25/08/1999 - 10:00
Naquela manhã de 21 de agosto, "o sol nasceu de novo e não amanheceu", como diz a letra de uma de suas canções. Raul Seixas fora encontrado sem vida em seu apartamento no centro de São Paulo. Milhares de fãs lotaram o pavilhão de exposições Anhembi, onde o corpo foi velado, e cerca de cinco mil pessoas acompanharam o enterro no cemitério Jardim da Saudade, em Salvador, carregando emocionadas o caixão do ídolo. Dez anos depois, Raulzito, o Maluco Beleza ou o Cowboy Fora da Lei, continua, de certa forma, existindo. Isso se deve à paixão de seus admiradores e à genialidade do artista, que misturou o melhor rock dos anos 50 e 60 com ritmos brasileiros e letras de protesto. O cover Roberto Seixas Baiano, 40 anos, de Salvador, visita sempre o túmulo do artista e define assim sua durabilidade: "A música é tão especial que se enquadra em qualquer geração." A letra de Aluga-se (A solução pro nosso povo eu vou dar/Negócio bom assim ninguém viu/Tá tudo pronto aqui/É só vir pegar/A solução é alugar o Brasil), por exemplo, pode ser uma boa sátira às privatizações. As pessoas que têm notado a atualidade da obra surpreenderiam o próprio Raul. Há semanas, ao comentar a reação à sua proposta do imposto contra a miséria, o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, brindou seus pares com uma citação de Ouro de Tolo: "Eu é que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar."
Para o baiano Marcelo Nova, 48 anos, que foi parceiro de Raul nos últimos shows, o segredo é a originalidade: "Ele conseguiu imprimir uma digital tão nítida que eu acho que o seu trabalho vai durar bastante tempo." Eles se apresentavam como Diabão e Satãzinho. "Para ele e para o que ele deixou não existe limite. Ele era um anarquista", completa. Marceleza, como o Raul o chamava, marcou um show com músicas da dupla no sábado 21 em Inconfidente, em Minas Gerais.
No Brasil há 49 fãs-clubes Raul Seixas. Na Bahia, o mais ativo é Raul Seixas Forever Oficial Fã Club. Dirigido por um de seus amigos de infância, Thildo Gama, 54 anos, tem 166 sócios. "Quero criar o Raul Tour para visitar locais por onde ele passou", planeja. Em São Paulo, o Raul Rock Club tem quatro mil associados, entre eles garotos de 13 anos. O presidente Sylvio Passos, 36 anos – o "Sylvícola" para Raul – teria sido advogado pelo desejo dos pais. "Optei pelo raulseixismo", diz ele. Em março, casou-se com Renata, 18 anos, fã de Raul desde os nove, na Cidade das Estrelas, em São Tomé das Letras (MG), onde Raul queria construir a Sociedade Alternativa.
O sonho de Raul foi tema do livro A paixão segundo Raul Seixas (Editora Maya), do engenheiro Antonio Walter Sena, conhecido como "Toninho Buda", de Juiz de Fora, recém-lançado em São Paulo. Eles se conheceram num show em 13 de agosto de 1983. "Sua morte foi a minha maior perda", conta, chorando. Na semana passada, as homenagens se multiplicaram. No Rio, sua última esposa, Kika Seixas, programou para a quinta-feira 19 o show Tributo a Raul Seixas, com Zé Ramalho. Em Salvador, foi marcada para sábado 21 a apresentação da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia e do grupo Os Panteras, primeiros parceiros do ídolo. Em São Paulo, no mesmo dia, foi programada uma passeata no centro, com um trio elétrico.
Até papel de cupido Raul anda fazendo. O casal de namorados Mirela Franco Barella, 18 anos, e Tiago Sotero de Sá, 19, uniu-se para escrever o livro Dez anos sem Raul Seixas. Fã de carteirinha do Maluco Beleza, ele descobriu há cerca de um ano que queria ser escritor. Mirela o incentivou e não se separam mais. "Ela sabia que o raulseixismo era minha filosofia de vida", conta Tiago. Antiga sócia do Raul Rock Club, a historiadora Luciane Alves, 29 anos, autora de O sonho da Sociedade Alternativa, conheceu suas músicas aos 12 anos. Aos 13, já tinha todos os discos. "A maior emoção que eu já senti foi ter visto ele cantar em um show em 1989", afirma. Foi ela quem idealizou a passeata em São Paulo. "Para mim o Raul nunca vai morrer." Não é só ela que acredita nisso.
Colaborou Carlos Leal (Salvador)
