O senador Aécio Neves, candidato à Presidência da República pelo PSDB, apresentou ao Congresso um projeto de lei visando transformar o Bolsa Família em um programa de Estado permanente, incorporado à Lei Orgânica de Assistência Social. Trata-se, também, de uma cartada eleitoral. A oposição busca neutralizar as acusações de “terrorismo”, renovadas a cada eleição, pelo seu (suposto) desejo de extinguir o programa – ameaças que também ajudam o governo a “perpetuar-se” no poder. A propósito, Marina Silva e Eduardo Campos já se comprometeram a manter o programa.

Originado no projeto Comunidade Solidária, da professora Ruth Cardoso, em 1995, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, o Bolsa Família foi consolidado nos governos petistas, tornando-se um vasto programa social e um formidável trunfo eleitoral. Em 2002, os tucanos gastavam R$ 3,2 bilhões (em valores atualizados) com ele. Hoje, a rede de assistência custa R$ 21,4 bilhões, ou 0,5% do PIB, atingindo 13,5 milhões de famílias e beneficiando 50 milhões de pessoas de baixa renda. Tradicionalmente, esse custo é comparado aos 5,5% do PIB que o governo gasta anualmente para rolar a dívida pública e pagar os portadores de títulos do Tesouro Nacional e fundos de investimento.

Ocorre que os 50 milhões de beneficiados que recebem até R$ 200 mensais são o extrato no qual o governo Dilma detém a maior intenção de voto em 2014 (50% contra 42% na população em geral). A constatação turva o discurso triunfante sobre “transferência de renda direta na veia”, feito no décimo aniversário do programa pela presidente Dilma: “Varremos as políticas clientelistas centenárias no nosso país”. Para a oposição fez-se precisamente o contrário: projetou-se o clientelismona era do cadastro digital, promovendo o maior estelionato eleitoral já praticado no Brasil.

Em ambos os casos, muitos se perguntam como e quando o Bolsa Família vai acabar. Como funciona a “porta de saída” que converte assistencialismo em salto de capacitação, empreendedorismo e trabalho? Como consolidar uma distribuição de renda indutora de mobilidade social avessa à formação de uma geração de “encostados”, com cabresto eleitoral vinculado a cartão bancário?

Ninguém quer acabar com o Bolsa Família. Seus benefícios amenizam a consciência pesada da lamentável concentração de renda brasileira. Não importa se o mercado o despreza, a sociedade é maior do que o mercado. Mas poderá o Estado continuar a aumentar seus gastos como vem fazendo? É possível ignorar os riscos de um quadro de crescente endividamento público, déficit na balança de pagamentos, truques fiscais, inflação acima da meta (embora abaixo do teto) e municípios e Estados reivindicando afrouxamento na Lei da Responsabilidade Fiscal?

A essa altura, muitos acham que alguma coisa drástica terá de ser feita para se preservar as conquistas econômicas e sociais arduamente conquistadas nos governos FHC e Lula. Isso deverá acontecer inevitavelmente após as eleições presidenciais de outubro de 2014. Talvez a rotatividade no poder ajude. O pior é ignorar que desajuste requer ajuste.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta