Dona Raimunda da Conceição Almeida foi criada temendo a Deus e acreditando na Justiça. Pobre como suas gerações anteriores, ela herdou a fé e a vontade de lutar. Um dia, pela sua porta, passa o MST e ela, ao lado do marido, embarca, rebocada pela máxima "invadir, ocupar, produzir". Mas no meio do caminho da família Almeida estavam os homens do coronel Pantoja. Na noite de 17 de abril de 1996, dona Raimunda passou a ser uma viúva de Eldorado do Carajás. Iniciava ali uma nova luta. Desta vez, por justiça. Como relata o repórter Aziz Filho, a partir da página 32, o julgamento dos oficiais que comandaram a operação contra os sem-terra acabou em absolvição. E o pesadelo de dona Raimunda tornou-se concreto.

Na mesma noite em que a impunidade vencia mais uma batalha, PMs do Pará estiveram no acampamento dos sem-terra. "Vamos voltar", foi a mais branda das ameaças. Cansada, dona Raimunda não pretende pagar para ver. Quer desaparecer de lá. É a vitória do terror. O mesmo terror que amedronta uma mulher da cidade grande. Nem Vera Malagucci, casada com um dos advogados dos sem-terra, o ex-governador Nilo Batista, suportou a pressão. "Quero voltar para o Rio amanhã", desabou, resumindo o clima reinante em Belém.

A democracia é baseada no equilíbrio entre os poderes e numa sensação de que a barbárie, no final do filme, acaba perdendo. Quando essa sensação começa a desaparecer, tudo fica mais complicado. No meio de mais uma semana tensa, com a alta do dólar e a pressão política, o presidente Fernando Henrique Cardoso lembrou o sociólogo para decretar: "O Brasil ainda não tomou consciência que a impunidade ou a sensação de impunidade impedem a consolidação da democracia." Uma conclusão dolorosa de tão óbvia une dona Raimunda e o presidente: "Alguém foi responsável."