onde foi feita a entrevista –, ela falou com naturalidade até quando a pergunta insinuava uma intromissão em seu universo particular. Questionada se também já havia fugido para namorar, Dilma não se esquivou. “Seria muito bom que eu estivesse fugindo para isso, pois seria, assim, um momento de grande relaxamento”.

ilustração: ivan frare
Foto: josé paulo lacerda/ae