A cena se passa nos estúdios da Atlântida, no Rio de Janeiro, nos anos 1950. Diante do esmero com que um jovem varria o local, o ator Grande Otelo fez piada: “Menino, não varre muito não. Você pode varrer o cinema nacional.” O “menino” era o mais novo contratado da produtora, o carioca de 23 anos José Carlos Aranha Manga. Dois anos depois, Grande Otelo estava sendo dirigido por ele em “A Dupla do Barulho”, ao lado de Oscarito. A história do rapaz que largou a faculdade de direito e a promissora carreira num banco para entrar na maior empresa de cinema da época e em pouco tempo revolucionar as chanchadas parece uma estripulia típica do gênero. No entanto, são fatos reais, narrados na biografia de Carlos Manga, escrita pelo jornalista Sérgio Cabral. “Quanto Mais Cinema Melhor” (Lazuli) conta como o improviso foi produzindo grandes sucessos de bilheteria, o mais aclamado deles chamado “O Homem do Sputnik”, cujo público estimado em 15 milhões de espectadores nunca foi superado por qualquer filme nacional.

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IRREVERÊNCIA
Manga, entre as atrizes Eliana Macedo e Fada Santoro
nas filmagens de "Nem Sansão Nem Dalila", de 1954: clássico

Manga era autodidata e aprendeu tudo vendo na adolescência clássicos de John Ford, Billy Wilder e Robert Wise. Em “Carnaval Atlântida”, em 1952, ele ousou ao colocar a câmera no chão para filmar o cantor Dick Farney. Nessa época, as chanchadas já tinham caído no gosto popular, mas ganharam com ele um novo padrão de qualidade.

A crítica especializada, que torcia o nariz para esse tipo de comédia, foi se rendendo e o diretor fez seu nome. Em ascensão no momento, Chico Anysio logo percebeu que Manga brilharia também na televisão e o convidou para dirigir o seu programa na TV Rio. De cara ele veio com uma inovação: criou um efeito de montagem que possibilitava ao comediante contracenar consigo mesmo. Para o público de 1958, esse truque era o máximo.

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A parceria se perpetuou na Rede Globo, onde Manga trabalhou até 2012 – dirigiu, entre outros, “Os Trapalhões”, “Domingão do Faustão” e “Zorra Total”. Apesar de ter se afastado da tevê nos anos 1980 para produzir comerciais, acabou voltando em 1991, para cuidar de minisséries como “A, E, I, O, Urca” (1990) e “Agosto” (1993). Em 60 anos de carreira, passeou por todos os gêneros. Todos eles aprendidos na prática.