Quase 70 anos após o fim da Segunda Grande Guerra, até hoje surgem revelações desse que é considerado o conflito mais terrível da humanidade. Na semana passada, veio a público a descoberta de 1.406 obras de arte que passaram as últimas décadas encerradas em porões e quartos escuros, longe da vista de todos, em Munique, na Alemanha. Assinadas por 16 gênios, entre os quais Picasso, Matisse e Chagall, esses quadros, aquarelas, litografias, gravuras e desenhos – alguns datados do século XVI – constituem um acervo avaliado em um bilhão de euros (R$ 3 bilhões). Por trás do sumiço, há a suástica nazista: as preciosidades pertenciam a judeus obrigados a vendê-las a preços módicos ou foram confiscadas pelo regime.

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“É a maior descoberta de quadros roubados durante a Segunda Guerra”, diz o presidente do Registro de Obras de Arte Perdidas, Julian Radcliffe, de Londres. O Museu do Holocausto, dos Estados Unidos, estima que os nazistas se apropriaram de cerca de 16 mil obras de arte – muitas estão espalhadas pelo mundo, com paradeiro ainda desconhecido. Recentemente, museus holandeses identificaram, em exposição naquele país, 139 quadros apreendidos de judeus. O confisco atendia a um capricho de Adolf Hitler, para quem “obras degeneradas”, como ele se referia à arte moderna, deveriam ser banidas do planeta. “Hitler era um artista frustrado que associava qualquer tipo de obra abstrata à decadência, aos doentes mentais ou aos judeus”, diz Fernando Amed, do Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo.

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JOIA
Reprodução de tela de Matisse encontrada no apartamento de Cornelius Gurlitt,
em Munique, na Alemanha. O acervo dos nazistas é procurado em todo o mundo

As peças recém-descobertas eram mantidas escondidas no apartamento de Cornelius Gurlitt, 79 anos, filho do historiador e negociador de arte alemão Hildebrando Gurlitt, conhecido nos círculos internacionais por comercializar – com autorização de Joseph Goebbels, ministro de Hitler – as obras que os nazistas tiraram dos judeus. Com o fim da guerra, alegou que sua coleção havia sido destruída nos bombardeios a Dresden, em 1945. Seu filho Cornelius passou a vida se mantendo graças ao lucro da venda de algumas obras. As investigações em torno dele começaram por suspeita de sonegação fiscal.

Os integrantes do Projeto de Restituição de Arte Max Stern (um conceituado galerista judeu que teve obras confiscadas nessa época), da Universidade de Concórdia, no Canadá, acreditam que quadros de Stern também estejam no acervo. “Infelizmente, até que o governo alemão libere uma lista das obras, nós não sabemos ao certo”, disse à ISTOÉ Fiona Downey, relações-públicas da universidade. A expectativa é grande e animadora, já que, tudo indica, as peças estão em boas condições. O Ministério Público de Munique contratou uma especialista para avaliar e levantar a origem dos trabalhos.

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PREFERÊNCIA
Reprodução de obra de Marc Chagall recuperada pela polícia: Hitler não
gostava de arte moderna e chamava o estilo de "obra degenerada"

Apesar da pressão internacional, o procurador público alemão Reinhard Nemetz ainda não fixou data para divulgar a lista completa das obras recuperadas. O motivo de alguns quadros serem desconhecidos dos historiadores é explicado pelo marchand paulista José Marton: “Naquela época, era comum obras serem compradas e não catalogadas.” No entanto, o fato de as obras não terem sido destruídas reafirma que muitas atrocidades nazistas eram motivadas por dinheiro, e não por ideologia. “Eles atacaram os bens materiais, desde valores em banco, joias, propriedades e obras de arte, até dente de ouro arrancado das bocas dos judeus”, complementa Osias Wurman, cônsul honorário de Israel no Rio de Janeiro. As geniais criações de artistas plásticos confirmam que o passado insepulto da guerra sempre volta.

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