Agendas de telefone, às vezes, funcionam como uma espécie de inventário afetivo. Foi com esta sacação que o escritor, cronista e dramaturgo Mario Prata escreveu Minhas mulheres e meus homens (Objetiva, 252 págs., R$ 24). Folheando sua agenda de 600 nomes, ele percebeu que com cada um deles tinha vivido uma situação curiosa. Selecionou as 230 melhores, 120 com homens e 110 com mulheres, e individualmente reservou-lhes uma minicrônica. "O livro é um beijo nos meus amigos", sentencia Prata, que completa 30 anos de carreira.

Entre as reminiscências, Prata traz à tona a convivência com gente como Chico Buarque, que aparece em vários momentos cômicos, ou Maitê Proença – ainda bem jovenzinha – participando das travessuras amorosas do escritor. Há também intelectuais vetustos em flagrantes de relaxamento como Sérgio Buarque de Hollanda, que por puro exibicionismo experimentou um cigarro de maconha, ou o combativo jornalista Samuel Wainer descrito em sua derradeira conquista amorosa de uma estonteante dinamarquesa. Em seus verbetes-crônicas, Prata relembrou Vinícius de Moraes, Gabriel García Márquez ou Rubem Braga, mas se dedicou principalmente a anônimos, velhos, jovens e crianças em passagens igualmente divertidas e desconcertantes. "Os famosos estão lá porque foram meus amigos e não porque são famosos", acentua Prata, que, contrariando uma sugestão da editora, excluiu qualquer celebridade da capa para evitar mal-entendidos.

Mario Prata jura que consultou os personagens das histórias mais picantes, principalmente quando o assunto envolvia drogas como o episódio com o ator e cineasta Hugo Carvana. Entre outras indiscrições, o autor conta como salvou a sexóloga Marta Suplicy que teve uma inesperada menstruação em pleno aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro. Ele próprio revelou fraquezas, tanto numa dor-de-cotovelo homérica – quando, fazendo Chico Buarque de confidente, originou uma das mais belas canções de amor da música brasileira – ou em grandes gafes escatológicas. Minhas mulheres e meus homens, na verdade, funciona como um dicionário para voyeurs, considerando-se ainda a leitura aleatória dos verbetes. Prata, porém, sugere que se leia o livro em ordem cronológica. É aí que ele assume um caráter quase de romance – ainda que fragmentado – sobre sua geração.

Como se fosse uma autobiografia, a vida do escritor se confunde com a história recente do País, avançando sobre os anos 60, 70, 80 e 90. Assim vai se acompanhando as mudanças de costumes, do sexo no início quase inatingível à total liberalidade. Das drogas ainda tímidas à total fartura. Do País se transformando politicamente, começando na repressão pesada, passando pela redemocratização, pelo PT e seus deputados – um deles guardador de lança-perfume – até desembocar no atual reinado dos tucanos, com a socióloga Ruth Cardoso convertida em primeira-dama. É como se a vida brasileira das últimas décadas coubesse numa agenda de telefones.